A mídia e o STF
frente as ameaças à democracia
Luis Nascif, Jornal GGN
"Quando
os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era
comunista.
Quando eles
prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era
social-democrata.
Quando eles
levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era
sindicalista.
Quando levaram
os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu.
Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse"
Martin Niemöller
Peça 1 - as surpresas com a eleição de Bolsonaro
Na reunião
de jornalistas econômicos, para uma premiação, a reiteração de discursos de
resistência ante as ameaças contra a liberdade de imprensa. Todos unidos,
finalmente, em defesa das liberdades democráticas contra as ameaças
totalitárias.
Na minha
fala, dei-lhes as boas vindas nessa chegada ao Estado de Exceção. Agora, o
jornalismo independente não vai se sentir tão isolado assim.
Nos últimos
anos, grande mídia, Procuradoria Geral da República, Supremo Tribunal Federal,
Conselho Nacional de Justiça dividiram os direitos individuais em três grupos.
Os de baixo, que nunca tiveram direitos; os de cima, com as prerrogativas
previstas em lei. No meio, os inimigos, dentre os quais o jornalismo
independente que lhes fazia o contraponto, submetidos ao direito penal do
inimigo.
Sucessivos
presidentes do STF criaram conselhos no CNJ em defesa da liberdade de imprensa
exclusivamente dos grupos jornalísticos. Nenhuma ação contra o trabalho
diuturno de ataques à imprensa independente, na forma de processos judiciais,
de critérios ideológicos para a publicidade pública. Pelo contrário, os blogs
se tornaram um território maldito. em um pacto tácito cômodo midia-MPF: só são
consideradas notícias as que provêm da velha média, mesmo que na outra ponta
estivessem jornalistas premiados. Com isso conseguiu-se varrer para baixo do
tapete as notícias incômodas, o contraponto, incluindo todas as arbitrariedades
e suspeitas levantadas em relação à Lava Jato e ao desmonte gradativo da
democracia. Os |inimigos|, na verdade, foram, durante bom tempo, a única força
na trincheira em defesa da democracia.
No Supremo
Tribunal Federal, pipocam declarações tardias de fé nos direitos individuais,
na defesa da liberdade de pensamento, da autonomia universitária,
comportando-se como a infantaria da linha Maginot, cavando buraco depois que os
alemães já tinham entrado em território francês. Por justiça, reconheça-se que
a liberdade de expressão sempre recebeu guarida na augusta casa.
Agora, em
todos os cantos do país institucional, a falsa surpresa, a decepção com o fato
do país ter sido entregue de mão beijada a Jair Bolsonaro e sua troupe, com
todos os riscos implícitos e explícitos aos princípios básicos de civilização.
Os dois
atores principais que forneceram a base para a bestialização da opinião pública
- grande mídia e cúpula do Judiciário - , são o maior exemplo do
subdesenvolvimento institucional brasileiro.
A mídia sem
a menor noção da sua própria influência, dos desdobramentos de campanhas de
ódio sobre a opinião pública, dos riscos da perda de controle e da destruição
dos instrumentos democráticos. O STF - especialmente Ministros midiáticos como
Luís Roberto Barroso - sem nenhuma noção dos reflexos de suas decisões e
atitudes sobre a democracia, o significado da meia virgindade com que tratou a
Constituição, comportamento típico das oligarquias jurídicas latino-americanas.
Veja bem, não
se está falando de um trabalho intencional contra a democracia. Ambos os
poderes - mídia e Supremo - só se realizam plenamente em ambiente de perfeita
democracia. Fala-se de uma ignorância rotunda, uma incapacidade ciclópica de
prever consequências óbvias de seus atos e de suas omissões. Ambos serão
personagens principais de um futuro Manual do Perfeito Idiota
Constitucionalista Latino-Americano, as instituições que levaram Bolsonaro ao
poder, que agora as ameaça.
Peça 2 - os alicerces da democracia
No já
clássico Como as democracias morrem (Levitsky, Steven),
os autores explicam que o que garante a sobrevivência das democracias não são
as leis escritas, mas as regras tácitas e as normas de convivência. Eles
definem duas regras decisivas para o funcionamento de uma democracia: a
tolerância mútua e a reserva institucional.
Tolerância mútua é reconhecer que os rivais, caso joguem pelas regras
institucionais, têm o mesmo direito de existir, competir pelo poder e governar.
A reserva institucional significa evitar as ações que,
embora respeitem a letra da lei, violam claramente o seu espírito.
Portanto, para além do texto da Constituição, uma democracia
necessitaria de líderes que conheçam e respeitem as regras informais.
Dizem os
autores
Em sua obra-prima de dois volumes A comunidade americana, o
estudioso britânico James Bryce escreveu que não foi a Constituição dos Estados
Unidos em si que fez o sistema político norte-americano funcionar, mas antes o
que ele chamou de “costumes”: nossas regras não escritas.
Os Perfeitos
Idiotas Constitucionalistas Latino-americano são igonrantes em relação a esses
princípios iluministas. Sua leitura da história é superficial, de manual. Seu
padrão de conhecimento são orelhas de livro e compilações de doutrinas. Nunca
se aprofundaram em processos sociais e políticos, de maneira a prever as
consequências futuras de seus atos.
Quando as
democracias começam a ser solapadas?
De acordo
com o livro, um primeiro sinal é quando os políticos passam a tratar seus
rivais como inimigos, intimidam a imprensa livre e ameaçam rejeitar o resultado
de eleições.
Eles tentam enfraquecer as salvaguardas institucionais de nossa
democracia, incluindo tribunais, serviços de inteligência, escritórios e
comissões de ética.
Quando os
órgãos de controle - CGU, TCU, MPF, PF - passaram a ampliar cada vez mais as
intervenções políticas sobre as instituições, inclusive programando shows
midiáticos em invasões de universidades, qual a posição da mídia e do STF? Do
lado da mídia, subordinação total às operações, tornando-se meros publicadores
de releases divulgados pelas forças tarefas. Da parte do STF, o Ministro
Barroso afirmando que para momentos de exceção se justificavam medidas de
exceção. Quando a operação na UFSC levou ao suicídio do reitor, houve cobertura
burocrática da média e silêncio constrangedor de Barroso.
Um segundo
sinal é a não aceitação dos resultados eleitorais
Podemos divergir (dos nossos adversários políticos), e mesmo não gostar
deles nem um pouco, mas os aceitamos como legítimos . Isso significa
reconhecermos que nossos rivais políticos são cidadãos decentes , patrióticos ,
cumpridores da lei – que amam nosso país e respeitam a Constituição assim como
nós .
Podemos derramar lágrimas na noite da eleição quando o outro lado vence
, mas não consideramos isso um acontecimento apocalíptico . Dito de outra forma
, tolerância mútua é a disposição dos políticos de concordarem em discordar .
Um terceiro
sinal são os expedientes adotados pelas maiorias eventuais para impor regras
que impeçam o trabalho da oposição. É o caso das propostas de Barroso, de
implantar o parlamentarismo, quando o grupo que ele apoiou assumiu o poder com
o impeachment.
O que dizem
os autores sobre esses expedientes:
Autoritários em busca de consolidar seu poder com frequência reformam a
Constituição , o sistema eleitoral e outras instituições de maneiras que
prejudiquem ou enfraqueçam a oposição , invertendo o mando de campo e virando a
situação de jogo contra os rivais . Essas reformas são muitas vezes levadas a
cabo sob pretexto de algum benefício público , mas , na realidade , estão
marcando as cartas do baralho em favor dos poderes estabelecidos . E , por
envolverem mudanças legais e mesmo constitucionais , permitem que os autocratas
consolidem essas vantagens durante anos ou mesmo décadas .
Peça 3 - os freios e contrapesos
Para o
sistema de freios e contrapesos funcionar, nenhuma instituição poderá ir até os
limites dos seus poderes previstos na Constituição. É aí que entram em ação as
regras tácitas de fortalecimento da democracia, a tal reserva institucional.
Por exemplo,
a Constituição norte-americana concede ao governo o poder de definir o número
de Ministros do Supremo. Há uma regra tácita nos EUA, de que presidentes não
poderiam usar esse poder com intenções políticas. Da mesma maneira, havia o
entendimento de que a Suprema Corte não foi eleita, portanto não poderia
impedir medidas do Executivo que não ferissem expressamente os princípios
constitucionais.
A Suprema
Corte passou a boicotar todas as medidas do New Deal. Quando o mais popular
presidente americano, Franklin Delano Roosevelt, reagiu e tentou se valer do
poder de ampliar o número de membros, foi combatido até por seus aliados mais
próximos. O impasse obrigou os dois lados a negociarem e a Suprema Corte a
parar de boicotar o Executivo. A reserva institucional prevaleceu.
A regra geral é interpretar a Constituição, interpretar o direito, de
acordo com as demandas da sociedade. Não é de acordo com as paixões da
sociedade, não é de acordo com o clamor público, mas de acordo com o sentimento
social filtrado pela razão.
Luis Roberto Barroso
O tal
´sentimento social filtrado pela razão´ nada mais é do que o poder abusivo do
Ministro do STF em filtrar o que ele acha que é o tal sentimento social. Ou
seja, se outorgar o poder de ir acima e além do que foi definido pela
Constituição.
No livro, os
autores definiram seis poderes centrais para o Executivo e o Legislativo.
No caso do
Presidente:
·
ordens
executivas,
·
indulto
presidencial e
·
modificação
da composição da corte.
No Caso do
Congresso:
·
a obstrução
dos trabalhos legislativos,
·
o poder do
Senado de aconselhar e consentir e
·
o
impeachment, de acordo com regras definidas.
Barroso não
apenas endossou as manobras do impeachment e vendeu a ideia do parlamentarismo,
como chegou ao cúmulo de interferir no indulto de Natal da Presidência da
República, atendendo a pedidos da Procuradoria Geral da República - outra
figura patética e tardiamente assustada com os riscos que cercam o estado de
direito no país. Tudo tendo em vista a intenção política de impedir que um
prisioneiro específico, Lula, pudesse se beneficiar de uma medida de caráter
geral - o indulto presidencial.
Se o Supremo
interferiu em um ato de poder exclusivo do Executivo - o indulto -, se
convalidou um impeachment inconstitucional, o que impedirá um presidente forte,
com o apoio das Forças Armadas, de fazer valer suas prerrogativas de modificar
a composição da corte? Ou mandar um cabo e um solado na porta do Supremo?
O Manual do
Perfeito idiota Constitucionalista Latino-Americano não tem nenhum capítulo
sobre as consequências da queda de regras tácitas democráticas. Qual a
diferença do internacionalismo de Miami e do conhecimento profundo da história?
Voltando ao livro:
Os imensos poderes do Executivo criam nos presidentes a tentação de um
governo unilateral –às margens do Congresso e do Judiciário. Presidentes que
consideram que sua agenda está sendo boicotada podem contornar o Legislativo
emitindo ordens executivas, proclamações, diretivas, acordos executivos ou
memorandos presidenciais, os quais assumem peso de lei sem o endosso
do
Congresso. A Constituição não proíbe esse tipo de ação. Da mesma forma,
presidentes podem contornar o Judiciário, seja recusando-se a acatar decisões,
como fez Lincoln quando a Suprema Corte rejeitou sua suspensão de mandatos de
habeas corpus, ou ao usar a prerrogativa do perdão presidencial.
Peça 4 – a frente democrática
De qualquer
modo, são águas passadas. Os verdadeiros inimigos, agora, são os inimigos da
democracia e os oportunistas de toda espécie que são atraídos pelo poder como
moscas.
A Folha e a
Globo, que ajudaram no desmonte da política, hoje são peças importantes para a
resistência democrática. Gilmar Mendes, que se valeu politicamente do STF por
anos, hoje em dia é uma referência na defesa da democracia. A parcela alckmista
do PSDB, um sopro, ainda que tênue, de democracia, em relação à ultradireita de
ocasião que ambiciona tomar o controle do partido. O PT, que se enrolou com o
modelo político que não quis corrigir, e que permitiu o golpe mais fácil da
história, ainda é o maior partido da oposição.
Uma ameaça
maior se apresenta. Tem que haver objetividade para buscar as mesmas metas, a
defesa intransigente da democracia.
Os EUA
tiveram Louis Brandeis, nós temos Luis Roberto Barroso. Tiveram Dean Acheson,
nós temos Onix Lorenzoni. Tiveram Rosevelt , nós temos Bolsonaro. Mesmo com
essa disparidade, a hora é de lutar pela democracia e dar a volta por cima
depois do 7 x 1, ainda que dispondo de uma seleção perna-de-pau.
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