Renitente pontinho branco
Luciano
Siqueira
Confesso
minha incompetência como faxineiro – eu que, dramaticamente, entrei para essa
categoria profissional desde o início do isolamento social e devo nela
permanecer daqui por diante.
Não enxergo
detalhes: uma plumagem aqui, um rastro de pó ali, uma mancha... E quando
enxergo, frequentemente travo uma batalha difícil de vencer.
É o que
aconteceu há uma semana. Decidido a uma limpeza “completa e exemplar” do
banheiro, fui à luta firme e paciente.
- Hoje não
ficará nenhum resquício de sujeira!
Eis que no
vidro do box divisei um pontinho branco, na dimensão de uma cabeça de alfinete.
Ataquei-o de
pronto com a esponja úmida, sem sucesso.
Voltei ao
ataque, agora com a esponja embebida em detergente. Resistiu.
Aumentei meu
arsenal: agora, a esponja embebida com água e detergente e pasta dental, que
Luci orienta como apta a remover toda e qualquer sujeira em vidro.
Esfreguei
implacável.
O danado
resistiu.
- A essa
altura da vida, não posso me deixar vencer por um minúsculo ponto branco
impregnado na superfície do box!
Juro que me
mirei em Santiago, o experiente e destemido pescador de “O velho e o mar”, de
Ernest Hemingway.
- O peixe
tinha vida, força e tarimba no enfrentamento do animal humano predador, pensei.
Ora parecia se deixar fisgar, ora retomava a resistência com impressionante heroísmo.
O pontinho
branco seria o quê?
Tinta, não.
Não há registro de pintura no banheiro há mais de 6 anos.
Afinal, como
chegou a li e se fixou impávido e resistente?
- Jamais
saberei de que matéria é feito nem o porquê da sua índole renitente. Farei uma
última tentativa antes de entregar os pontos, se for o caso, e me declarar
vencido.
Voltei ao
ataque agora com um chumaço de algodão embebido em água sanitária.
Contei 5
minutos.
Retornei com
a dita esponja com água, detergente e pasta dental.
Agora, sim!
Consegui afinal remover o estranho pontinho, agora diluído na esponja,
invisível.
Tanto quanto
o fato fortuito, detalhes – como esse pontinho branco – se interpõem às nossas
intenções. Na vida, no amor, na ciência, na luta política e na limpeza
doméstica.
Lutando e
aprendendo.
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