Eletrobras: Desconhecimento e insensatez na
discussão do setor elétrico
A entrevista da jornalista
Miriam Leitão com o presidente da Eletrobras Wilson Ferreira na GloboNews, no
último dia 11 de janeiro, representa de forma pedagógica a fragilidade do
debate atual sobre o setor elétrico no Brasil.
Por Ronaldo Bicalho, no portal Vermelho
Por Ronaldo Bicalho, no portal Vermelho
Durante a discussão sobre a possibilidade do consumidor brasileiro ter energia mais barata no futuro, a jornalista citou a Alemanha e o Chile como países que reduziram fortemente suas tarifas elétricas, aumentando a presença das novas energias renováveis, especialmente solar e eólica, e abandonando as velhas térmicas muito mais caras e poluidoras. O presidente da Eletrobras, por sua vez, considerou que um fenômeno semelhante poderia acontecer no Brasil.
Considerando que a transição energética alemã é considerada como a mais importante e ambiciosa das experiências de transformação da matriz energética em curso nos países centrais, a afirmação sobre a significativa queda das suas tarifas denota um desconhecimento inaceitável sobre o que de fato está acontecendo no setor elétrico no mundo.
A transição energética – energiewende – alemã é um projeto nacional próprio que busca construir uma vantagem decisiva no campo energético a partir das energias renováveis. Portanto, trata-se de um projeto estratégico no qual os grandes ganhos encontram-se no futuro a partir justamente da superação dos significativos custos atuais da introdução dessas energias.
A aposta alemã é que o país será capaz de reduzir significativamente esses custos, mediante inovações tecnológicas, organizacionais e institucionais.
Contudo, o desafio é enorme e a divisão dos custos atuais da transição gera tensões políticas. As dificuldades da formação de uma nova coalizão política que viabilize mais uma temporada de Angela Merkel a frente do Governo alemão refletem isso de uma forma bastante clara (neste momento, por exemplo, o acordo com os sociais democratas do SPD gira, entre outras coisas, em torno de adiar as metas energéticas/ambientais de 2020 para mais além).
O consumidor residencial alemão paga o dobro do consumidor residencial francês e atualmente está desembolsando algo em torno de 20 bilhões de Euros para subvencionar as energias renováveis. O esquema de tarifas Feed-in usado pela Alemanha para incentivar as renováveis gera uma série de distorções que produzem fortes desequilíbrios no seu setor elétrico que se traduzem em perdas significativas para as empresas elétricas; colocando em xeque a viabilidade econômica da expansão do setor. Trocando em miúdos, a queda de preço no mercado atacadista, fruto da crescente oferta de renováveis intermitentes (que têm preço garantido e preferência no despacho), ferra os produtores tradicionais e não chega aos consumidores finais, que têm de pagar a conta do subsídio a essas fontes. Os consumidores finais aqui são os residenciais, já que os industriais pagam bem menos, de forma a garantir a competitividade da indústria alemã.
No lado ambiental, a escolha alemã, em razão do acidente de Fukushima, pela retirada de todas as plantas nucleares até 2022 fortaleceu o papel das plantas a carvão (linhito) e a gás; principalmente as primeiras, face aos seus custos de geração menores em relação às segundas. Assim, como afirmou uma autoridade alemã: entre o nuclear e o carvão; escolhemos o carvão.
Isto sem contar as fortes instabilidades geradas nos sistemas elétricos dos países vizinhos em função da entrada massiva das fontes renováveis em determinados momentos do dia no sistema elétrico alemão.
Enfim, o modelo alemão suscita um montão de questões sobre a transição energética, porém, o mais importante a ressaltar aqui é que a introdução das energias renováveis é um baita desafio e, ao menos na Europa, tem sido responsável pelo aumento das tarifas ao consumidor final, e não o contrário. Assim, a introdução das renováveis na matriz energética não está ocorrendo em função da superioridade econômica dessas fontes em relação aos fósseis, mas sim em função de um imperativo ambiental que é reduzir o aquecimento global e mitigar os efeitos econômicos e sociais da mudança climática.
Quem não entende isso não entende o cerne da discussão sobre energia no mundo hoje.
O desconhecimento demonstrado tanto pela jornalista quanto pelo gestor deixa claro que a profunda transformação em curso no setor elétrico no mundo não formata nada na atual estratégia privatista que atinge o país no campo da eletricidade.
Na verdade, diferentemente dos liberais noventistas que esgrimiam a experiência internacional como argumento a favor das reformas, os melancólicos liberais tupiniquins atuais demonstram total desapreço sobre o atual contexto elétrico mundial.
No entanto, esse desapreço é perfeitamente explicável e funcional, na medida em que a reforma atual nada tem a ver com os problemas do setor elétrico e simplesmente não se sustenta diante de uma análise minimamente responsável sobre os desafios do setor aqui e no mundo.
Afinal, se a decisão final sobre a privatização da Eletrobras é tomada por razões fiscais no Ministério da Fazenda, que importância têm a segurança do suprimento de energia elétrica, o presidente da Eletrobras e o Ministro de Minas e Energia?
O que eu espero sinceramente é que eles não entrem para a história mandando às favas, como um conhecido ministro do governo militar, não todos os escrúpulos de consciência por enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples, mas todos os escrúpulos de consciência por colocar em risco o abastecimento futuro da energia elétrica essencial para o desenvolvimento econômico do país e o bem-estar e conforto da sociedade brasileira. Tanto em um caso quanto no outro, mandar às favas os escrúpulos de consciência gera o mesmo resultado: a escuridão.
É duro reconhecer que o momento atual do setor elétrico brasileiro se caracteriza pela acachapante mediocridade do debate. Desfaçatez, ignorância, cegueira estratégica, irresponsabilidade, temperadas por uma arrogância despropositada, totalmente fora de tempo e lugar, compõem um quadro lamentável para um país que tem todos os ingredientes imprescindíveis para ser bem-sucedido no novo mundo elétrico que se avizinha no horizonte.
Aos espíritos crédulos que acreditam que as pataquadas atuais levarão a algum lugar, sugiro que se preparem para um final rodriguiano, sentados na calçada, pagando caro pela energia e chorando lágrimas de esguicho. Porque, afinal, não só toda a nudez será castigada, mas toda a insensatez também.
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