O "escândalo da Wikipédia" e a autofagia da TV Globo
Wilson Ferreira, no Blog de Luis Nassif
O “escândalo
da fraude da Wikipédia” é a confirmação de que nada mais resta para a grande
mídia do que a bomba semiótica da não-noticia. Em nova “denúncia” jornalistas
Miriam Leitão e Carlos Sardenberg tiveram seus perfis na enciclopédia virtual
Wikipédia “fraudados” com a inserção de difamações e críticas. E tudo teria
partido do endereço virtual “da presidência”... ou teria sido “do Palácio do Planalto”...
ou, então, “de um rede pública de wi fi?”. A ambiguidade dá pernas à
não-notícia que revela um insólito desdobramento de um jornalismo cuja fonte
primária (a Wikipédia) nega a si própria como fonte confiável de investigação.
Abre uma surreal possibilidade de um tipo de jornalismo que se basearia
exclusivamente em fontes onde o próprio repórter pode criá-las para turbinar a
sua pauta. E de quebra revela o momento autofágico da TV Globo que oferece suas
próprias estrelas jornalísticas em sacrifício no seu desespero de ter que lutar
em duas frentes simultâneas: a política e a audiência.
Com
o “escândalo Wikipédia” e a perspectiva de uma hilária “CPI do wi fi” está se
confirmando que na atual batalha semiótica pela opinião pública a única arma
que restou para a grande mídia é a da não-notícia – sobre esse conceito clique aqui.
O
jornal O Globo deu
a manchete (“Planalto altera perfil de jornalistas com críticas e mentiras”) e
a TV Globo repercutiu nos seus telejornais durante todo o dia a “notícia” de
que os perfis dos jornalistas Carlos Alberto Sardenberg e Miriam Leitão na
enciclopédia virtual foram alterados com o objetivo de criticá-los. E o IP
(endereço virtual) de onde partiram as alterações era da rede do Palácio do
Planalto.
As
supostas “críticas” inseridas no perfil dos jornalistas qualificam as análises
e previsões econômicas de Miriam Leitão como “desastrosas” e de ter defendido
“apaixonadamente” os ex-banqueiro Daniel Dantas quando foi preso pela Polícia
Federal em escândalo de crimes contra o patrimônio público. E o jornalista
Sardenberg de ser crítico à política econômico do governo por ter um irmão
economista da Febraban que tem interesse em manter os juros altos no Brasil.
Três
características chamam a atenção nessa segunda detonação seguida de uma bomba
semiótica da não-notícia (a anterior foi a tentativa de transformar a
existência do media trainning na Petrobrás em escândalo político): a
irrelevância, o timming e o tautismo.
Wikipédia
é relevante?
Como
a própria Wikipédia já admitiu, a enciclopédia não deve ser utilizada como
fonte primária de investigação (“Wikipedia Reasearching With Wikipedia”).
Jimmy Walles, co-fundador da Wikipedia, afirmou que “enciclopédias de qualquer
tipo não são apropriadas como fontes primárias, e não devem ser invocadas como
autoridades”.
Pelo
seu caráter colaborativo onde qualquer usuário pode alterar o conteúdo dos
verbetes, o uso da Wikipédia não é aceito em escolas e universidades. No máximo
é utilizada como indicadora para fontes externas. Mas repentinamente para a
grande mídia a Wikipédia passou a ter uma surpreendente relevância como
documento primário de investigação.
Como
“dar pernas” à não-notícia?
Estamos
na típica situação jornalística em que se tenta “dar pernas” para a notícia
que, em si, não possui relevância. A melhor forma de dar algum gás à
não-notícia é por meio da retórica da ambiguidade.
A matéria do
jornal O Globo ora
fala que o IP era da “Presidência da República”, ora do “Palácio do Planalto”,
ou também de “computadores do Palácio” e “IP da Presidência” para no final
diluir tudo no “endereço geral do servidor da rede sem fio do Palácio do
Planalto”. Naturalmente o teaser é dado pela manchete e primeiro parágrafo que
tentam aproximar ao máximo o fato (irrelevante em si mesmo) da figura da
presidente da República. Se o leitor persistir a leitura até o final da
matéria, perceberá a diluição do próprio impacto noticioso.
Qual
a matéria-prima dessa suposta notícia? De um lado a própria enciclopédia
virtual que é até cautelosa consigo mesma e do outro uma rede wi fi pública.
Com isso se projeta a possibilidade de que se alguém alterar o perfil do
governador Geraldo Alckimin em rede wi fi pública instalada pela prefeitura de
São Paulo, o gabinete do prefeito seria responsabilizado... A matéria abre uma
surreal possibilidade de um tipo de jornalismo que se basearia exclusivamente
em fontes primárias de investigação onde o próprio repórter pode criar para
turbinar a sua pauta.
O
timming do escândalo
Outra
coisa que chama a atenção é o timming da detonação dessa bomba semiótica.
Supostamente o “fato” teria ocorrido nos dias 10 e 13 de maio e somente agora é
“revelado”. Desde então, os perfis da Wikipédia encontravam-se alterados, sem
haver qualquer tipo de escandalização – o que demonstra a “relevância” da
enciclopédia virtual. Nesse momento, outras bombas semióticas estavam em
andamento na Operação Anti-Copa (manifestações de rua, Black blocs etc.). A
não-notícia foi guardada no paiol de armas semióticas da grande mídia,
aguardando o momento propício para a detonação, que acabou sendo na sequência
da suposta fraude da CPI da Petrobrás.
E
para turbinar a não-notícia dos “perfis fraudados” da Wikipédia (como pode
haver “fraude” se a enciclopédia é colaborativa?), a manjada estratégia da
chamada agenda
setting que até aqui o Governo federal mantêm-se
inacreditavelmente refém: a não-notícia é repercutida pela imprensa ao
“noticiar” que políticos de oposição pedem que a Procuradoria Geral da
República apure a “denúncia”; ou divulgando a “preocupação” de órgãos como
Associação Brasileira de Imprensa, Associação Nacional de Jornais e Federação
Nacional dos Jornalistas.
O
que exige uma resposta institucional da Secretaria de Comunicação do Governo,
dando legitimidade e combustível à não-notícia da “fraude da Wikipédia”.
Um
escândalo tautista
Outra
característica dessa não-notícia é que ela revela não só o desespero da grande
mídia em ter que continuamente rebocar um oposição política inepta como também
o próprio tautismo da
Organizações Globo. Por tautismo nos
referíamos em postagem anterior a um momento de crise que a Globo enfrenta
revelada por uma combinação de tautologia com autismo, por meio do conteúdo da
sua programação cada vez mais autorreferencial e metalinguístico – sobre isso, clique aqui. >>>>>>>>>>Leia
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da atualidade: http://migre.me/kMGFD
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