15 pontos para entender os rumos da desastrosa política
ambiental no governo Bolsonaro
André Trigueiro, G1
Os primeiros seis meses do governo de Jair Bolsonaro já
podem ser considerados os mais desastrosos da história da política ambiental
brasileira. São muitas as evidências de que está em curso uma operação desmonte
que alcança diferentes setores da administração pública.
Fiz um breve resumo – em 15 tópicos – de algumas das muitas
medidas que revelam desprezo, descaso, omissão e irresponsabilidade do governo,
no que lhe compete fazer segundo o artigo 225 da Constituição Brasileira,
que impõe ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o
meio ambiente.
Seguem os fatos. O julgamento é do leitor.
1. Enfraquecimento do Ministério do
Meio Ambiente:
Na largada do atual governo – que nem teria um ministério do
Meio Ambiente, como chegou a cogitar o então presidente recém eleito Jair
Bolsonaro – a pasta ambiental perdeu a Agência Nacional de Águas para o
Ministério da Integração Nacional, e o Serviço Florestal Brasileiro para
o Ministério da Agricultura. Politicamente, o ministério perdeu força,
poder e prestígio. Integrante da bancada ruralista, o deputado Valdir Colatto
(MDB-SC) – que não conseguiu se reeleger ano passado – comanda o Serviço
Florestal Brasileiro, órgão responsável, entre outras atribuições, pela
ampliação da cobertura florestal no país. Colatto já criticou abertamente o
percentual de preservação de áreas verdes nas propriedades rurais. Quando era
deputado federal, foi autor de projetos que regulamentavam a caça de animais
silvestres e alterações nas demarcações de terras indígenas.
2. Revisão de todas 334 Unidades de Conservação:
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou a revisão de
todas as Unidades de Conservação do país, desde o Parque Nacional de Itatiaia
(criado em 1934) até o Refúgio da Vida Silvestre da Ararinha Azul (criado em
2018). Segundo o ministro, as unidades foram feitas “sem critério técnico”, e
poderão ter os traçados revistos ou serem até extintas.
3. Fim das Reservas Legais:
Projeto de Lei do senador Flávio Bolsonaro
(PSL-RJ) defende o fim das Reservas Legais – área protegida que não pode
ser desmatada em propriedades rurais – alegando o “direito constitucional de
propriedade”. Ao apresentar o projeto, o filho do presidente criticou o que
chamou de “ecologia radical, fundamentalista e irracional” que prejudicaria o
desenvolvimento do país. Estudo feito pelo engenheiro agrônomo Gerd Sparovek,
professor da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), indica que se esse projeto for
aprovado, a área desmatada poderia alcançar 167 milhões de hectares (maior que
o estado do Amazonas). Isso equivale a 30% de toda a vegetação nativa do
Brasil. Em uma nota técnica divulgada semana passada, 116 pesquisadores
da Embrapa (de 31 institutos de pesquisa) também se manifestaram
contra o projeto de Flávio Bolsonaro. Nem o presidente da Frente
Parlamentar Agropecuária (FPA), deputado Alceu Moreira (MDB/RS) apoia o
projeto. Em entrevista ao Canal Rural, ele declarou o seguinte: “Nós, que
passamos tanto tempo para construir o Código Florestal, certamente, não
queremos nenhuma ideia que seja radicalizada”.
4. Freio na fiscalização:
De janeiro a maio, o número de multas aplicadas pelo Ibama por
desmatamento ilegal foi o mais baixo em 11 anos. A queda foi de 34%. Em
diferentes situações, a fiscalização vem sendo desprestigiada pelo governo. Em
atendimento a um pedido do presidente Jair Bolsonaro, Ricardo
Salles recriminou publicamente fiscais que destruíram equipamentos usados
por criminosos para retirar madeira ilegal de uma Unidade de Conservação no
Pará, apesar de um decreto federal autorizar esse procedimento em certas
situações. Desde então, apesar de o decreto permanecer em vigor, não se tem
notícia da inutilização de novos equipamentos usados pelos criminosos. Outra
novidade que favorece o infrator é o decreto que criou os chamados “núcleos de
conciliação” que vão analisar as multas ambientais aplicadas pelos fiscais em
todo o Brasil mesmo que os infratores não reclamem do procedimento.
5. Ibama anuncia onde fiscais vão reprimir os crimes
ambientais:
Causou surpresa a nota divulgada pela assessoria de imprensa do
Ibama na semana passada na qual o Instituto informa que a fiscalização iria
reprimir o desmatamento ilegal nas “Terras Indígenas e Unidades de Conservação
no sudoeste do Pará, região que abriga a Floresta Nacional do Jamanxim”. O
anúncio contraria o protocolo de segurança do próprio Instituto, que sempre
guardou sigilo absoluto sobre as ações dos fiscais. O sucesso das operações
depende – e muito – do elemento surpresa. Além de alertar os desmatadores, a
assessoria do Ibama expôs os fiscais ao risco de serem alvos de ataques
programados pelos criminosos.
6. “Cancún brasileira numa Estação Ecológica”:
Jair Bolsonaro anunciou várias vezes o desejo de transformar
a Estação Ecológica de Tamoios (refúgio de espécies marinhas, criada há 30 anos
numa área que ocupa aproximadamente 5% da Baía de Ilha Grande) numa “Cancún
brasileira”. A área abriga 29 ilhas, lajes e rochedos que servem de refúgio,
local de alimentação e berçário para diversas espécies marinhas (e das ilhas),
garantindo o sustento de comunidades pesqueiras que se beneficiam da reprodução
protegida de camarões, sardinhas, chernes, robalos etc. Tão preocupante quanto
a ideia de levar à frente o projeto sem ouvir o que os defensores do refúgio
tem a dizer, é fazê-lo por decreto, o que é inconstitucional. Decretos que
criam Unidades de Conservação só podem ser anulados por lei.
7. Afastamento do fiscal que multou Bolsonaro:
Três meses depois da posse do presidente, o chefe do Centro de
Operações Aéreas da Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama, José Augusto
Morelli, foi afastado do cargo. Foi Morelli quem flagrou o então deputado
federal Jair Bolsonaro em um barco com varas de pescar e recipientes para
peixes na Estação Ecológica de Tamoios. Um ano depois de ser multado, Bolsonaro
apresentou um projeto de lei na Câmara para desarmar todos os fiscais do Ibama
e do ICMBio (apesar da cruzada do parlamentar em favor da liberação das armas
para toda a população). O projeto foi arquivado. O ministro do Meio Ambiente,
Ricardo Salles, disse que a demissão de José Augusto Morelli foi uma “decisão
administrativa” e não “pessoal”. Morelli continua no Ibama por ser servidor
concursado. Em dezembro de 2018, a Superintendência do Ibama no Rio anulou a
multa com base em um parecer da Advocacia-Geral da União que alegou não ter
havido direito à “ampla defesa” de Bolsonaro.
8. Presidente do ICMBio se demite depois de ameaça de
Salles:
Dois dias depois de o ministro Ricardo Salles ter ameaçado
investigar fiscais do ICMBio, durante um evento organizado com o apoio de
ruralistas no município de Tavares (RS), o presidente do Instituto, Adalberto
Eberhard, pediu demissão do cargo alegando “motivos pessoais”. Salles ameaçou
funcionários de processo administrativo por estarem ausentes em um evento para
o qual não foram chamados.
9. Salles nomeia policiais de SP em lugar de especialistas
em biodiversidade:
A crise desencadeada no ICMBio com a demissão do presidente
Adalberto Eberhard (que levou três diretores do Instituto a também pedirem
demissão) abriu caminho para que o ministro Salles exonerasse pelo Twitter o
quarto diretor, e reformulasse totalmente o órgão. Foram anunciadas – também
pelo Twitter – as nomeações do “coronel da PM Lorencini, tenente da PM
Simanovic, major da PM Marcos Aurélio e major da PM Marcos José, que junto ao
coronel da PM Homero, farão um grande trabalho”, resumiu Salles. Nenhum dos
substitutos possui o nível de especialização e expertise dos antecessores. O
ICMBio administra quase 10% do território brasileiro.
10. Desmantelamento da Política Climática:
Quando o assunto é aquecimento global – a maior crise ambiental
deste século com inúmeros impactos sobre o Brasil – Salles costuma classificar
o tema como “acadêmico” e “não prioritário”. O Governo abriu mão de sediar a
COP-25, maior encontro climático do mundo, que vai acontecer em novembro no
Chile. Além disso, Salles chegou a anunciar o cancelamento da Semana do Clima
da América Latina e Caribe (Climate Week), um evento da ONU em Salvador,
dizendo que “não fazia sentido”, e que seria apenas uma “oportunidade” para
se “fazer turismo em Salvador” e “comer acarajé”. O prefeito de Salvador,
ACM Netto, não gostou da interferência de Salles (que também atropelou o
Itamaraty) e, na qualidade de presidente do Democratas, impôs uma dura derrota
a Salles, que foi obrigado a voltar atrás.
O fato é que o atual governo vem promovendo o desmantelamento da
política climática que vinha sendo construída por sucessivos governos nos
últimos 27 anos. Além de cortar 95% da verba destinada para essas políticas,
Salles exonerou o coordenador Executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.
O afastamento de Alfredo Sirkis foi anunciado duas semanas depois dele
organizar um evento na sede da Federação das Indústrias do Estado do Rio
(Firjan) no qual 12 governadores se manifestaram publicamente contra o
aquecimento global, se comprometendo a agir conjuntamente para reduzir as
emissões de gases estufa. Nenhum representante do Governo Federal esteve
presente.
11. Fundo Amazônia pode desaparecer:
Ricardo Salles causou enorme constrangimento aos financiadores do
Fundo Amazônia (Noruega e Alemanha contribuem com 95% dos recursos, que somam
mais de R$ 3 bilhões) ao convocar uma entrevista coletiva para criticar o
modelo de gestão do projeto. Apesar de Salles ter dito que comunicou aos dois
países as mudanças que desejava fazer no Fundo, e que tanto a Noruega quanto a
Alemanha teriam concordado com a proposta, as respectivas embaixadas negaram as
declarações dele. Sem apresentar qualquer denúncia ou irregularidade, Salles
terminou provocando um incidente diplomático ainda não totalmente resolvido.
Os embaixadores dos dois países consideram a governança do Fundo
Amazônia exemplar, e deixaram claro que os recursos doados são fiscalizados e
auditados desde o início dos repasses há 10 anos. Noruega e Alemanha também
elogiaram a mediação feita pelo BNDES, a transparência (todos os dados estão
disponíveis no site oficial do Fundo) e os resultados concretos dos 103
projetos financiados até agora. Salles quer mudar o Comitê Orientador do Fundo
Amazônia (Cofa) elevando a participação do governo, e utilizar parte dos
recursos doados para pagar indenizações a proprietários rurais situados dentro
das Unidades de Conservação, o que contraria as atuais regras do Fundo. Salles
afirmou que só publicará decreto retomando as atividades do Cofa quando houver
“acordo com todas as partes”. E se não houver acordo?
12. Sinal verde para a exploração de petróleo em Abrolhos:
O Ministério do Meio Ambiente atropelou um parecer técnico do
Ibama que vetava a exploração de petróleo nas proximidades do Parque Nacional
de Abrolhos. Em nota, a secretária-executiva do ministério, Ana Maria Pellini
(braço direito de Salles) rejeitou as argumentações técnicas em função da
“relevância estratégica do tema” e autorizou a realização de um leilão em
outubro para a oferta de sete blocos de exploração de petróleo na região. Entre
outras advertências, a nota técnica do Ibama afirma que qualquer incidente com
derramamento de óleo, poderá atingir “todo o litoral sul da Bahia e a costa do
Espírito Santo, incluindo todo o complexo recifal do banco de Abrolhos”.
O site do próprio ICMBio informa que o Arquipélago de Abrolhos
protege “porção significativa do maior banco de corais e da maior
biodiversidade marinha do Atlântico Sul, o principal berçário das
baleias-jubarte no Atlântico Sul, além de ser a única região do planeta onde é
possível encontrar o coral Mussismilia
braziliensis, conhecido como coral-cérebro por seu aspecto
peculiar. Espécies de tartarugas-marinhas ameaçadas de extinção – como as
tartarugas de couro, cabeçuda, verde e de pente – também se refugiam no parque,
além de aves marinhas como a grazina do bico vermelho, os atobás branco e
marrom, as fragatas, beneditos entre outros, incluindo pequenas aves
migratórias do Hemisfério Norte. Um levantamento da biodiversidade da região
registrou aproximadamente 1,3 mil espécies, 45 delas consideradas ameaçadas,
segundo listas da IUCN e do MMA.”
13. Menos verde com o novo Código Florestal:
O governo já anunciou que vai ressuscitar a MP 867 (aprovada
na Câmara e “enterrada” pelo Senado na semana passada) que muda as regras do
Código Florestal. Só falta decidir se o fará mediante uma nova Medida
Provisória ou Projeto de Lei. De uma forma ou de outra, segundo o Observatório
do Código Florestal, as novas regras beneficiariam apenas 4% dos proprietários
rurais do Brasil (pouco mais de 147 mil imóveis rurais) que não cumprem até
hoje a lei aprovada em 2012, após longos 11 anos de exaustivos debates no
Congresso. Com as mudanças sugeridas, entre outras vantagens indevidas, não
haveria mais a exigência de recompor matas e florestas que, somadas,
equivaleriam a duas vezes o Estado de Sergipe.
14. A indignação de 8 ex-ministros do Meio Ambiente:
Juntos eles representam quase 30 anos de gestão ambiental, de
diferentes governos, ligados a partidos políticos e correntes ideológicas
distintas. Pela primeira na história, ex-ministros do Meio Ambiente dos
governos Itamar Franco, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer se reuniram
para divulgar uma carta na qual denunciam, entre outras coisas, “o risco
real de aumento descontrolado do desmatamento da Amazônia”, “a perspectiva de
afrouxamento do licenciamento ambiental travestido de ‘eficiência de gestão'”,
além da constatação de que “a governança socioambiental no Brasil está sendo
desmontada em afronta à Constituição”. No encerramento da carta, os
ex-ministros afirmam que “o Brasil não pode desembarcar do mundo em pleno
século 21. Mais do que isso, é preciso evitar que o país desembarque de si
próprio”.
15. TCU enquadra Ricardo Salles:
O Tribunal de Contas da União abriu semana passada um processo
para investigar a política ambiental do governo. O Tribunal atendeu a um pedido
do subprocurador-geral do Ministério Público no TCU, Lucas Furtado, que quer
investigar se a política ambiental do país está comprometendo a fiscalização e
a prevenção do desmatamento ilegal.
O pedido incluiu ainda a necessidade de apurar se a liberação de
agrotóxicos no Brasil cumpre as normas estabelecidas para o setor (foram 169
novos agrotóxicos licenciados este ano até o dia 21 de maio) e se procedem as
críticas feitas pelo ministro Ricardo Salles ao Fundo Amazônia. Até o
fechamento desta edição, Salles não apresentou nenhum indício ou prova que
sustente as críticas feitas contra o Fundo.
Na rápida passagem pelo Governo Alckmin, quando foi Secretário
Estadual do Meio Ambiente de São Paulo, Ricardo Salles foi condenado pela
Justiça por improbidade administrativa, por fraudar processo do Plano de Manejo
da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê. De acordo com o
Ministério Público, Salles e a FIESP “teriam modificado mapas elaborados pela
Universidade de São Paulo, alterado minuta do decreto do plano de manejo e
promovido perseguição a funcionários da Fundação Florestal, com o propósito de
beneficiar setores empresariais, em especial empresas de mineração e filiadas à
Fiesp”. O juiz Fausto Seabra, responsável pela condenação em primeira
instância, não escondeu a surpresa com as alegações de Salles em sua própria
defesa, e fez constar na sentença sua perplexidade:
“O foco do então secretário era a
defesa da atividade econômica e, sob a ótica da mineração, como ele próprio
disse, deslocar uma atividade para mais longe criaria mais problemas
ambientais, como se não fosse possível coibir atividades predatórias aos ecossistemas
em qualquer lugar”.
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