É proibido pisar na grama
Flávio Dino ajuizou no STF uma ação contra o Congresso pelo fato de não
ter regulamentado até hoje o imposto sobre fortunas, previsto na Constituição
Jacques Távora Alfonsin - SUL21
Entre as
muitas infidelidades do Congresso Nacional à Constituição Federal de 1988, o
descumprimento da sua obrigação, prevista no artigo 153 inciso VII é um dos
sinais mais claros do domínio sobre ele exercido pelo poder econômico imperante
no país.
O artigo 153,
inciso VII, dispõe:
Compete à
União instituir imposto sobre:
VII – grandes
fortunas, nos termos de lei complementar.
A Constituição
está em vigor há quase vinte e três anos. Faz mais de duas décadas, portanto,
que o Poder Legislativo da União não vota nenhum dos projetos de lei oferecidos
por parlamentares à sua deliberação, visando cumprir essa determinação de fazer
cair o peso do imposto, também, sobre grandes fortunas.
Uma das formas
legais de suprir-se um atraso injustificado como esse, é o de submeter-se ao
Supremo Tribunal Federal uma ação de “inconstitucionalidade por omissão”.
Foi o que fez
o governador do Maranhão, com sobradas razões. Ajuizou a dita ação contra o
Congresso. A inércia do Legislativo Nacional está provada, no caso, pelo
simples decurso do tempo. Notícia publicada no site do Supremo Tribunal
Federal, datada de 2 de março passado, revela o seguinte:
“O governador
do Maranhão, Flávio Dino, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 31 contra o Congresso
Nacional pelo fato de não ter sido regulamentado até hoje o imposto sobre
grandes fortunas, previsto no artigo 153, inciso VII, da Constituição de 1988.
Dino afirma que a renúncia inconstitucional de receita pela União tem estreita
ligação com os interesses de seu estado.” (…) “O PIB per capita do Maranhão é
de R$ 8.760,34 contra R$ 22.645,86 da média nacional, segundo dados do IBGE de
2014 apresentados na ação. O governador sustenta que a cobrança do tributo
permitiria a arrecadação anual de mais de R$ 14 bilhões, de acordo com análise
feita a partir de dados da Secretaria da Receita Federal. Levantamento
apresentado na ADO aponta que existem na Câmara dos Deputados pelo menos 19
projetos de lei buscando a instituição do imposto sobre grandes fortunas, sendo
o projeto de autoria do então senador Fernando Henrique Cardoso aquele que
chegou mais próximo de se converter em lei. Aprovado no Senado, porém, o
projeto tramita na Câmara desde dezembro de 1989.”
Num tempo como
o de hoje, em que bilhões de reais são analisados diariamente pela mídia,
apurando danos sofridos pelo país por força da corrupção de agentes políticos e
grandes sonegadores de impostos, convém medir, como pretende essa ação
judicial, o volume dos recursos perdidos pelos Estados da Federação em
decorrência da omissão do Congresso.
Como se sabe,
grande parte desses Estados sofre, a cada mês, para honrar compromissos
anteriormente assumidos com a União objetivando cobrir suas dívidas. Quanto
quitariam dessa obrigação e quanto poderiam melhorar a prestação dos serviços
públicos devidos a direitos humanos fundamentais sociais da sua
população, se as suas receitas tributárias contassem com o ingresso dos
recursos oriundos da sua participação na arrecadação do imposto sobre grandes
fortunas?
O Estado do
Maranhão fez muito bem em lembrar a desproporção escandalosa existente entre o
PIB per capita de lá e o da média nacional. Demonstrou assim o quanto a
concentração de riqueza em outros Estados comprova uma das mais importantes
finalidades do direito de tributar, ou seja, de a sua pública função social,
senão eliminar, pelo menos diminuir as profundas e injustas desigualdades
econômicas entre brasileiras/os e entre os próprios Estados da nação.
Não é por
falta de projetos de lei, sobre essa matéria, que ela não anda no Congresso. A
ação ajuizada no Supremo refere dezenove projetos de lei já submetidos à sua
discussão. Um deles esperando votação desde 1989 (!) depois de ter sido
aprovado no Senado.
Em 9 de junho
de 2010, há quase cinco anos, o site da Câmara dos Deputados parecia indicar
votação iminente da matéria:
“A Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara aprovou nesta quarta (09/06) o
projeto de lei que institui o Imposto sobre Grandes Fortunas. A ideia é taxar
todo patrimônio acima de R$ 2 milhões. A proposta cria 5 faixas para taxação,
que variam de 1% a 5%, dependendo do tamanho da riqueza. Pela proposta, não é
possível deduzir a taxa do valor pago do imposto do IR. O projeto ainda precisa
ser votado pelo Plenário.”
Pelo visto, o
Plenário continua parado e pensando, a respeito. O fato de o Legislativo dar
prioridade de tramitação a projetos de lei como o da nova maioridade penal e o
da terceirização do trabalho pode fornecer uma pista segura das razões
explicativas disso. O primeiro aproveita a onda de insegurança crescendo no
país, muito acentuada convenientemente pela mídia, para delegar ao poder de
repressão penal do Estado o que seria prioridade da educação a seu cargo. O
segundo é de interesse urgente do capital e do mercado, pretendendo livrá-los
de relações e obrigações trabalhistas, repartindo-as com “terceiros”, para
desonerar suas folhas de pagamento, diminuir seus custos e aumentar,
consequentemente, os seus lucros. Se fosse, mesmo, para favorecer
trabalhadoras/es, não estaria partindo justamente dessas/es as
mobilização massiva e contrária ao projeto.
Imagine-se
agora as chances da Casa responsável pela elaboração das leis brasileiras, por
sua própria vontade, votar um projeto de lei que onere justamente as grandes
fortunas. Se muitas das opiniões trocadas pelos Ministros do Supremo, no
julgamento de outras ações semelhantes a do governador do Maranhão, colocam em
dúvida o poder de qualquer acórdão dali dirigido ao Congresso, obter algum
resultado prático, essa poderá alcançar um fim diferente?
Pelo sim e
pelo não, “pisar na grana” poderá servir de prova, não só do poder do Supremo
Tribunal Federal fazer valer o que julga como da tomada de consciência do
Congresso sobre suas obrigações constitucionais.
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Jacques Távora
Alfonsin é Procurador do Estado aposentado, Mestre em Direito pela Unisinos,
advogado e assessor jurídico de movimentos populares.
Publicado em
Carta Maior
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