Os US$ 4 bilhões que travaram na Esplanada
Daniel Rittner, no Valor Econômico
O governo
Jair Bolsonaro está deixando parado um financiamento internacional de US$ 4
bilhões, com taxas de juros mais baixas e prazos mais longos do que as
captações feitas pelo Tesouro no mercado, para arcar com o pagamento do auxílio
emergencial e ações de combate à crise econômica provocada pela pandemia. A
tomada do crédito, que foi anunciada em maio, travou na burocracia da Esplanada
dos Ministérios. Enquanto isso, o Brasil abre mão de um alívio de algumas
centenas de milhões de reais na gestão de sua dívida pública porque é obrigado
a pagar mais caro para credores privados que têm financiado o gigantesco
déficit primário no nosso “Orçamento de guerra”.
Seis bancos
multilaterais e agências de desenvolvimento se dispuseram a emprestar para o
Brasil. Todos já aprovaram, em suas instâncias decisórias, a liberação do
crédito. As fontes de financiamento são as seguintes: US$ 1 bilhão do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), US$ 1 bilhão do Banco Mundial, US$ 1
bilhão do NDB (conhecido como Banco do Brics), US$ 420 milhões do banco de
fomento alemão KfW, US$ 350 milhões do Banco de Desenvolvimento da América
Latina (CAF) e US$ 240 milhões da Agência Francesa de Desenvolvimento.
No entanto,
de forma atípica, nenhuma mensagem foi enviada ao Senado até agora pedindo
autorização para essas operações. O passo a passo de qualquer financiamento é o
seguinte. Primeiro, o próprio Poder Executivo analisa os termos do empréstimo
negociado. Isso costuma ser um procedimento rápido, toma no máximo algumas
semanas depois de aprovado o crédito pelos organismos internacionais, que é o
tempo para a elaboração de um parecer do Tesouro e um sinal verde da Casa
Civil. Na sequência, a mensagem do Palácio do Planalto vai para a análise dos
senadores - tanto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) quanto do plenário.
Uma vez votada, ela se transforma em projeto de resolução do Senado. Por causa
do excesso de burocracia no governo, está tudo demorando.
A primeira
operação de crédito, do Banco do Brics, foi aprovada por sua diretoria em
Xangai no dia 20 de julho. Lá se vão mais de quatro meses e nada de o
financiamento caminhar em Brasília. Em agosto, foi a vez de aprovações pelas
diretorias do BID e da CAF, o banco que ainda usa a sigla histórica de quando
se chamava Corporação Andina de Fomento. Essas operações estão na mesma
situação - bem como os recursos do Banco Mundial, da alemã KfW e da francesa
AFD.
Há grande
mal-estar, nos seis organismos internacionais que fizeram os empréstimos, com a
demora do governo. Eles frisam o caráter de emergência que as operações
receberam dentro de cada banco ou agência. Em uma das instituições, na última
reunião de diretoria, houve surpresa do colegiado com o relato de que o
dinheiro ainda não poderia ser transferido por falta de aprovação no Brasil.
Era o único dos países beneficiados sem receber financiamento para ações de
combate à pandemia.
O Ministério
da Economia pretendia usar da seguinte forma o crédito levantado: US$ 1,72
bilhão para o programa de renda básica emergencial, US$ 960 milhões para a
ampliação do Bolsa Família, US$ 780 milhões para o aumento das concessões de
seguro-desemprego e US$ 550 milhões para o programa de manutenção do emprego.
No total, pela taxa de câmbio mais atualizada, são R$ 21,2 bilhões. Segundo
fontes do governo, que reservadamente admitem as reclamações de organismos
internacionais, tem havido um vaivém dos pareceres técnicos elaborados pela
Secretaria do Tesouro Nacional. A Casa Civil teria rejeitado as primeiras
versões dos documentos. No meio disso, comenta-se que também houve ressalvas da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). A coluna não conseguiu obter
detalhes do que estaria causando as divergências.
Em termos práticos, existem dois problemas. Um é se os empréstimos programados para este ano podem escorregar para 2021. Tecnicamente, diz um dirigente de organismo internacional, há condições de manter o crédito de pé. Do ponto de vista político, bate um constrangimento. “Não era para financiar programas emergenciais? Houve decisão política de liberar os recursos rapidamente e a demora não condiz com o que havia sido dito”, afirma esse dirigente. As taxas dos empréstimos negociados ainda não foram divulgadas. Elas se tornam públicas com a mensagem ao Senado. O último crédito internacional tomado pela União - uma operação de US$ 195 milhões do BID para o fortalecimento da defesa agropecuária em 2019 - tinha juros iniciais de 3,78% ao ano e 300 meses (25 anos) como prazo para o pagamento. Para ilustrar a diferença: no mercado, os títulos pré-fixados mais longos do Tesouro, com vencimento em 2031, pagam 7,94% ao ano. O resultado é que, sem colocar as mãos no dinheiro dos bancos multilaterais e agências de desenvolvimento, o Brasil está gastando mais para financiar parte do déficit fiscal. Conclusão: às vezes o que chamamos de “burocracia” é um excesso de zelo legítimo e o que chamamos de “atraso” só reflete a sobrecarga de trabalho de determinados técnicos. De qualquer forma, a demora no envio das mensagens para o Senado soa como uma falta de prioridade pouco justificável.
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