04 agosto 2025

EUA em declínio

Decadência do império americano
O MAGA é um grito de pânico de um império em decadência, tentando congelar o tempo e restaurar um mundo não mais existente. O complexo industrial americano hoje não compete com os carros elétricos chineses, com os semicondutores de Taiwan, ou com a engenharia robótica da Coreia
FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*/A Terra é Redonda  

1.

A crise americana contemporânea representa o desespero de Donald Trump e de parte da elite política e econômica dos EUA com a percepção de declínio irreversível da hegemonia norte-americana, em um mundo incapaz de aceitar mais, sem questionamento, a ordem do pós-guerra. Ela garantiu aos EUA o privilégio exorbitante de dominar a moeda, o crédito, o consumo e a narrativa global.

Donald Trump, na realidade, demonstra um pânico imperial: o medo da decadência americana. O desespero dele é o desespero do Império americano decadente, tal como já aconteceu com o romano, o chinês – auge com a dinastia Ming (1368-1644), depois da queda da dinastia Mongol, iniciada em 263 – e o britânico, se olha no espelho do século XXI e não se reconhece mais como potência incontestável.

Durante 1980 anos, os EUA desfrutaram do chamado por Valéry Giscard d’Estaing chamou de “privilégio exorbitante”: a capacidade de emitir a moeda de reserva global (o dólar) sem lastro produtivo correspondente, financiando déficits colossais com a confiança alheia na compra dos títulos de dívida pública americana. Em resumo, os EUA consomem o não produzido por si próprio e gastam o não arrecadado em tributos – e quem financia esse privilégio é o resto do mundo!

Esse arranjo funcionou porque o dólar era tido como porto seguro global. Os títulos do Tesouro dos EUA (Treasuries) eram comprados por Bancos Centrais do mundo inteiro como ativos de reserva supostamente imunes ao risco.

A indústria americana dominava o valor agregado, enquanto o Sul Global exportava commodities baratas e importava valores caros. Mas agora, a revolução comunista da China virou uma revolução consumista, com o barateamento dos antes considerados “bens-de-luxo” (ou bens de consumo capitalista), e essa engrenagem está em processo de erosão histórica.

A nova divisão internacional do trabalho desponta porque o mundo está exaurido de tanto financiar os Estados Unidos. Enquanto os EUA tentam manter seu padrão de consumo e militarismo com base em emissão de papel-moeda e dívidas, o Sul Global reage: China, Índia, Brasil e Rússia criam acordos bilaterais em moedas locais; reservas internacionais começam a ser diversificadas com RMB, ouro e até criptoativos soberanos; o BRICS amplia discussões sobre alternativas ao dólar para financiamento e comércio.

Infraestruturas como Pix, Drex, CIPS, UPI e e-CNY oferecem tecnologia de ponta para pagamentos baratos e instantâneos, em sistemas públicos e gratuitos não possuídos pelos EUA. A ironia é brutal: o império inventor do cartão de crédito e o dólar digitalizado não tem Pix, Drex ou DrexCoin, enquanto o Sul Global lidera a revolução dos pagamentos em tempo real.

2.

A mudança na tecnologia industrial é ilustrada pela fuga da Ford diante o mercado brasileiro e a BYD adquirindo sua fábrica na Bahia, ampliando-a e modernizando-a. A ironia é maior quando se observa o significado da sigla BYD: Build Your Dreams, em português se traduz como “Construa Seus Sonhos”. A empresa BYD é uma fabricante chinesa de carros elétricos e híbridos, e atua também em outras áreas como eletrônicos, energia renovável, baterias e transporte ferroviário.

O complexo industrial americano, outrora vanguarda da revolução fordista, hoje não compete com os carros elétricos chineses, com os semicondutores de Taiwan, ou com a engenharia robótica da Coreia.

A revolução fordista refere-se à introdução e disseminação do Fordismo, um sistema de produção em massa idealizado por Henry Ford. Ele revolucionou a indústria automobilística e a produção industrial em geral no século XX.

Esse sistema era caracterizado pela aplicação da linha de montagem semiautomática, pela padronização de produtos e processos e pela especialização do trabalho. Resultava em grande aumento da produtividade e na redução dos custos de produção.

A inovação mais marcante foi a linha de montagem. Trouxe o trabalho até o operário, em vez de o operário se deslocar, reduzindo o tempo e a complexidade de cada atividade produtiva. Baseou-se na produção de grandes volumes de produtos idênticos. Permitiu uma fabricação eficiente e barata de automóveis.

Os operários passaram a ser especialistas em uma única, ou poucas ações, na linha de montagem. Isso aumentou a eficiência, mas também tornou o trabalho repetitivo. Os operários eram alienados do resultado e atuavam como autômatos.

Como tais, a revolução robótica em linha de montagem significa a integração de robôs avançados e sistemas automatizados em processos de produção industrial, aumentando a eficiência, precisão, velocidade e segurança. É impulsionada por inovações como inteligência artificial (IA), aprendizado de máquina (machine learning) e a Internet das Coisas (IoT).

Evidência disso é a BYD ter ultrapassado a Tesla do bilionário financiador da campanha de Trump na produção de elétricos. A China lidera a produção de painéis solares, baterias, inteligência artificial aplicada à indústria e infraestrutura 5G. Enquanto isso, os EUA gastam mais em armas e guerras em vez de investir em infraestrutura e inovação civil. E querem o resto do mundo ainda o financiar!

3.

Daí a reação desesperada por meio de tarifas, muros de segregação e fake news como o MAGA (Make America Great Again), um slogan político americano popularizado por Donald Trump. O tempo não é reversível!

Donald Trump, como expressão política do declínio, não oferece um novo projeto produtivo para os EUA, inclusive porque sua reindustrialização não é desejada pela maioria dos trabalhadores em serviços urbanos, mas sim um projeto reacionário de contenção do desenvolvimento do resto do mundo.

Tarifaços sobre o Brasil, a China, o Canadá, o México etc., guerra cambial e tecnológica disfarçada de “defesa nacional”, sabotagem de instituições multilaterais como OMC, ONU, FMI (quando perdem o controle sobre elas) e a propagação do medo e da mentira como política de Estado darão “certo”?!

O MAGA é, na verdade, um grito de pânico de um império em decadência, tentando congelar o tempo e restaurar um mundo não mais existente. O Brasil, se mantiver a visão social-desenvolvimentista estratégica, nas próximas eleições, poderá aproveitar o vácuo de legitimidade do dólar para propor mecanismos de compensação regional e infraestrutura monetária autônoma como o Drex e redes BRICS.

Defenderá sua soberania industrial e energética, rompendo com a lógica de subordinação cambial e tecnológica. Estimulará uma política de inovação produtiva voltada ao Sul Global, em vez de reproduzir a lógica extrativista exportadora.

Mas, para isso, precisa abandonar “o complexo de vira-lata monetário” do quinta-coluna Capachonaro e a submissão doutrinária aos “mercados” do Norte Global. Terá de criminalizar os vendilhões da pátria, isto é, pessoas capazes de sem pudor traírem o interesse nacional, o patrimônio ou a soberania do seu país em troca de benefícios pessoais ou familiares, econômicos ou políticos.

Evidentemente, o dólar não cairá de um dia para o outro — mas já está caindo em legitimidade. O colapso do “privilégio exorbitante” dos EUA não será uma explosão súbita, mas sim um declínio gradual e desordenado, marcado por crises cambiais recorrentes, evasão de reservas dos EUA, busca por alternativas de liquidação comercial e reserva de valor em outras moedas e ativos confiáveis.

O desespero de Donald Trump é apenas o sintoma mais explícito de um império americano decadente diante o império chinês. Este está se reerguendo justamente por deixar de ser exclusivista e autossuficiente como se imaginou no passado. Os EUA temem não mais controlar o valor da moeda mundial, nem a narrativa da verdade, nem a perspectiva do futuro.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb]

Foto: Pamela Marie

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Geopolítica da inteligência artificial https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/inteligencia-artificial-na-cena-global.html 

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