Apagando o futuro
Jandira
Feghali, no Vermelho
O
retrocesso em direitos dos cidadãos é forte realidade hoje na Câmara dos
Deputados, oferecendo sérios riscos às futuras gerações brasileiras. A admissibilidade
dada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) à proposta de redução da
maioridade penal de 18 para 16 anos faz ganhar corpo uma discussão que jamais
deveria ter apoio no Parlamento.
Não fosse devastadora a situação
do nosso sistema prisional, que segundo a Organização dos Estados Americanos
(OEA) acumula 217 mil detentos à espera de julgamento (40% do total), podemos
antever os efeitos da aprovação da medida como o fim de qualquer proteção à
nossa juventude e o fim dos preceitos da Justiça Especializada estabelecidos
pelo Estatuto da Criança e do Juventude (ECA).
Não se pode ferir de morte
cláusulas pétreas da Constituição Federal (CF) – artigos que não podem ser
modificados pelo legislador. No capítulo que trata dos Direitos e Deveres Individuais
e Coletivos, o inciso XLVII do art. 5º deixa claro que não podem haver penas
cruéis no país. Há quem duvide da crueldade de manter uma pessoa em formação no
regime prisional de adultos? O Fórum de Entidades da Psicologia Brasileira
sinaliza nesta discussão que a adolescência é uma das fases do desenvolvimento
dos indivíduos e, por ser um período de grandes transformações, deve ser
pensada pela perspectiva educativa e não criminal. Encarcerar adolescentes
nestes locais seria um atentado a este pilar constitucional. Outro inciso do
mesmo artigo - o XLVIII - diz que a pena deve ser aplicada de acordo com a
idade, impossibilitando, portanto, o uso do Código Penal para uma faixa etária
já estabelecida pelo ECA.
É preciso deixar claro que a
redução da maioridade penal não contribuirá em nada para o combate à violência.
Os grupos que apoiam essa ideia usam do sensacionalismo de atos isolados,
recorrendo a casos chocantes para promover uma sensação de impunidade no
Brasil. Esse argumento cai por terra com recente levantamento do Ministério da
Justiça: jovens entre 16 e 18 anos são responsáveis por menos de 0,9% dos
crimes praticados no país. Se forem considerados os homicídios e tentativas de
homicídio, esse número cai para 0,5%.Pelo mundo, outras democracias abandonaram
essa ideia. Países como Espanha e a Alemanha desistiram de criminalizar
menores. Além do que, nenhum dos 54 países que reduziram a maioridade penal
obteve eficácia na redução da violência urbana.
Reforço também que o Brasil
assiste diariamente o assassinato de jovens negros e pobres, com 82 mortes
diárias, fruto de uma cultura da violência policial e do confronto com o crime
dentro das periferias. Neste enfrentamento bélico, muitos adolescentes
inocentes são mortos sem que sejam comprovadas suas participações em delitos.
Consequência da filosofia de Segurança Pública do “atirar primeiro, perguntar
depois”. É preciso dar um basta na dor das famílias que enterram seus jovens.
Episódios como o do menino Eduardo de Jesus, morto dentro do Complexo do
Alemão, com forte suspeita de ação policial, não podem mais fazer parte de
nosso dia a dia. Uma estatística que clama pela urgente aprovação do projeto de
Autos de Resistência.
Sobre o ECA, pondero que suas
diretrizes devem ser preservadas, pois já direcionam os infratores para medidas
socioeducativas nos artigos 118 a 125 (liberdade assistida, semiliberdade e
internação). Criminalizar a adolescência é nublar perspectivas e impedir que
estes cidadãos consigam construir suas vidas com alternativas à infração
praticada. Garantindo-lhes a possibilidade de desenvolvimento de seus papeis
sociais com maior dignidade e chance de reabilitação.
Passada esta decisão da CCJ,
virá o momento de formar uma comissão especial na Câmara para análise da
proposta. A sociedade e as entidades devem ser ouvidas, garantindo um debate
amplo. A bancada federal do Partido Comunista do Brasil se posicionará
contrariamente ao texto e prosseguirá manifestando-se publicamente pela
manutenção da punição penal a partir de 18 anos. O eficiente combate à
criminalidade se faz com educação e com políticas públicas para proteger os
jovens, diminuindo, assim, suas vulnerabilidades ao crime. Somos um país que
ainda apresenta enormes carências na educação, saúde e emprego com esta parcela
da sociedade.
Por fim, o debate sobre
segurança pública deveria se concentrar em itens como a reforma do sistema
prisional, uma justiça mais célere, eficiente e que passe para a sociedade a
certeza de que não aceitamos qualquer tipo de crime, onde a punição virá e será
exemplar para qualquer um, rico ou pobre, negro ou branco. Devemos combater o
que ofende e desrespeita o cidadão de bem: milhares de pobres presos aguardado
julgamento, enquanto outros se aproveitam de uma condição mais favorável e
passam ao largo de qualquer tipo de punição. É preciso possibilitar futuros, e
não apagá-los.
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