O mundo enlouquecedor dos olhares que não se cruzam
Após oito meses
morando em uma reunião de Zoom, esqueci o protocolo de um encontro presencial
Gregório
Duvivier
Outro dia
encontrei uns amigos. A pior parte não foi o cumprimento de cotovelos, nem
manter a distância. O mais estranho foi perceber que, num encontro presencial,
já não faço ideia de onde colocar os olhos. Será que penduro meus olhos no
chapeleiro? Guardo no bolso? Escondo no banheiro?
Os globos,
claro, mantenho na cara. Mas o olhar, eis a questão: onde descansá-lo numa
interação presencial? Esqueci o protocolo. Por quantos segundos se deve olhar
pros olhos de alguém antes que comece a ficar estranho? Olho sempre pro mesmo
olho? Devo alternar entre um olho e outro ou olhar pro espaço entre os dois
olhos?
Faz oito
meses que moro dentro de uma reunião de Zoom —com breves temporadas no Google
Meet. Passo horas olhando pra pessoas que, por sua vez, olham pra mim, mas em
nenhum momento cruzamos o olhar, porque a interface tornou isso impossível.
Pra que o
outro tenha a sensação de que estou olhando nos seus olhos, precisaria olhar
pra lente, mas se eu olhar pra lente já não consigo ver seus olhos. Quando olho
pros olhos de alguém, a pessoa estará sempre, fatalmente, olhando pra outro
lugar —geralmente pra baixo, como se fosse um súdito, ou um dalit. Não é à toa
que você tá estressado: você passa o dia olhando pra alguém que olha pra outro
lugar. Todo mundo se vê, ninguém se olha.
Antes das
videochamadas não existia esse tipo de relação. Ou pelo menos não no Brasil. O
japonês considera o contato visual invasivo e costuma olhar pra baixo, mas, pra
mostrar que tá ouvindo, fica dizendo "hai hai", como se
cumprimentando uma criança imaginária. Entendo o japonês. Quem não olha no olho
tem que provar que tá prestando atenção. Passo o dia tentando interpretar o
olhar perdido de interlocutores: será que a pessoa está, de fato, olhando pra
mim? Quantas abas estarão abertas no navegador? Digo isso porque, no meu, nunca
são menos de 12.
Cara a cara,
fica muito mais difícil de mentir —já diz o cancioneiro. "Olhos nos olhos,
quero ver o que você diz", canta Chico Buarque. Pelo Zoom, o eu lírico não
conseguiria mostrar que "tantos homens me amaram bem mais e melhor que
você". Thiaguinho, por sua vez, convidou: "Olha nos meus olhos, lê a
minha mente, vai que de repente a gente tá pensando igual". Duvido que o
Google Meet tenha a mesma "energia surreal".
Não sei se o Brasil tá pronto pra uma conversa olho no olho.
Eu não tô.
De grão em grão a urna confirma o
que se quer https://bit.ly/2U6Twlu
Nenhum comentário:
Postar um comentário