A alegria guerreira
Luciano Siqueira
Foto: Diego Nigro (PCR)
Fábrica de sonhos,
festa demoníaca, desperdício de energias e dinheiro, expressão do modo de viver
de nossa gente ou alegria guerreira. Depende do olhar de quem o vive, presencia
ou analisa.
Talvez chamar o
carnaval de fábrica de sonhos seja impróprio: os sonhos o precedem, durante a
festa apenas se exteriorizam, extravasam de múltiplas formas.
Invenção do demônio é
uma pecha que lhe atribuem olhos puritanos e repressivos desde que surgiu,
dizem, nas sacristias católicas da Idade Média – como forma de desfazer-se da
carne e enaltecer o espírito.
Desperdício para os
que não enxergam as muitas nuances de toda uma cadeia produtiva que envolve
investimentos, lucros e oportunidades de trabalho. Somas fabulosas – do
merchandaise à geração de empregos temporários, diretos e indiretos.
Manifestação
do modo de sonhar, sofrer, lutar, sentir e amar de nossa gente, sim – tudo
traduzido na forma de uma alegria guerreira, na expressão cunhada pela
pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco Rita de Cássia Barbosa de Araújo, autora do belíssimo
artigo “Carnaval do Recife: a alegria guerreira” (revista Estudos Avançados –
USP, abril de 1997).
É que no final do século XIX e início do século XX, só às elites era
permitido participar da festa desfilando alegorias e clubes de máscaras,
restando ao povo apenas ver e aplaudir. Daí o surgimento de agremiações
populares destinadas a lutar pelo direito de brincar, abrindo alas e
suplantando a norma iníqua e a repressão policial. Vassourinhas, Pás Douradas,
Lavadeiras, Lenhadores e tantos outros surgiram inspirados na luta por direitos
corporativos e pela liberdade de participar dos folguedos.
Deu no que temos hoje – no Recife, em Olinda e em muitas partes do
território pernambucano o folião cai no frevo ou se deixa envolver pelo batuque
mágico do maracatu, livre e espontaneamente, nas praças e nas ruas. Do jeito
que lhe vier à telha, sem regras nem amarras.
Um carnaval democrático isento de proibições e restrições econômicas.
Jamais pensar na compra de abadás nem em alguns privilegiados protegidos por
cordões de isolamento no Galo da Madrugada, no Recife, ou em Pitombeiras e
Elefante nas ladeiras de Olinda. Vale a liberdade conquistada há pouco mais de
um século com muito sangue, suor e cachaça.
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