20 abril 2021

Vida digitalizada


 Era dos likes

José Luís Simões*

 

No livro “Era dos Extremos - O Breve Século XX”, o renomado historiador marxista Eric Hobsbawm disseca os principais fatos históricos que marcaram o século XX. O título “Era dos Extremos” não é por acaso. Ora, o século XX foi marcado por guerras mundiais, genocídios, crises econômicas, ditaduras sanguinárias, a pandemia da gripe espanhola e outras epidemias, a chegada do homem à lua, o grande avanço da ciência, da tecnologia e das comunicações como nunca se viu antes. Sim, os extremos de bem e mal no bojo da civilização, na angústia humana entre “Ser” e “Ter” estruturam o enredo histórico do século XX. O sistema capitalista e as relações sociais voláteis também se consolidam.  

Agora, tenho a ousadia de apresentar uma breve reflexão sobre as primeiras duas décadas do século XXI, que prefiro definir como “Era dos Likes”. A influência da internet e das redes sociais marcam a ferro e fogo esse início do século XXI. Qualquer internauta pode alcançar fama ou sucesso pessoal e financeiro se conseguir acumular grande quantidade de seguidores ou “likes”. A disputa pela audiência na internet é mais do que uma disputa de opinião, é uma corrida frenética e desmesurada por mais cliques, acessos, prestígio nas redes sociais e consequente reconhecimento, nem que seja por pouco tempo.

Há uma sanha na busca dos 15 minutos de fama. O sistema capitalista cibernético fomenta esse movimento, que ceifa a reflexão e, às vezes, descarta a ética e o bom senso. Que tem mais likes, mais seguidores e audiência parece ter mais verdades sobre os destinos do mundo, carrega a responsabilidade e o direito de ditar o comportamento e o pensamento de milhões de pessoas, que repercutem imagens, mensagens e vídeos, na maioria das vezes, sem verificar as fontes e sua fidedignidade. As pessoas compartilham e repercutem porque está na moda, e assim justifica a adesão às verdades líquidas, voláteis, que não duram sequer 24 horas.

A Era dos Likes também pode ser percebida como a era da ignorância, do negacionismo e do desprezo à ciência, à erudição e ao conhecimento. A perda da importância social dos livros, paralelo à sobrevalorização do quantitativo de seguidores nas redes sociais, é um fenômeno do momento que o mundo vive, do tempo que o Brasil experimenta e agoniza. Jair Bolsonaro não tem bom senso nem razão nos debates (não está preocupado em ter razoabilidade), mas ele tem seguidores e likes, e isso é o que importa na sociedade de relações estéreis, pessoas ricas em “verdades”, mas pobres em conhecimento.

Entretanto, temos que reagir. A chama do bom senso e da busca da sabedoria não pode se apagar. Historicamente, o amor e a sabedoria sempre venceram o ódio e o obscurantismo. A Era dos Likes estimula a confusão, quer a ruptura com a serenidade e a temperança. A Era dos Likes fortalece o sistema capitalista, que não tem preocupação com o conteúdo de ideias compartilhadas, mas apenas no lucro ou possibilidade de tirar alguma vantagem.

Quem cultiva a sabedoria não precisa de aplausos, seguidores ou likes. Há de chegar a “Era da Sabedoria e do Humanismo”. Vamos trabalhar para um novo tempo, um tempo em que todas as pessoas tenham acesso ao conhecimento e à educação, e assim serão respeitadas, protegidas e lutarão por dignidade, respeito e justiça social.      

* Zé Luís Simões, professor do Centro de Educação/UFPE        

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