Estapafúrdio produzido por Bolsonaro e apoiado por generais tem a ver com intenções definidas
Intenções
inconfessas que enlaçam as atitudes do presidente têm corrido sem dificuldade
Janio
de Freitas, Folha de S. Paulo
A incógnita
mais expressiva, dentre as muitas atuais, é simples como formulação e
inalcançável na resposta. Dado que estão explicitados os indícios de golpismo e
a incompetência espetaculosa
dos militares no governo, o que fará o Exército na possível
transformação da pandemia em tragédia de massa, um país sufocado pela peste,
carente de tudo menos de morte?
A marca de um
ano exato do primeiro caso de Covid-19 no Brasil encontrou os estados em
desespero com o recorde de casos e a ausência de leitos, vacinas, pessoal e
outros recursos. Uma antevisão das previsões e alertas que as vozes mais
competentes estão fazendo, inclusive a Organização Mundial da Saúde, caso
persista o incentivo de Bolsonaro e do seu governo à calamidade.
O já célebre
depoimento do general Eduardo Villas Bôas sobre a ameaça que fez ao
Supremo, em nome do Exército, é claro na desmistificação da
conversão desses militares ao Estado constitucional de Direito e à democracia.
Ressalva a fazer-se é a ausência até
de mera informação aos comandos da Marinha e da FAB sobre a ameaça, como dito
pelo entrevistado. Risco de discordância, é claro. E isso, não sendo certeza,
pode ser indício de promissora evolução na Marinha e na FAB, oficialidades
muito mais dotadas de preparo geral, para civilizar-se, do que no Exército.
Já é bem
difundida a impressão, ou a convicção, de que todo o estapafúrdio produzido por
Bolsonaro e apoiado pelos generais tem a ver com intenções definidas. Há
bastante coerência nos atos amalucados, que são bem aceitos pelos generais
também por uma comunhão não declarada nem gratuita.
A
propaganda do falso tratamento com cloroquina cedo se mostrou como objetivo.
Não só para desacreditar as recomendações científicas. Também para ações de governo que
custaram milhões ao dinheiro público —e aí estava o Exército a
fabricar quantidades montanhosas da droga enganadora.
O próprio Ministério da Saúde, o mais militarizado setor civil da administração
pública, foi posto como indutor da droga ineficaz. Bolsonaro continua
condenando as máscaras e estimulando aglomerações. E, sobre
tudo o mais, a sabotagem a vacinas excedeu a incompetência. É muito mais e
muito pior.
Por trás disso
houve e há algo. Esse desatino não resistiria, para chegar à dimensão que
alcançou, sem um propósito a sustentá-lo.
Não faz
sentido o envolvimento, sem motivações especiais, de um governante em
propaganda de remédio e em combate ao conhecimento científico provado e
comprovado. Com esse meio de disseminar a morte, porém, combina-se um outro de
fim idêntico.
No seu
primeiro ato pela difusão da posse de arma, Bolsonaro alegou direito da
cidadania de se defender. Sucessivos agravamentos dessa facilitação à
criminalidade chegaram, agora, ao desmentido definitivo do propósito
apresentado por Bolsonaro: novos decretos permitem até 15 armas para o cidadão
comum, 30 armas para quem se apresente como caçador, 60 armas para quem se
registre como atirador, munição a granel. Arsenais sem relação alguma com
defesa pessoal. Mas não sem objetivo de quem os libera e dos militares, em
especial do Exército, que dão o apoio.
As intenções
inconfessas que enlaçam as atitudes de Bolsonaro, em temas como a pandemia e o
armamento de civis, têm corrido sem dificuldade. Mas alguma coisa mudou nas
últimas semanas. O Supremo mudou. Por quanto tempo e se para ser supremo sem
temor e sem prazo, no momento, importa menos. Aproveite-se enquanto dure, que a
necessidade do país é extrema.
Quando quatro ministros do
STF decidiram trabalhar nas férias de dezembro e janeiro, a boa
novidade foi noticiada como precaução contra propensões do recém-eleito
presidente Luiz Fux. Revelou-se muito mais do que isso.
De Ricardo
Lewandowski vieram, e continuam vindo, decisões que enfrentam desvios na
política antivacinas do governo, o mesmo quanto às mais recentes revelações de
ordinarices judiciais, políticas e policiais na Lava Jato, e outras de mesmo
peso.
Alexandre de
Moraes encarou, e não tem cedido nem milímetros, as ameaças ao Supremo, as
patifarias nas redes, os indícios que recaem na Presidência da República.
Rosa Weber deu
ao governo cinco dias, expirados ontem, para justificar o pacote das armas. Edson Fachin tomou a defesa
verbal do Estado de Direito. E vai o Supremo por aí, ou parte dele,
mudado, posto de pé e cabeça erguida.
Os negociantes
do Congresso continuam negociando. O poder econômico, idem. Se a defesa da
democracia não vier do Supremo, talvez só tenhamos resposta para a incógnita de
Bolsonaro sob a forma de fato consumado. E a pandemia, como se agrava aqui,
facilita.
Veja:
Imunidade parlamentar pra quê? https://bit.ly/2ZHFqJV
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