Ariano
Suassuna ressurge com a caixa 'Teatro Completo', que reúne 23 peças
Publicação de 1.890 páginas e quatro volumes traz 12 textos
inéditos do autor
Nelson
de Sá
Em 11 de setembro de 1946, estreou "Auto da Compadecida", a primeira
comédia de Ariano Suassuna, então com 28 anos, a chegar ao palco. Foram
programadas três apresentações no teatro Santa Isabel, no Recife. Segundo o
autor, "na primeira noite tinha metade da plateia, na segunda, metade da
metade" e a última sessão foi cancelada porque a sala estava vazia.
Quatro
meses depois, a montagem viajou desacreditada para um festival nacional de
peças amadoras no Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro. "A imprensa zombou
muito", lembra a atriz Ilva Niño, 85, que fazia a Mulher do Padeiro.
"'Pernambuco vai ser representado por 'Compadecida', de Suassuna,
quá-quá-quá'. Estava no jornal assim, 'quá-quá-quá', rindo da gente."
Após
uma única apresentação, em 25 de janeiro de 1957, "Compadecida"
venceu como melhor espetáculo, direção e atriz. Quem levou esta terceira
"medalha de ouro" foi Niño, então com 22 anos e usando o nome Nina
Elva, para esconder do pai o fato de ser atriz. Mas "foi o texto o
causador do entusiasmo", escreveu o crítico Henrique Oscar no Diário
Carioca, vendo nele "um programa da humanidade, com suas misérias, mas
também suas razões de consolo e esperança", em suma, "um quadro de
significação universal".
"Compadecida"
foi publicada meses depois pela editora Agir, com a crítica como prefácio. E no
primeiro trimestre de 1958 estrearam duas outras comédias de Suassuna, hoje
clássicas, "O Casamento Suspeitoso", encomendada por Sérgio Cardoso,
e "O Santo e a Porca", por Cacilda Becker, os dois maiores atores do
país. Em pouco mais de um ano, o jovem autor saiu da zombaria para o panteão
dos maiores dramaturgos brasileiros. É esse Suassuna, morto em 2014, aos 87, que agora ressurge não só com
"Compadecida" revisada por ele, mas como "Teatro Completo",
somando 23 peças em 1.890 páginas e quatro volumes ("Comédias",
"Tragédias", "Entremezes" e "Teatro Traduzido").
A
edição da Nova Fronteira ainda não chegou às livrarias nem tem data de
lançamento, mas já está à venda na Amazon promocionalmente por R$ 254,78. O
preço sugerido pela editora será R$ 349,90. Doze dos textos são inéditos em
livro, inclusive três traduções de clássicos do teatro ocidental e cinco
entremezes, designação usada pelo autor para suas peças de um ato. Das inéditas
maiores, aquela que marcou o organizador da edição, Carlos Newton Júnior,
poeta, ensaísta e professor da Universidade Federal de Pernambuco, que revirou
os arquivos de Suassuna, é "Auto de João da Cruz".
A
tragédia escrita em 1950 chegou a ter apresentações amadoras, na Paraíba, mas
foi esquecida. Havia um registro de que o texto recebeu um prêmio no Recife e
que o diretor teatral Hermilo Borba Filho proclamou então que, com a peça,
estava enfim criado o "Teatro do Nordeste". Que seu autor estava
pronto. Borba foi quem levou Suassuna ao teatro. Dez anos mais velho, dirigia
um grupo na faculdade de direito do Recife quando o futuro dramaturgo entrou,
aos 17. "A universidade de Ariano foi muito mais a casa de Hermilo",
diz Newton.
O
diretor deu a ele, para ler, as peças do espanhol Federico García Lorca, que o
influenciaram em seu primeiro ciclo, trágico. Mais importante, Suassuna
percebeu que podia fazer, em relação ao sertão nordestino, o que Lorca havia
realizado no "Romanceiro Gitano", coleção poética inspirada em
baladas ciganas e outras da Andaluzia. Por cinco anos, até 1952, Suassuna
praticamente só escreve tragédias, cinco delas, culminando com "Auto de
João da Cruz". A exceção e o início de sua passagem para a comédia é o
entremez "Torturas de um Coração", que ele faz sem maior pretensão,
para apresentar à noiva e futura mulher, Zélia, que o visita com familiares
quando estava se tratando do pulmão, no interior.
"Torturas"
depois será transformada no primeiro ato de outra de suas comédias clássicas,
"A Pena e a Lei".
O
organizador chegou a pensar num volume com as variações escritas por Suassuna
para os mesmos textos, tantas são elas. Mas preferiu esperar, em parte porque o
autor não gostava de mostrar as versões anteriores, mas também porque ainda
podem aparecer textos perdidos. Os "desdobramentos" de Suassuna, diz
Newton, "têm a ver com as variantes da história de cordel, com a
oralidade, em que se escuta a história e quando você vai contar já acrescenta
alguma coisa". Cada um dos atos da "Compadecida", por exemplo, é
baseado numa história de cordel. "E aí ele vai. O gato que defecava
dinheiro era, no cordel, um cavalo. Tudo tem a ver com esses desdobramentos."
Foi assim que sua obra avançou também do teatro para o romance e, entre outras
plataformas, a televisão.
Andrea
Alves, que idealizou a recente e bem-sucedida adaptação de Suassuna para o
teatro musical, "Auto do Reino do Sol", identifica "várias
camadas" em sua obra. Principais Obras de Ariano Suassuna
"São
histórias e personagens que se entrecruzam, tendo o pano de fundo da cultura
brasileira, sua música, artes visuais, as iluminogravuras", lista ela.
"É tão profundo que quem olha, independentemente da área em que esteja,
vai querer levar para o cinema, para a dança." No momento, a Globo, que já
transpôs "Compadecida", começa a preparar uma nova série, "O
Riso de Ariano", a partir dos casos lembrados no último projeto do
escritor para o palco, as "aulas-espetáculos", solos em que ele próprio
se apresentava. "Ele era essa pessoa múltipla, e a obra dele era
assim", diz Alves. "Tem uma riqueza que permite que ela seja lida,
traduzida para várias linguagens." Ilva Niño, que se tornou um rosto
conhecido por décadas em novelas e séries da Globo e que se prepara para mais
uma, no ano que vem, conheceu um outro lado de Suassuna no teatro, de diretor.
Antes
de "Compadecida", ela foi a personagem-título de
"Antígona", de Sófocles, traduzida e encenada por ele, agora também
parte do "Teatro Completo". "Em 'Antígona', ela era uma mulher
que ia contra as ordens. E na 'Compadecida' era a mulher livre, liberta, que ia
contra o marido e a Igreja e namorava outros." Para a atriz, o olhar de
Ariano Suassuna era voltado à liberdade, "tanto dos atores, de criar, como
dos personagens, de viver".
Acesse
o canal ‘Luciano Siqueira opina’, no
YouTube https://bit.ly/2Ro4RtZ
Leia mais sobre temas da atualidade: https://bit.ly/2Jl5xwF
Nenhum comentário:
Postar um comentário