Analfabetos que tentaram não ser
Luciano Siqueira, no Blog da Folha
Dos 11,5 milhões de analfabetos existentes no país
no ano passado, 5,3 milhões (46% do total) declaram ter frequentado a escola
anteriormente. Dessa fatia, a grande maioria (82% do total) tinha 40 anos ou
mais de idade no ano passado, o que corresponde a 4,4 milhões de pessoas.
Ou seja, tentaram aprender a ler e não conseguiram.
É o que informa o jornal Valor Econômico, em
matéria construída a partir de dados do IBGE.
A distribuição espacial dessa gente culturalmente
marginalizada reflete a desigualdade regional do ponto de vista socioeconômico.
No Nordeste se encontra mais da metade (54%), enquanto
no Sudeste estão 23%.
Fracasso o indispensável trabalho de alfabetização.
O que me faz lembrar o Movimento de Cultura Popular
(MCP), no Recife, no início dos anos sessenta, na gestão de Miguel Arraes na
Prefeitura.
Adolescente ainda participei do MCP como
voluntário. E vi de perto o movimento de alfabetização inspirado do método
Paulo Freire.
Com o próprio Paulo Freire convivi na casa do meu
tio Paulo Rosas, também um dos fundadores do MCP.
Jovens universitários atuavam no programa de
alfabetização como voluntários. Movimento cívico, libertário.
Encantava-me aquela efervescência no Sitio da
Trindade, sede do MCP. Mais tarde, no transcorrer da minha militância política,
vim a compreender que ali se fazia parte de nossa História, na melhor tradição
de rebeldia do nosso povo.
O golpe militar de 1964 interrompeu aquela experiência
bem sucedida de aprendizado consciente. O alfabetizado se descobria cidadão e
agente transformador da sociedade.
Agora, há dois anos do golpe que afastou a
presidenta Dilma, sob Temer assistimos tremenda regressão de direitos e de
perspectiva.
E a percepção reiterada de que a História caminha
por senda sinuosa, sujeita a avanços e a retrocessos.
Os dramáticos dados do analfabetismo no Brasil, na
segunda década do século 21, nos chamam à luta por um novo ciclo transformador.
A superação das desigualdades sociais frequenta os
primeiros tópicos de um novo projeto nacional de desenvolvimento, no qual a
superação dos atrasos do sistema educacional tem posição destacada.
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