12 agosto 2014

Guerrilha midiática

A escandalização do banal na Wikipédia e o direito de resposta


Edições sobre Miriam Leitão e Sardenberg no Wikipedia são condenáveis. Mas a Globo não costuma dispor de tantos minutos no JN para assuntos de mais gravidade para o interesse público

Helena Stephanowitz, Rede Brasil Atual

No recente caso de edição de dados na Wikipédia nos verbetes sobre os jornalistas Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg, a partir de um aparelho conectado à rede sem fio do Palácio do Planalto, nada chamou mais atenção do que a desproporcionalidade com que a notícia foi tratada.

O Jornal Nacional, da TV Globo, dedicou seis minutos, dando ares de escândalo a algo que não passa de uma banalidade, ainda que condenável. A Wikipédia é um ambiente colaborativo, onde todos podem editar verbetes, compartilhando seu conhecimento. Há acertos e erros de boa fé. E há pessoas que em vez de compartilhar conhecimento procuram introduzir boatos e opiniões pessoais.

Mas o próprio ambiente abre espaço de discussão para contestar informações falsas ou sem a fonte que possa ser conferida. E a própria comunidade de usuários que edita a enciclopédia depura essas informações. Portanto, Miriam e Sardenberg podem atuar para corrigir eventuais informações que julguem indevidas no próprio ambiente da Wikipédia. O portal dispõe de um mecanismo que funciona mais do que um direito de resposta, pois permite até a remoção de informações falsas ou inconfiáveis.

O ingrediente a mais foi alguém, ainda desconhecido, ter usado a conexão de rede sem fio do Palácio do Planalto para editar informações dizendo que as análises econômicas de Leitão são “desastrosas” e que ela defendeu o banqueiro Daniel Dantas, quando ele foi acusado de tentar subornar um delegado da Polícia Federal. Ela disse que se sentiu difamada.

No caso de Sardenberg, a alteração dizia que as críticas à política de corte de juros do Banco Central tinham a ver com o fato de ele ser irmão de um economista da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

A rede do Palácio do Planalto deve ter milhares de usuários. Além de funcionários dos diversos escalões e terceirizados, quem visita o órgão, se solicitar, pode usar a rede a partir de seus celulares, tablets ou notebook. E milhares de pessoas visitam o Planalto, desde vários jornalistas que cobrem o Poder Executivo, passando por representantes de movimentos sociais, governadores, prefeitos, empresários, diplomatas, pessoas do povo, todos que são recebidos em audiência por algum órgão que funciona no prédio.

Óbvio que nenhum funcionário do Planalto, se tiver sido um funcionário, pode usar equipamentos públicos com esse fim. Qualquer funcionário que expõe uma organização a desgastes por estripulias pessoais é responsável pelo desgaste. Opiniões privadas devem ser feitas em computadores de casa ou externos, sem contaminar o ambiente de trabalho.

Dito isso, vem a reação desproporcional. Miriam Leitão acusou em sua coluna, mesmo diante de todas as evidências contrárias, de não ser um ato individual e sim uma política de governo contra jornalistas. Ora, aí quem exatamente está difamando quem? As acusações que ela faz contra todo um governo, e sem qualquer razão que justifique até o momento, são bem mais graves do que as banalidades ditas sobre ela na Wikipédia.

Os seis minutos no Jornal Nacional parecem ter mais a ver com o propósito de desgastar e constranger o governo federal do que com a dimensão do fato. Assuntos muito mais importantes para o interesse público não ganham essa exposição toda. A construção do aeroporto de Cláudio pelo governo de Minas Gerais durante a gestão de Aécio Neves, que é um assunto bem mais importante, por revelar o jeito patrimonialista de governar de um candidato a presidente da República, não mereceu essa atenção toda.

A desproporcionalidade mostra também o quanto o direito de resposta na imprensa tradicional é diferente, dependendo de quem é “vítima”. Miriam Leitão e Sardenberg tiveram boa parte dos seis minutos no Jornal Nacional para dar as suas versões sobre uma edição na Wikipédia. Já casos clássicos de erros jornalísticos, como a ficha falsa da presidenta Dilma Rousseff, escândalos forjados como o de Rubiney Quicoli, apresentado com empresário de uma mirabolante operação junto ao BNDES nas eleições de 2010, foram noticiados com estardalhaço, mas, quando desmentidos receberam, no máximo, segundos lacônicos.
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