O
que diferencia os quatro projetos da esquerda brasileira em 2018?
Theo Rodrigues, no Blog O Cafezinho
Mantidas as atuais condições de temperatura e
pressão, a eleição presidencial de 2018 contará com ao menos quatro
candidaturas da esquerda ou, como preferem alguns, do campo progressista ou
popular democrático. Ciro Gomes (PDT), Manuela D ´Ávila (PCdoB), Guilherme
Boulos (PSOL) e Lula (ou outro candidato do PT) são as possibilidades dispostas
na mesa até agora.
O primeiro deles é o do desenvolvimentismo. Esse
projeto, que possui como elemento norteador a economia, tem Ciro Gomes como
principal porta voz. Na síntese repetida à exaustão por Ciro, o projeto nacional
de desenvolvimento necessário para o país passa por “um grande acordo entre
quem produz e quem trabalha para confrontar o rentismo e a especulação
financeira”. Em outras palavras, uma conciliação entre trabalhadores e
burguesia industrial para enfrentar os bancos, a burguesia financeira. O pano
de fundo para essa tese desenvolvimentista é o de que, diferente do que pregam
os monetaristas, o problema do país não é a inflação, mas sim o desemprego e a
falta de crescimento econômico. Diga-se de passagem, essa ênfase exacerbada no
desenvolvimentismo também faz parte do repertório discursivo de Aldo Rebelo,
candidato pelo Solidariedade. Grosso modo, Rebelo resume assim o debate: (1) a
prioridade é a redução do desemprego; (2) sem crescimento econômico nenhuma outra
política pública é possível.
Um outro projeto bem distinto é o apresentado pelo
PSOL através da candidatura de Guilherme Boulos. Absolutamente crítico do
desenvolvimentismo, o partido aposta na “superação do modelo
neodesenvolvimentista extrativista executado pelo lulopetismo”. Para o PSOL,
não existe a possibilidade da aliança entre trabalho e produção, cerne do
projeto desenvolvimentista. Apoio do Estado para a dinâmica do desenvolvimento
econômico via BNDES, grandes obras de infraestrutura e parcerias
público-privado não fazem parte do vocabulário do partido de Boulos. A ênfase
programática está nas políticas identitárias e na defesa das minorias como
tribos indígenas, LGBT, mulheres, negros etc. É essa determinação identitária,
multiculturalista, que faz o partido repudiar, por exemplo, a aposta dos
desenvolvimentistas em obras infra estruturais como a hidrelétrica de Belo
Monte. Ilustra bem essa linha programática a ideia de Marcelo Freixo de que “a
luta por direitos humanos é a essência da nova luta de classes”.
Um caminho do meio por entre o desenvolvimentismo
de Ciro e Aldo e o identitarismo do PSOL foi tentado inicialmente pelo PT nos
governos Lula e Dilma, entre 2003 e 2015. Ao mesmo tempo em que incentivou o
papel interventor do Estado, via BNDES, para impulsionar a burguesia industrial
e garantir baixos índices de desemprego, os governos do PT também deram
protagonismo para políticas identitárias ao apostar em ações afirmativas e na
representatividade. Além de criar ministérios para mulheres, juventude e
igualdade racial, também investiu em políticas como as cotas raciais nas
universidades públicas. No entanto, esse projeto do lulismo, como definiu André
Singer, um dos mais argutos intérpretes desse período, foi marcado por um
reformismo fraco, gradual. Esse reformismo fraco pode ser traduzido assim: um
projeto moderado do desenvolvimentismo de Ciro e Aldo aliado a um projeto
moderado do identitarismo do PSOL.
Por fim, o quarto e último projeto da esquerda
apresentado para 2018 consiste em uma possível síntese dialética desses três
projetos anteriores. Trata-se do programa formulado pelo PCdoB e representado
pela candidatura de Manuela D´Ávila. A comunista busca construir um caminho
alternativo que agregue tanto o desenvolvimentismo quanto as políticas
identitárias. “A desigualdade no Brasil é estruturada sobre gênero e raça.
Enquanto não entendermos isso, não teremos um país com um projeto nacional de
desenvolvimento soberano”, explica Manuela. Contudo, diferente do lulismo e do
PT, essa via não pode ser a de um “reformismo fraco”, como aquele descrito por
Singer, mas sim forte, estrutural de fato. Há aqui uma semelhança clara com
aquilo que Ernesto Laclau e Chantal Mouffe conceituaram como “democracia
radical”. A aproximação teórica também se dá com o que Nancy Fraser definiu
como uma aliança entre redistribuição e reconhecimento. O lugar dessa narrativa
de Manuela é orgânico e legítimo. Do ponto de vista da luta pelo
reconhecimento, ou seja, das políticas identitárias, o seu partido tem muito o que
dizer: o PCdoB possui uma presidenta nacional que é mulher e negra, a deputada
Luciana Santos; metade de sua bancada parlamentar é formada por mulheres, mais
alto índice no país; o líder da bancada é um deputado negro, Orlando Silva; e
foi uma comunista quem aprovou a mais importante política pública para mulheres
nos últimos anos, a Lei Maria da Penha, da deputada Jandira Feghali. Do ponto
de vista do desenvolvimentismo econômico o PCdoB também tem lugar de fala. Pelo
menos desde 2009 o partido tem propagandeado um programa intitulado “novo
projeto de desenvolvimento nacional”, cuja base são reformas estruturais
(agrária, urbana, tributária, educacional, política etc) e a forte intervenção
estatal na economia e na infraestrutura do país. Um programa que nasceu ao fim
do governo Lula, justamente da avaliação de que o reformismo fraco do lulismo
precisaria ser substituído. O principal cartão de visitas de Manuela é o
portfólio de políticas públicas instituídas nos últimos anos pelo governo de
seu correligionário, Flávio Dino, no Maranhão.
Como se vê, a esquerda brasileira não é homogênea.
Há pelo menos quatro narrativas, quatro projetos distintos em disputa e que
informam todo o debate eleitoral desse campo político para 2018. No entanto, o
risco de que, separados, nenhum deles alcance o segundo turno da eleição
presidencial é grande, o que seria uma pena para o debate público no país. Mas
ainda há tempo para o diálogo, para a unidade e, quem sabe, para a aceitação de
um programa que construa um consenso dialético entre as quatro visões de mundo.
Seria, no mínimo, a vitória da política.
Theófilo
Rodrigues é professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ.
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