06 novembro 2020

Crônica do meio da tarde

Tem um cachete aí?

Luciano Siqueira

 

 

Um médico amigo confidenciou seu desconforto com pacientes que chegam ao consultório com diagnóstico “antecipado”.

Como assim?

O cara sente uma dor abdominal que lhe parece atípica ou imagina palpitações e corre ao Google para pesquisar. Por conta e risco chega rápido a uma conclusão.

Pela própria conta, sim; risco, nem tanto. Prefere ir ao médico.

- Doutor, eu tenho uma arritmia cardíaca, devo tomar o quê?

- Você foi ao cardiologista?

- Não, fiz uma pesquisa na internet...

O colega diz que incorporou uma dose extra de paciência entre os atributos do bom clínico para lidar com gente assim. Afinal, o Google existe e a turma vai a ele antes...

Mas muitos desses cidadãos, digamos, autossuficientes completam o ciclo: se automedicam.

Os hipocondríacos, sobretudo.

Como um ilustre personagem da cena política pernambucana de quem dizem ligar costumeiramente para a farmácia de sua preferência para saber das “novidades”, ou seja, quais os novos medicamentos lançados no mercado e para que servem.

Ao saber que tal droga combate dores articulares e em comprimidos tamponados não agridem a mucosa gástrica, por exemplo, antes mesmo de desligar o telefone sente os sintomas. Daí a mandar buscar os cachetes na farmácia é questão de segundos...

Aliás, cachete é uma expressão muito popular no interior. Mais do que comprimidos ou drágeas.

Certa vez um grupo de estudantes de medicina da UFPE se instalou temporariamente numa fazenda do interior da Paraíba, como em “comunidade”, e passou a conviver com trabalhadores da propriedade.

Ao saberem que se tratava de “doutores”, os camponeses os procuraram com suas doenças.

Então, nossos heróis e heroínas se viram diante de uma oportunidade rara de prescreverem chás e outras mezinhas, à guisa de medicação “natural”.

- Isso não, a gente já sabe e tá acostumado a tomar. A gente quer mesmo é cachete, reclamaram os moradores do lugar.

Em sentido contrário, uma jovem mãe de primeira viagem me abordou preocupadíssima porque um pediatra prescrevera amoxicilina para seu filhinho de poucos meses de vida, acometido de uma bronquite provavelmente bacteriana.

- Dizem que antibiótico prejudica os ossos e faz muito mal no futuro!

E assim caminha a Humanidade. Uns em busca de medicamento “de laboratório”, outros com receio da ciência.

Nem tanto ao mar, nem à terra.

E a vida segue.

Veja: Há sempre modos de contornar dificuldades. Basta querer https://bit.ly/2TatLA8

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