A poesia particular de Ettore Scola
O diretor italiano viu a condição humana com humor
e drama
Carta Capital
Os seus eram filmes
poéticos a interpretar um tempo e um lugar. Suas obras reflexivas, nas quais a
imagem e a palavra se complementavam em ritmo natural, tiveram início quando,
formado em Direito, passou a criar situações humorísticas para o periódico Marc’Aurelio,
conforme descreveu no seu último filme, Que Estranho Chamar-se
Federico (2013).
Morto em Roma aos 84 anos,
dia 19, após uma parada cardíaca, Ettore Scola dizia
que ser cineasta era um
dos ofícios mais tediosos a ter experimentado em vida.
Ele achava o jornalismo muito mais
divertido. E adentrara na direção sem ânimo especial, por indicação do ator Vittorio Gassman, que em 1964,
diante do produtor Mario Cecchi Gori, apontou-o como o tipo ideal para conduzir
Fala-se de Mulheres.
Entre tantos outros filmes de sua
carreira como roteirista, Scola havia escrito aquele com a indicação precisa
dos personagens no espaço. Eis por que, para Gassman, não seria difícil ao
amigo que passasse à direção recusada por Dino Risi. Scola não compartilhava o
temor dos outros diretores diante da decisão de onde colocar a câmera. Escrevia
com ela.
Assim, o sucesso se fez desde seu
primeiro trabalho, embora ele tenha considerado Dramma della gelosia
(1970), em torno do triângulo amoroso formado por Marcello Mastroianni, Monica
Vitti e Giancarlo Giannini, seu verdadeiro início como cineasta. Desde então
parecia não haver experimentado outro ofício em vida.
Seu olhar poético era quase um
estranhamento dentro da implacável e revolucionária commedia all’italiana.Para
romper o tédio, Scola se lançava às experimentações.
A bela câmera que se vê na abertura de
Um Dia Especial (1977) hesita entre a direita e a esquerda pelo pátio,
até chegar ao apartamento em que mora a dona de casa interpretada por Sofia
Loren.
Vítima do fascismo familiar, ela se vê
atraída à culta sensibilidade do vizinho interpretado por Mastroianni, um homossexual.
Não apenas as duas interpretações são esplendorosas.
Scola parecia saber de
tudo ou mais, ao encarar a briga amorosa do garçom de Gassman com o cozinheiro
Ugo Tognazzi no episódio Hostaria!, em Os Novos Monstros (1977).
As duplas encenavam igualmente o drama, e em Concorrência Desleal (2001)
dois rivais do comércio enfrentavam a injusta presença do antissemitismo.
O diretor escarnecia da
falta de escrúpulos do italiano médio interpretado por Alberto Sordi em La Più
Bella Serata Della Mia Vita (1972). Colocava brutalidade e humor na miséria
vestida por Nino Manfredi em Feios, Sujos e Malvados (1976).
Em Nós Que nos Amávamos
Tanto (1974), três amigos que haviam provado de maneiras diferentes, pela
vida, seus ideais revolucionários, reencontravam-se na maturidade. A condição
humana submetida à prova histórica, como ele a viu em O Baile, A Família
ou O Terraço, era o material enriquecido de sua poética.
*Publicado originalmente na edição 885 de CartaCapital, com o título
"Uma poesia particular"
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