Nos 109 anos do nascimento de João Amazonas, reflexões sobre o 9º Congresso do PCdoB
Altair
Freitas e Pedro Oliveira, Blog do Renato
Em 1997
o Partido Comunista do Brasil – PCdoB – realizou o seu 9º Congresso, que foi
liderado pelo histórico dirigente comunista João Amazonas, à época com oitenta
e cinco anos. Naquele ano, Amazonas já completara mais de seis décadas de vida
dedicadas à construção do Partido dos Comunistas no Brasil, desde a sua
filiação ao PCB em 1935, nos marcos da grande luta antifascista levada a cabo
pela Aliança Nacional Libertadora, comandada por Luís Carlos Prestes, que tinha nos comunistas
uma das suas grandes forças. Aqueles mais de sessenta anos foram vividos por
ele intensamente, como um dos principais dirigentes nacionais do Partido,
alternando longos anos de dura clandestinidade, especialmente durante a
vigência do Estado Novo (1937-1945) implantado por Getúlio Vargas e a Ditadura
Militar (1964-1985), com a curta
legalidade da legenda comunista (1945-1948), quando foi eleito Deputado Federal
Constituinte - o mais votado no Rio de
Janeiro e o PCB teve 10% dos votos à presidência da república - e até as respectivas cassações do registro
legal do Partido (1947) e dos mandatos comunistas (1948), os primeiros ecos da
Guerra Fria no Brasil. Finda a ditadura
militar, o Partido foi legalizado em 1985. Quando da realização do 9º
Congresso, portanto, o PCdoB contava com exatos vinte e dois anos de
legalidade.
Para
além dos períodos de repressão e democracia, Amazonas vivenciou também a
ascensão e queda da União Soviética, foi parte integrante dos grandes embates
teóricos e ideológicos no seio do movimento comunista, principalmente na cisão
de 1962, momento no qual ele e outros dirigentes partidários reorganizaram a
força comunista revolucionária, agora sob a sigla PCdoB, tornando-se daquele
período e até o seu falecimento em Maio de 2002, o seu principal dirigente. Particularmente
terríveis foram os anos nos quais um verdadeiro Teatro de Horrores se abateu sobre
o Brasil e sobre as forças progressistas, quando o país foi governado pelos
generais de 1964. Anos de chumbo, anos de trevas, de torturas, exílios,
execuções, de resistência armada nas cidades e nas selvas, como a Guerrilha do
Araguaia, dirigida pelo Partido. Mas foram anos também de rearticulação das
forças progressistas, do movimento operário-sindical, dos movimentos das massas
do campo e da cidade, diante de uma progressiva deterioração nas suas condições
de vida em função das desastrosas políticas econômicas impostas ao povo pela
Ditadura nos anos 70 e início dos 80. Foram os anos da Campanha pela Anistia,
das greves operárias no ABC Paulista, Osasco e em Contagem; das Diretas Já! e
da eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em janeiro de 1985. E,
finalmente, da reconquista da democracia e da legalidade do Partido Comunista
do Brasil. Vinte e dois anos depois, em 1997, Amazonas seguia extremamente atuante não
apenas como presidente nacional do PCdoB, mas construindo um poderoso
pensamento teórico que contribuía de forma intensa para a ação política do
Partido e sua relação com as demais forças do campo democrático no Brasil. E
foi assim que ele conduziu o partido durante o seu 9º Congresso: conjugando o
estudo e a produção teórica com a construção orgânica do Partido e relações
amplas com as forças progressistas.
O Contexto Histórico do 9º
Congresso
Realizado
em 1997, o 9º Congresso estava inserido no âmbito da resistência à implantação
do Neoliberalismo no Brasil pelo presidente Fernando Collor a partir de 1990,
que adotou uma agressiva política de privatizações de empresas estatais e
abertura da economia brasileira ao capital estrangeiro, principalmente através
do comércio, com a entrada em grande escala de produtos estrangeiros que passaram
a inundar o mercado interno em detrimento do capital nacional. Collor também
iniciou um movimento histórico que conduziu o Brasil para a revisão e
flexibilização dos direitos trabalhistas. Se o tempo de vida de Collor à frente
da presidência foi curto, encerrado em
1992 por conta dos escândalos de corrupção que levaram ao seu impeachment, as
medidas neoliberais prosseguiram nos anos seguintes, especialmente nos dois
mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Apenas a título
de ilustração, entre 1991 e 2002, cento e sessenta e cinco empresas estatais
foram privatizadas, incluindo empresas de caráter estratégico para o
desenvolvimento nacional, como a USIMINAS, CIA Vale do Rio Doce, e a CIA
Siderúrgica Nacional.
O
Neoliberalismo não era um fenômeno brasileiro, mas o resultado de um amplo
movimento do grande capital internacional, capitaneado inicialmente pela
Inglaterra no final dos anos 70, liderada por Margareth Thatcher, seguida
imediatamente pelos EUA durante a administração do presidente Republicano,
Ronald Reagan. O “modelo neoliberal” foi exportado para boa parte do mundo e
ganhou enorme força a partir do colapso da União Soviética e do Bloco
Socialista por ela liderado, entre 1989 e 1991.
Estabeleceu-se então o que se convencionou chamar de “Consenso de
Washington”: um amplo movimento político e econômico que conduziu boa parte do
mundo – e o Brasil – para a fase de ultra financeirização do capitalismo, com
ampla liberdade de circulação dos capitais, destruição de direitos sociais e
trabalhistas nas nações e diminuição acentuada das suas soberanias, colocadas
abaixo dos interesses dos grandes capitais privados, especialmente dos EUA e da
Europa, utilizando-se amplamente da propagação da “Ideologia da Globalização”.
Aquele
contexto, por óbvio, era adverso ao povo, ao proletariado das nações, mas era
também muito adverso ao próprio movimento comunista, enfraquecido pelo fim da
URSS e da perspectiva Socialista. Não à toa, o PCdoB caracterizava aquela fase
como sendo de “Defensiva Estratégica”.
Ao mesmo tempo, apontava que o mundo caminhava para uma intensa crise
prolongada, conforme afirmava o Documento de Resolução Política do 9º
Congresso: “O neoliberalismo constitui uma ofensiva reacionária e brutal do
imperialismo contra os povos. Em todo o mundo assiste-se a generalizada
degradação da vida humana....” e, mais à frente, “No limiar do 3º milênio a
humanidade está a braços com inaudita crise de civilização.”
As Contribuições de João Amazonas
para o debate teórico e o enfrentamento ao Neoliberalismo no âmbito do 9º
Congresso
Imensa
foi a contribuição de João Amazonas para o debate interno no Partido e no
diálogo com as forças de oposição ao neoliberalismo no Brasil. Uma das
principais características do seu
pensamento, expresso em notas iniciais de estudo e na elaboração do texto
“Havemos de vencer, venceremos!” incluso nos documentos oficiais do Congresso,
é a agudeza no desenvolvimento da análise materialista e dialética do
desenvolvimento do capitalismo, sobre as lutas travadas pelo movimento operário
e comunista contra ele bem como sobre a forma neoliberal predominante no mundo
nos anos 90 (e porque não dizer, hoje!). Ao tratar das lutas entre o
capitalismo e o socialismo, afirmou:
“Esta
batalha já vem de longe. E não terminará tão cedo. O capitalismo já passou por
várias fases. Nas décadas finais do século XIX viveu a época da livre
concorrência que marca o apogeu do capitalismo florescente. Em fins do século
passado e início do atual surge a fase do monopólio, da oligarquia financeira,
do imperialismo. Lênin chamava: etapa superior e última do capitalismo. Esta
etapa já dura um século. Nela ocorrem mudanças significativas. O capitalismo
continuou se desenvolvendo. E agravaram-se ao extremo as contradições geradas
por esse sistema. Atualmente, o
capitalismo vive uma fase de certa estagnação, apesar da chamada revolução
tecnológica. Cai sempre mais a taxa média de lucro, consequência da disparidade
entre o capital constante e o capital variável. O crescimento do capitalismo
nos países desenvolvidos não passa de 2% a 2,5%, com tendência a baixar ainda
mais.”
No
cenário apresentado por Amazonas, a solução encontrada pela classe dominante
capitalista ganhava forma no Neoliberalismo, conforme suas palavras: “É assim que surge o neoliberalismo, a
grande ofensiva do capital contra os trabalhadores e os povos. Visa aumentar a
taxa de mais-valia, liquidar direitos sociais dos trabalhadores e intensificar
a espoliação dos povos. Sob o pretexto da globalização, procura eliminar as
fronteiras nacionais dos países menos desenvolvidos.
Pondo
seus olhos e o pensamento sobre o Brasil, Amazonas refletia de modo agudo sobre
o desmonte neoliberal em curso, ligando de modo claro e objetivo a profunda ligação entre os interesses do
imperialismo e a implantação do neoliberalismo em nosso solo. São diversos
trechos de contundente denúncia:
“À frente da luta
pela conquista da hegemonia mundial estão os imperialistas dos Estados Unidos.
O imperialismo norte-americano é, hoje, o principal inimigo dos povos”....”Quer
dominar o mundo, submeter todos os povos à dominação estadunidense. Usa todas
as armas, faz intensa pressão econômica e política sob os países menos
desenvolvidos.”
“O Brasil está na
mira agressiva do imperialismo norte-americano. Por estes dias, Clinton¹ visita
nosso país. Trouxe uma comitiva descomunal de mais de mil pessoas. Antes de sua
chegada, distribuiu nota oficial intervindo em assuntos internos do Brasil. Que
pretende o presidente americano? Impor ao Brasil a ALCA (Aliança de Livre Comércio
das Américas), o que significa maior subordinação aos Estados Unidos. Volta-se
contra o Mercosul que visa à integração econômicas de países do sul do
continente.”
“Portanto deve-se
ter bem presente que o inimigo principal do nosso povo e dos povos do mundo é o
imperialismo norte-americano.”
Nas suas
reflexões, Amazonas chamava também especial atenção para um conjunto de
projetos políticos falaciosos, fantasiosos, que apresentavam a possibilidade de
uma suposta reforma humanística para o capitalismo, com as quais ninguém
deveria se iludir:
“Surgem também os
que, obrigados a reconhecer os males causados pelo regime vigente querem
consertá-lo. Falam de capitalismo selvagem, perverso, desumano, como se isso
fosse apenas um lado podre do capitalismo e não o próprio capitalismo.”
“O economista
norte-americano Lester Thurow² sugere a criação de um capitalismo sem capital
financeiro e Fernando Henrique Cardoso propõe o capitalismo social. Tais
proposições não passam de aberração linguística. O capitalismo não tem
conserto, é impossível humanizá-lo sendo a sua essência a exploração feroz do
homem pelo homem.”
Extremamente
ricas e fundamentais para a ação política do PCdoB nos anos subsequentes ao 9º
Congresso foram as formulações táticas traçadas por João Amazonas. Com elas, os
comunistas passaram a desenvolver um amplo processo de lutas políticas em
articulação com as forças vivas da nação que se opunham ao desmonte neoliberal,
a partir da detecção das principais forças que o sustentavam. Sempre utilizando
o poderoso instrumento do materialismo histórico e dialético para analisar o
quadro geral e as tendências em curso, ele assinalou:
“Banqueiros,
latifundiários e boa parte da burguesia sustentam as posições do imperialismo
norte-americano, associam-se ao projeto neoliberal. A oposição ao
neoliberalismo e ao seu representante no governo, FHC, é constituída
genericamente pelos trabalhadores da cidade e do campo, pela pequena e média
burguesia, por setores liberais, pela juventude estudantil. Em termos políticos
é formada, fundamentalmente, pelos partidos de esquerda e setores democráticos
de partidos como o PMDB.”
“Sem dúvida, a
correlação de forças políticas, na
atualidade, é bastante desfavorável ao setor democrático e progressista. Poderá
mudar? Sim, se despertam e organizam as grandes massas do povo para a luta
contra o neoliberalismo, por suas reivindicações mais sentidas, ao mesmo tempo
que se consolida a união das forças de esquerda e democráticas. A tática do
Partido deve responder a esse desafio. E aqui se situa um problema teórico e
político da maior importância: o papel da tática no processo de transformação
revolucionária. Essa transformação não se concretiza numa única batalha, nem
ignorando o nível de consciência das massas.”
“Temos pela frente um
inimigo poderoso e não contamos ainda com a força necessária para derrotá-lo.
Mesmo a união da esquerda apresenta-se frágil. É nossa tarefa fundamental
forjar na luta essa força necessária. E isso não se conseguirá se ignorarmos o
nível de organização e de consciência das grandes massas.”
“Justa, portanto, a
orientação do documento político quando assinala que se impõe a criação de uma
ampla frente política contra o neoliberalismo e Fernando Henrique Cardoso,
tendo como núcleo a união da esquerda. Certamente esse objetivo envolve a luta
de massas, de grandes massas por suas reivindicações.”
“Na realização
dessas tarefas, é bom ter presente o perigo do esquerdismo, que leva ao
isolamento. A esquerda não deve se isolar com pregações doutrinárias abstratas
e marcha em linha reta, ignorando a realidade.”
As
análises de Amazonas, a profundidade das suas reflexões sobre a realidade
mundial e do Brasil, as lições extraídas da sua longa trajetória como dirigente
comunista, das vitórias e revezes das lutas socialistas do século XX, à luz da
teoria marxista-leninista, foram essenciais para que o PCdoB se movimentasse
para a construção da “ampla frente política contra o neoliberalismo”. O que,
evidentemente não era fácil naquele contexto. Em 1998, nova eleição presidencial
deu vitória ao presidente FHC que governou o Brasil até 2002 dando continuidade
à implantação do neoliberalismo, ao mesmo tempo em que se explicitavam aos
olhos do povo as mazelas aprofundadas pelas privatizações, desnacionalização da
economia e explosão do desemprego e pobreza.
Amazonas,
com a saúde fragilizada pela idade, conduziu a transição da presidência do
Partido que foi assumida por Renato Rabelo por ocasião do 10º Congresso
realizado em 2001 e ainda participaria do 11º Congresso realizado em 2001, na
condição de Presidente de Honra do PCdoB. Naqueles Congressos, o Partido
reafirmou a tática e as linhas gerais aprovadas no congresso de 97, no sentido
do enfrentamento ao neoliberalismo. Em Maio de 2002, aos 90 anos, João nos
deixou, mas seu rico exemplo militante, suas profundas reflexões sobre o mundo,
o Brasil, o movimento comunista e sobre a construção do PCdoB seguirão
cumprindo enorme papel no desenvolvimento do nosso pensamento tático e
estratégico e na nossa ação política.
Revisitando
o contexto, suas anotações pessoais, suas ideias publicadas, em especial por ocasião do 9º Congresso, e sua
longa trajetória como militante comunista, ficam duas perguntas : olhando o
quadro político atual, internacional e nacional, no qual o Brasil é governado
por um presidente assumidamente reacionário, defensor da ditadura militar,
negacionista, que busca atrelar ainda mais o país aos ditames do imperialismo, que assumiu para si a proposta de
aprofundamento do neoliberalismo através da privatização de tudo e do total
desmonte da legislação trabalhista e do aparato de proteção social conquistado
pelo povo através de lutas duríssimas, quão atuais aquelas ideias são? Quão atual segue a permanente ação de Amazonas
no sentido de reforçar o Partido na sua estruturação orgânica e no seu
desenvolvimento teórico-ideológico, se firmando e reafirmando como força
revolucionária, socialista, transformadora? Nos que nos cabe responder, afirmamos:
são absolutamente atuais! João Amazonas segue presente!
Altair
Freitas – Historiador, Secretário Executivo da Escola Nacional João Amazonas,
Secretário de Organização do PCdoB da cidade de São Paulo; Pedro de Oliveira –
Jornalista, membro da diretoria da Fundação Mauricio Grabois, Secretário de
Formação do Comitê Estadual do PCdoB-PE
Notas
1)
Bill
Clinton – presidente dos EUA entre 1993 e 200.
2)
Lester
Thurow – economista do Massachusetts
Institute of Technology. A frase foi extraída do seu livro “O futuro do
capitalismo: como as forças econômicas de hoje moldam o mundo de amanhã.
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