A
dor de Mirtes e Marta
Lúcia de Andrade
Siqueira (Neguinha)
Esse caso da morte do menino Miguel é
tão chocante que demorei a processar não só a notícia como toda a violência
contida nesse episódio. Parece que a cada nova informação eu tomava um golpe e
a respiração faltava.
E se fosse Alice? Esse foi o meu
primeiro pensamento, hoje depois de muito refletir percebi que talvez não
acontecesse com Alice e escrevi esse texto.
Dizem que a dor de uma mãe é sentida
por todas.
Pura falácia.
Apesar de me solidarizar com a dor de
Mirtes e Marta pela perda do filho e neto, de ter ficado com o coração apertado
e com dificuldade de respirar, eu não tenho a dimensão de toda a dor que elas
sentem agora.
Eu não tenho a dimensão de toda a dor
de Mirtes e Marta porque nasci numa família de classe média e tive
oportunidades que elas nunca tiveram.
Eu não tenho a dimensão de toda a dor
de Mirtes e Marta porque pude ficar em casa durante a pandemia cuidando dos
filhos junto com meu companheiro.
Eu não tenho a dimensão de toda a dor
de Mirtes e Marta porque se tivesse sido infectada pelo Covid-19 eu não me
sentiria obrigada a continuar trabalhando.
Eu não tenho a dimensão de toda a dor
de Mirtes e Marta porque se meus filhos estivessem naquele apartamento eu não
seria obrigada a passear com o cachorro e deixá-los aos cuidados de outra
pessoa.
Eu não tenho a dimensão de toda a dor
de Mirtes e Marta porque se a minha pequena de 6 anos fizesse birra ou chorasse
desejando a minha companhia a "cuidadora" teria mais paciência.
Eu não tenho a dimensão de toda a dor
de Mirtes e Marta porque nenhum dos meus três filhos (Pedro, Miguel ou Alice)
caso precisassem pegar o elevador naquele prédio, não se deslocariam pelo
elevador de serviço.
Eu não tenho a dimensão de toda a dor
de Mirtes e Marta porque caso os cuidados com a minha pequena tivesse sido
negligenciado e isso tirasse a vida dela (ai que dor), provavelmente o nome da
pessoa negligente seria divulgado na mídia.
Eu não tenho a dimensão da dor de
Mirtes e Marta, porque sou uma mulher branca e de classe média e meus filhos
são brancos e de classe média, e parece que as nossas vidas importam mais que
as vidas de Mirtes, Marta e MIGUEL.
Para Mirtes e Marta, um abraço
apertado recheado do meu esforço de empatia e solidariedade.
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Um comentário:
Li agora seu texto Neguinha, perfeito em sua inteireza, muito sincero e verdaeiro. Não existe medida para dimensionar a dor de perder um filho.
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