Incertezas com economia no próximo ano levam empresas a reforçar caixa
O Estado de São Paulo
Depois de um primeiro
semestre de perdas por conta da pandemia do novo coronavírus, as empresas
colocaram as barbas de molho – e o dinheiro no caixa. Levantamento feito pela
Economatica a pedido do Estadão/broadcast mostra que, na comparação com
setembro de 2019, o dinheiro disponível nos cofres das mais de 360 empresas
listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) aumentou 65%. O movimento não é
gratuito. Segundo analistas, os empresários buscam conforto não só para
atravessar o atual momento como para fazer frente aos efeitos esperados com o
fim de estímulos, como o auxílio emergencial, e uma eventual segunda onda da
covid-19 no País. De acordo com os balanços já publicados pelas empresas, o
montante acumulado estava em R$ 483,9 bilhões no terceiro trimestre deste ano.
As fontes dos recursos são variadas, mas a maior parte do dinheiro veio por
meio da emissão de novas dívidas – como debêntures.
No consolidado da B3,
a dívida líquida (ou seja, subtraindo o caixa) das empresas aumentou em 12%, e
chegou a R$ 1,2 trilhão – equivalente a 16% do PIB brasileiro em 2019. “As
empresas estão se endividando para pagar o capital de giro, e não para
investir”, afirma Joelson Sampaio, coordenador do curso de Economia da Escola
de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Segundo Carlos Eduardo Daltozo,
cochefe de renda variável da Eleven Financial, as gigantes da Bolsa refletem
uma tendência que se espalhou por toda a economia, indo, inclusive, aos
pequenos negócios.
“Vimos esse efeito
começar desde o fim de março, inclusive nos balanços dos bancos, que aumentaram
a carteira de crédito para grandes empresas”, diz ele. “O governo se utilizou
de alguns instrumentos, como o Pronampe (Programa Nacional de Apoio às
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), para que os recursos também
chegassem às pequenas empresas.” A baixa dos juros deu sua parcela de
contribuição ao reforço de caixa das empresas. Com a Selic em 2% ao ano, na
mínima histórica, e os juros lá fora próximos a zero, o custo de pegar dinheiro
emprestado caiu drasticamente. “O nível de alavancagem das empresas pode ser o
mesmo ou até maior do que na última recessão, mas o gasto com juros está muito
menor”, afirma Vitor Miziara, chefe de alocação da Criteria Investimentos. Como
exemplo, ele cita a rede de lojas Marisa, que incrementou o caixa em 87%. “A
Marisa é muito endividada, então é sensível à queda de juros”, explica. “Para
ela, a redução das taxas é bem positiva.”
Parte dos recursos da
Marisa veio de uma oferta de ações feita no ano passado, mas, no auge da
pandemia, empresas como a Via Varejo buscaram dinheiro no mercado. O movimento
só foi possível graças aos juros baixos, que aumentaram o apetite dos
investidores por ações e títulos de dívida. “É um elemento que não existia
antes: o mercado tem apostado muito na recuperação rápida e nos pacotes de
incentivo”, diz Sampaio, da FGV. Cautela. De acordo com o levantamento da
Economatica, a “campeã de liquidez” da B3 é a Ambev, que aumentou o caixa em
44% em um ano e ficou com mais folga para contratar dívidas – em setembro, o
caixa da cervejaria era suficiente para pagar as dívidas e gerar sobras de R$
16,3 bilhões. Mas isso não significa que a empresa planeje sair torrando
dinheiro. Ao apresentar os resultados do terceiro trimestre, o diretor
financeiro da companhia, Lucas Lira, foi claro: “Estamos mantendo a liquidez,
porque vivemos um ambiente de volatilidade”. Um dos fatores que tornam o
cenário para o próximo ano incerto é a retirada do auxílio emergencial a partir
de janeiro. A princípio, o benefício, pago a desempregados e trabalhadores
informais, acaba no próximo mês. O governo federal, porém, tem acenado com
medidas alternativas, como a criação de um novo programa de microcrédito, com
financiamentos máximos de R$ 5 mil.
Como mostrou o
Estadão,a Caixa já teria separado R$ 10 bilhões para financiar parte do
programa. A ideia da equipe econômica é chegar a R$ 25 bilhões por meio de
transferência de outras receitas e mudanças nos compulsórios dos bancos.
Alguns especialistas
dizem que, com o fim do auxílio, poderá haver redução de consumo e um efeito
cascata na economia. Há ainda o receio de nova aceleração das infecções pelo
covid-19. Na última semana, hospitais da Grande São Paulo têm relatado o
aumento dos registros da doença. Miziara, da Criteria, afirma que as empresas
ainda preferem priorizar, em seus anúncios, a retomada da demanda. “Hoje, não
se coloca na conta que vai haver uma quarentena”, diz ele. “Pode haver algum
tipo de restrição, mas não na mesma escala.” O vice-presidente financeiro e de
relações com investidores da aérea Azul, Alexandre Malfitani, manifestou essa
visão ao comentar os números da empresa no terceiro trimestre, mas também
manteve certa cautela. “A demanda está forte e as reservas também, mas ninguém
tem capacidade de garantir que a crise acabou”, afirmou. Os números da Azul
exemplificam o cenário que o setor enfrentou neste ano – e as dívidas que
gerou. O caixa da companhia caiu 6%, número pequeno diante da baixa na demanda
no período. Mas a dívida saltou 813%, como reflexo da busca por capital de giro
pela companhia em meio à paralisação dos voos. O número não inclui a emissão de
R$ 1,7 bilhão em debêntures, concluída em novembro, e que também contará como
dívida.
Veja: A literatura é uma agulha na estupidez https://bit.ly/3nvQiVq
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