22 abril 2021

Crise global e transição

A incidência da situação internacional nos Estados nacionais

Pedro de Oliveira, no Blog do Renato

 

Um grande equívoco que se poderia cometer ao analisar a situação política, social, econômica e militar do Brasil – seria não contextualizar o cenário nacional no mundo em que vivemos.

A irrupção da pandemia do coronavírus, a covid 19, é um exemplo dessa acertiva – outras epidemias ocorreram na história com as consequências trágicas da gripe espanhola, do HIV e da gripe aviária, do vírus Ebola na África e tantos outros fenômenos sanitários, que incidiram fortemente em todos os países do Planeta.

Podemos comparar esta pandemia do coronavírus a outras grandes tragédias que impactaram o mundo — como a Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918 de caráter global, mas centrada na Europa); a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945, com abrangência internacional nos 4 continentes); O processo de colonização e descolonização mundial (abarcando a Ásia, África e América Latina); e, agora, essa pandemia do coronavírus, que já produziu mais de 3 milhões de mortos.

Os extraordinários êxitos de países como a República Popular da China — inclusive como principal parceira comercial do Brasil e no combate à pandemia, por nos ajudar a produzir a vacina coronaVac — e também os exemplos de outros países socialistas como o Vietnã e Cuba, souberam enfrentar com organização e apoio popular o avanço da pandemia em seus respectivos territórios. Nos aproximamos dos 400 mil mortos pela Covid no Brasil – com a contribuição abjeta do governo de Bolsonaro por ausência de coordenação e o negacionismo – questões que agora serão analisadas pela CPI instalada no Senado Federal para verificar responsabilidades.

As contradições fundamentais e as contradições principais

As contradições fundamentais que movem o mundo de hoje continuam sendo, entretanto, a contradição entre o Capital e o Trabalho gerador de riquezas, e as contradições principais se destacam operando em todos os continentes, na luta contra o neocolonialismo, para superar as dificuldades dos povos em desenvolvimento por seus respectivos projetos nacionais.

Placas tectônicas se moveram com a recente posse de Joe Biden como presidente dos EUA e a derrota de Donald Trump na principal potência hegemônica. Os Estados Unidos, desde a transição de Obama para Trump, abandonaram a ideia cunhada por Henry Kissinger da importância para os EUA de manter divididas as grandes potências da Eurásia – China e Rússia – para assegurar a hegemonia em declínio do império norte-americano. Biden, numa mesma semana, atacou publicamente como nunca a pessoa de Vladimir Putin e o presidente da China, Xi Jinping, chamando o primeiro de “assassino” e o segundo de não ter em seu corpo nenhum osso “democrático”.

Biden foi grosseiro com Putin em uma entrevista coletiva e arrogante e agressivo com os delegados chineses em Anchorage, no Alaska. Hoje, o principal sistema de intimidação e pressão de Washington são pesadas sansões econômicas e diplomáticas aos países do mundo, que ousam não cumprir suas determinações unilaterais. Enquanto isso, os chineses mantêm relações comerciais vantajosas com mais de 140 países, enquanto o mesmo tipo de relações comerciais exercido pelos EUA não passa de 60 nações.

A trajetória estadunidense de intervencionismo

Desde o colapso da União Soviética, a partir do final da década de 80, os Estados Unidos invadiram o Iraque (1991); a Somália (1993); a Iugoslávia (1995); o Afeganistão e o Sudão (1998); a Iugoslávia novamente (1999); o Afeganistão mais uma vez (2001) que se transformou na guerra mais prolongada que os EUA manteve em sua história, com a promessa de Biden de retirar seus soldados este ano até o dia 11 de setembro; o Iraque outra vez (2003): o Paquistão, o Iêmen e a Somália de novo (2002); a Líbia (2011) — não podemos esquecer que esta intervenção foi comandada pela França, Inglaterra e os EUA de Barack Obama (este a partir do Rio de Janeiro, no Brasil, quando visitava o nosso país); e a Síria (2014). A primeira intervenção armada de Biden foi exatamente na Síria num ataque aéreo que matou 17 pessoas.

Por ocasião da lembrança, em primeiro de abril, do Golpe militar de 1964 no Brasil, tivemos a oportunidade de rever o documentário dirigido pelo jornalista Flávio Tavares, mostrando com detalhes o passo a passo da intervenção americana a partir do salão oval da Casa Branca – na época liderada por John Kennedy em Washington — e da embaixada dos EUA no Rio de Janeiro. Da mesma forma, recentemente, pudemos ler a reportagem publicada no jornal francês Le Monde revelando também como agiu o establishment americano no apoio logístico e jurídico ao ex-Juiz Sérgio Moro na condenação e prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, com o objetivo de retirá-lo das eleições presidenciais de 2018.

Estes dois casos não foram os únicos capitaneados pelos serviços de informação e do Departamento de Estado dos EUA na América Latina. Golpes foram perpetrados e articulados pelas forças policiais e militares estadunidenses no Paraguai, na Bolívia e em Honduras. Assistimos todos os tipos de invasão, guerras de contra insurgência, grupos paramilitares, constituição de Estados de terror contra as populações centro-americanas e ações punitivas a massas desesperadas de imigrantes nas fronteiras dos EUA com o México especialmente.

As ameaças atuais do imperialismo dos EUA

A potência hegemônica retoma — com a posse de Joe Biden — o ritmo de intervencionismo que havia sido regra antes da eleição de Trump em 2016. Os EUA têm ameaçado a Índia sob a presidência de Modi para que reverta a compra de mísseis russos S-400. Pretendem rever o acordo internacional estabelecido na era Obama com o Irã mesmo mantendo as sanções atuais e obrigar o grande país persa a romper os acordos assinados com a China que abrem caminho para a Rota da Seda, e que vai unir a China ao continente europeu. Promovem manobras militares marítimas para o cerco da China em seu próprio Mar litorâneo. Ameaçam a República Popular Democrática da Coréia com outras manobras navais. Suspendem a retirada de tropas da Síria onde ocupam ilegalmente poços de petróleo, provocando bombardeios regulares de apoio a tropas jihadistas. Estão organizando todo tipo de intervenção contra a Venezuela através de tropas irregulares, paramilitares, narcotraficantes e delinquentes armados com a colaboração do Exército colombiano na fronteira dos dois países.

O mais grave e perigoso movimento do Império, entretanto, é a escalada militar da OTAN tendo como base a Ucrânia com consequências imprevisíveis. O Exército ucraniano, com o apoio dos EUA, ameaça retomar a Criméia que decidiu por mais de 90% dos votos, em um plebiscito recente, se unir à Federação Russa. Ameaçam também fustigar com foguetes a região de Donbass para atacar as Repúblicas Populares de Donetski e Lugansk. Os EUA estão abastecendo com armas a Ucrânia ao mesmo tempo em que mobiliza aparatos militares de combate naquela região.

Trata-se de um perigo iminente de uma guerra aberta que pode afetar toda a Europa, já que a Rússia demonstra ter superioridade bélica frente as forças da OTAN.

A China, ao contrário dos EUA, propõe paz e cooperação

O presidente da China, Xi Jinping, em 25 de janeiro último, em Davos, propôs 4 ações internacionais para reverter a situação da crise múltipla por que passa o mundo: 1) A primeira, é intensificar a coordenação da política macroeconômica e, em conjunto, promover o crescimento forte, sustentável, equilibrado e inclusivo da economia mundial. 2) A segunda, é abandonar o preconceito ideológico e, em conjunto, seguir um caminho de coexistência pacífica, benefício mútuo e cooperação ganha-ganha. 3) A terceira, é eliminar a divisão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e, em conjunto, gerar crescimento e prosperidade para todos. 4) A quarta, é unir os povos contra os desafios globais e, juntos, criar um futuro melhor para a humanidade.

Ou seja, outra abordagem. Os EUA propõem sanções, intervenções militares, guerras assimétricas, manobras militares terrestres e navais, ameaças nucleares. A China propõe a cooperação, as trocas entre os países na base do ganha-ganha, os investimentos em infraestrutura e o multilateralismo.
O fato é que as forças anti-imperialistas procuram tomar suas providências para tentar impedir que as ações do Império frutifiquem. Logo no dia seguinte àquela tragédia diplomática patrocinada pelos dirigentes do Departamento de Estado americano no Alaska, o principal ministro de relações exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, e o ministro de relações exteriores da China, Wang Yi, com toda a pompa e circunstância firmaram um acordo histórico de aliança estratégica que envolve inclusive a constituição de um novo sistema alternativo ao SWIFT de transações monetárias internacionais que é baseado no dólar americano.

Outra importante reunião ocorreu entre os chineses e o Irã para firmar eixo estratégico de 25 anos de investimentos chineses no Irã, envolvendo 500 bilhões de dólares e a construção de 250 fábricas e uma malha de trens velozes. O Acordo da União europeia com a China com base no projeto da nova Rota da Seda já está pronto para ratificação de seus respectivos parlamentos nacionais. A China também já colocou em prática uma parceria de construção civil gigantesca com o Egito, com a construção de uma nova cidade nas cercanias do Cairo, a capital do país. É um projeto de bilhões de dólares que fortalecerá o país árabe numa região estratégica da navegação mundial. É só ver o prejuízo causado pelo navio de transporte Ever Given, no Canal de Suez.

Na verdade, hoje o eixo estratégico China—Rússia se transformou no principal polo anti hegemônico contra o imperialismo dos EUA. Os diplomatas chineses foram firmes no Brasil — apesar dos ataques perpetrados pelo setor ideológico do governo bolsonarista. Atualmente, os chineses estão retomando as articulações para dar continuidade ao acordo estratégico anterior. Garantiram a participação da HUAWEI no leilão 5G que ocorrerá este ano e se preparam para novos investimentos em infraestrutura no país.

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Veja: Um governante sob fogo cruzado https://bit.ly/3xacpGr

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