GOVERNO IGNORA STF E EXECUTA ORÇAMENTO SECRETO
Dados do Tesouro Nacional mostram
liberação de emendas de relator mesmo após o Supremo mandar suspender despesas
Marta Salomon, revista PIAUÍ
O governo federal seguiu
liberando verba para as polêmicas emendas de relator – o chamado orçamento
secreto – mesmo depois da ordem da ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa
Weber mandando suspender a execução desse tipo de despesa de forma imediata e integral.
Dados do Tesouro Nacional a que a piauí teve
acesso mostram que o Ministério do Desenvolvimento Regional avançou no processo
de liberação de gastos de 5,4 milhões de reais no último dia 8, destinando
verbas para a compra de pás carregadeiras, motoniveladoras e escavadeiras para
municípios de dez estados diferentes.
“Causa perplexidade a
descoberta de que parcela significativa do Orçamento da União Federal esteja
sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária
entabulada entre coalizões políticas”, escreveu Weber no final da tarde da
sexta-feira, dia 5. A ministra atendeu ao pedido de três partidos (Cidadania,
PSB e Psol), que alegaram a existência de um esquema para aumentar a base
política.
Nos dias que antecederam a
votação da proposta de emenda constitucional que autoriza o governo a gastar
mais em ano eleitoral, a chamada PEC dos Precatórios, o governo empenhou 1,3
bilhão de gastos com as tais emendas de relator. O empenho é o primeiro passo
da execução do Orçamento, quando há um compromisso de gasto. Antes do
desembolso efetivo do dinheiro, a despesa passa por uma outra fase, a
liquidação. Foi essa segunda fase que avançou depois da ordem de Rosa Weber.
Diferentemente das emendas individuais, em que todos os parlamentares têm
direito ao mesmo valor e cada um deles é identificado, as emendas de relator
privilegiam deputados e senadores aliados do governo, que não têm seus nomes
identificados nos documentos oficiais do Tesouro Nacional, daí serem chamadas
de orçamento secreto.
As
emendas liquidadas na segunda-feira, dia 8, tratam da compra de equipamentos
destinados à terraplanagem, pavimentação e construção em uma única empresa, com
sede em Pouso Alegre, em Minas Gerais. A XCMG Brasil Indústria Ltda recebeu dos
cofres públicos neste ano 163 milhões de reais. Na segunda-feira, foram
sinalizados pagamentos de mais 5,3 milhões para a empresa.
Os documentos do Tesouro
Nacional não identificam os municípios beneficiários, mas informam que os
equipamentos se destinam a municípios de baixa e média renda de dez estados
diferentes, de Norte a Sul do país: Pará, Rondônia, Ceará, Pernambuco, Goiás,
Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.
Até a noite desta
terça-feira, a decisão preliminar de Rosa Weber já tinha o apoio de outros
cinco ministros do STF contrários à liberação de dinheiro público via emendas
do orçamento secreto. Formou-se a maioria contra esse tipo de gasto. Na tarde
deste quarta, a votação foi encerrada, e o placar ficou em 8 a 2 mandando
suspender a execução das emendas de relator.
Em nota, o Tesouro
Nacional informou que aguarda uma decisão final do Supremo para definir se as
emendas já empenhadas terão o pagamento suspenso. Neste ano, o governo assumiu
o compromisso de gastos de pouco mais da metade dos 16,5 bilhões de emendas de
relator do Orçamento, o que equivale a 9,3 bilhões de reais. Desse total, 3,8
bilhões avançaram para a fase seguinte de execução de gastos, a chamada
liquidação da despesa. O STF pode proibir o pagamento de todas as emendas que
ainda não tiveram o dinheiro desembolsado.
Sobre a liquidação de
emendas de relator no dia 8, o Tesouro Nacional informou que a execução da
despesa é feita de forma descentralizada pelo governo e seria, portanto, de
responsabilidade dos ministérios. “Embora o sistema de pagamento seja o Siafi,
que é gerido pelo Tesouro, a execução é toda descentralizada”, afirmou a
Secretaria Especial do Tesouro e Orçamento.
Responsável pela maior
parte das liquidações de gastos registradas no dia 8, o Ministério do
Desenvolvimento Regional insistiu em que não descumpriu a decisão do STF. Em
nota, o ministério só tratou do pagamento de parte das emendas que teria
liberado ainda em 5 de novembro, relativos a contratos com a Caixa Econômica
Federal, num valor bem inferior aos registrados pelo Tesouro Nacional. “Este
Ministério assegura que está tomando todas as providências para o estrito
cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)”, informou. A piauí insistiu
sobre os dados registrados pelo Tesouro, mas não obteve resposta.
Na nota, o ministério não
trata de despesas liquidadas e afirma que não haveria impedimento para o
pagamento de emendas de relator empenhadas em 2020, até ordem em contrário. Do
conjunto de 19,7 bilhões de rquede emendas parlamentares empenhadas no
orçamento de 2020, restava pendente o pagamento até ontem de 12,7 bilhões de
reais.
Além das despesas
liquidadas, o sistema do Tesouro Nacional registrou na segunda-feira, dia 8, o
pagamento de 11,5 milhões de emendas de relator referentes aos orçamentos de
2020 e 2021. Os maiores pagamentos também foram lançados pelo Ministério do
Desenvolvimento Regional. O maior deles, no valor de 2,9 milhões de reais, foi
para a pavimentação de ruas no município de Cipó, na Bahia. O outro pagamento
foi para a compra de caminhões da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos
Vales do São Francisco e do Parnaíba).
Os ministérios da Saúde e
do Desenvolvimento Regional reúnem a maior parcela de gastos das emendas de
relator, as mais caras no conjunto de emendas a que deputados e senadores têm
direito no Orçamento. Em 2021, o governo foi autorizado a gastar 33,8 bilhões
de reais em emendas de relator, individuais e de bancada, quase o valor
destinado ao Bolsa Família. No caso das emendas individuais, cada deputado e
senador tem direito a uma cota de 16,3 milhões de reais para destinar dinheiro
público a projetos de seu interesse.
*Depois da publicação
desta reportagem, novos dados do Tesouro Nacional mostraram a liquidação de
mais emendas de relator na terça-feira, dia 9, no valor de 774,6 mil reais. O
Ministério do Desenvolvimento Regional cancelou as liquidações de três emendas
de maior valor feitas na véspera, contrariando ordem do STF. Não foram
registrados novos pagamentos de emendas do relator.
.
Veja: Um apego compulsivo a conflitos incontornáveis https://bit.ly/3E1XhhF
Nenhum comentário:
Postar um comentário