Meus espelhos nas estantes
Luciano Siqueira
Aqui em casa a biblioteca é considerada espaço nobre, embora ocupe apenas um dos três quartos do pequeno apartamento e abrigue 19 estantes de tamanhos variáveis e três lances de quatro gavetas.
É que cada volume é um mundo!
O mundo de cada um de nós que
a frequentamos, compartilhado com os inúmeros autores de múltiplos gêneros – da
ciência política às artes plásticas, a fotografia e a literatura.
Num canto à esquerda, no
alto, visíveis quando em minha mesa de trabalho, alguns livros de medicina.
Inúteis, já que não sou médico
atuante há tanto tempo?
Úteis até demais, pois os
visito eventualmente, quando um caso me desperta a curiosidade e revejo trechos
que há muitos anos li e grifei.
Por que não consultar o
Google, que seria muito mais prático?
As informações que me chegam
na tela do computador não têm o calor das páginas que folheei há tanto tempo e
que me fazem lembrar de casos como o do garoto Cícero, 10 anos, vítima de um empiema
pleural por conta de pneumonia bacteriana.
E da mãe do Cícero que me
abraçou aos prantos quando visitei o hospital anos depois, agora deputado da
Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, e a encontrei numa das enfermarias
da clínica médica e a chamei pelo nome.
O doutor deputado a reconheceu
e a tratou como amiga! E não esqueceu do filho que salvara após quase dez dias
de internação...
Pois bem, aqui entre livros
leio, escrevo, cuido de tarefas de governo e do Partido em meio à pandemia,
submetido a essa coisa desgastante que chamam home office.
Mas me aliviam os espelhos
que tenho nas estantes, pois basta olhar um título para rever parte da vida
vivida...
No Livro I de O Capital, de
Marx, outro dia revi vestígios de minha luta para compreender a questão da
mercadoria e do dinheiro. Nunca fui bom em economia política, pior ainda em
economia financeira. Acho que entendo um mínimo para raciocinar politicamente.
Nas estantes de poesia e literatura
em geral, reencontro os afetuosos amigos (assim os trato) Neruda, Drummond,
Cecília Meireles, Vinícius, Fernando Pessoa, Paulo Leminski, Ariano, Dostoievski, Jorge
Amado, Eça, Cortázar, Saint-Exupéry,
Gorki, Raimundo Carrero, Rubem Braga, Mia Couto, Lima Barreto, os Veríssimo
(pai e filho), Machado de Assis... A turma é imensa, daria uma baita
assembleia.
Mas a minha vida já se
aproxima do fim, creio. E por que conservar tantos volumes, boa parte dos quais
dificilmente os lerei novamente?
Por uma questão de herança,
ora. As filhas, os netos e os genros já se servem agora e terão o pequeno
tesouro à disposição a vida toda.
E se reconhecerão nos meus
espelhos.
Veja:
De grão em grão a urna confirma o que se quer https://bit.ly/2U6Twlu
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