Notável reformador
O Brasil tem
um ponto em comum com a Venezuela: o brutal desequilíbrio social. Havia outro
até data recente, representado pela extraordinária semelhança entre a mídia
venezuelana e a brasileira, uma e outra a serviço da oligarquia e da treva,
sempre e sempre dispostas a inventar, omitir e mentir. Se hoje não há como
alegar esta inglória parecença, é porque Hugo Chávez, ao contrário do governo
do Brasil, decidiu enfrentar o inimigo.
No momento,
mais da metade dos órgãos de comunicação venezuelanos são públicos, o que
permite restabelecer um razoável equilíbrio entre as forças envolvidas nesta
guerra. As palavras guerra e inimigo estão longe de ser exageradas. O ataque ao
governo de Dilma Rousseff é feroz e diuturno, assim como foi a Lula e a Chávez.
A mídia nativa, aliás, continua na ofensiva contra o líder venezuelano e
celebra sua morte como se o odiado inimigo tivesse tombado no campo de batalha.
As razões
são óbvias. Chávez,
como Lula e Dilma, mexeu com os interesses da minoria privilegiada. Há
diferenças entre o venezuelano e os brasileiros, ao contrário destes, aquele
recorreu a formas autoritárias de poder. Mesmo assim, tratou-se de um
formidável reformador e de um incentivador da unidade latino-americana a bem da
independência do subcontinente, enfim livre da condição de quintal dos Estados
Unidos.
Nem tudo na
atuação de Chávez merece admiração, mas seus méritos estão expostos à luz do
sol. Leio as diatribes ficcionais da nossa mídia, dizem que se tratou de um
déspota populista. A definição é tão imprópria quanto foi batizar
de“terrorista” quem lutou contra a ditadura civil-militar. Populista porque
nacionalista ao defender o petróleo de seu país como fez Getúlio Vargas em 1952
ao criar a Petrobras? Ou populista porque condenou firme e inexoravelmente o neoliberalismo?
Tropecei na
quarta 6 de março no delirante editorial da Folha de S.Paulo, que
condenava o “populista” Chávez por causa do seu peremptório não ao
neoliberalismo. Ora, ora, mas não foi a religião do deus mercado que nos
mergulhou na maior crise econômica, política e social dos últimos dois séculos?
Algo não menos assustador do que as epidemias de peste negra da Idade Média.
Ah, claro,
populista por ter tirado da miséria uma larga fatia de venezuelanos, e por ter
garantido assistência médica e hospitalar a todos os concidadãos, e por ter
erradicado o analfabetismo. Tal é a linha da mídia nativa, exército dos barões.
O jornalismo há de se basear no respeito da verdade -factual, no exercício do
espírito crítico e na fiscalização do poder. Os barões midiáticos e seus
regimentos desrespeitam a verdade factual e submetem o espírito crítico aos
seus dogmas e preconceitos. Quanto à fiscalização do poder, cuidam de investir
de arma em punho contra quem ali está há dez anos, depois de ter elevado à
glória dos altares o governo tucano de FHC e tornado motivo de culto todas as
suas mazelas.
Creio não
ser árduo
perceber que estamos a assistir, há dez anos, a uma ofensiva bélica, em pleno
desrespeito às regras éticas do jornalismo e do senso de responsabilidade
imposto pela consciência da cidadania. Não nos defrontamos simplesmente com uma
mídia a serviço da oposição, e sim com uma artilharia capaz de executar seu
bombardeio sem solução de continuidade.
De uns
tempos para cá, me ocorre, de quando em quando, perguntar aos meus perplexos
botões se o governo tem vocação de mulher de apache. Estão pasmos, admitem, com
tanta leniência, ou paciência, ou resignação. E se declaram perdidos como um
pesqueiro ao largo da costa escocesa, em uma madrugada invernal a 20 graus
abaixo de zero, em meio à névoa mais espessa e sem apito. Aos leitores sugerem
uma pausa de meditação à página 16 desta edição, para inteirar-se da reflexão
de Mauricio Dias na sua Rosa dos Ventos.
Ali, entre
outras considerações muito oportunas, Mauricio evoca uma entrevista que ambos
fizemos com Hugo Chávez, em 2006. Recordo um maciço indivíduo, de carisma
explosivo e fala fluente, a dizer coisas que faziam sentido.
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