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Encontro
casual no supermercado. Sujeito alto, corpo ligeiramente encurvado, cabelos
brancos ralos, sorriso fácil. - É o
vice-prefeito? - Sim,
pois não? - Muito
prazer, tinha vontade de conhecê-lo pessoalmente. Com João Paulo eu conversei
outro dia no restaurante vegetariano. - O
prazer é meu. - Pois
é. Gosto de conversar com vocês políticos. Tem coisas que a gente não
entende. - Como
assim? - O
governo de Lula, por exemplo. Achava que todo mundo ia melhorar um pouquinho
a vida, sabe como é, a gente vive no sacrifício, e quando um cara que é
trabalhador feito a gente chega lá em cima, a esperança é muito grande. - Tem
razão, amigo. Mas é preciso entender que as coisas não são simples. Lula
herdou de Fernando Henrique um país quebrado. O Brasil é que nem um veículo
ultramoderno, pré-programado de fora para ir na direção dos banqueiros daqui
e do estrangeiro. A missão dele é desfazer a engrenagem dessa programação e
mudar o rumo do veículo. Isso leva tempo e tem muita gente trabalhando contra,
até dentro do governo, acredite. -
Acredito, sim. Nem sei como isso acontece, mas acredito, pois em todo lugar
tem os que não querem que a coisa vá pra frente, os espírito-de-porco, sei
como é. -
Então. Assim, numa conversa rápida, nesse movimento todo, fica difícil
esclarecer... -
Compreendo. -
...quem sabe a gente pode conversar com calma, o amigo participar de uma
reunião. - Olhe,
reunião eu não sei se tenho paciência não. Quando a gente passa dos setenta,
não aguenta muito bate-boca, não. - É um
modo de participar. - Mas
quem disse que não participo? É uma participação diferente, mas não deixo de
tirar a minha casquinha. - Como
assim? - E o
senhor acha que eu vou pagar essa compra toda? Tenho dinheiro não, oxente!
Com o ganho da minha aposentadoria nunca que podia comprar isso que tá aqui
no carrinho. Veja aqui, botei até essa garrafa de Logan 12 anos... - Não
estou entendendo. - É o
seguinte. Moro em Nova Descoberta. Sou idoso, não pago passagem, aí tomo o
ônibus, desço aqui na Rosa e Silva, entro nesse supermercado de gente fina,
“24 horas”, encho o carrinho de compras, boto tudo de melhor, rodo um pouco,
puxo conversa com um, com outro, e depois abandono a carrinho. Vendem caro,
não? Pois vão ter trabalho comigo! - Essa
é a sua maneira de protestar? - Claro.
Abandono o carrinho e vou embora pra casa. Conto pra minha velha, ela morre
de rir com a minha traquinagem. Na semana passada fiz isso no Carrefour. - Essa
é sua maneira de protestar. - É,
sim. Ninguém sabe, nem se incomoda, mas aqui com meus botões eu me vingo. Mas
não espalhe, é segredo. -
Segredo guardado, tudo bem. Mas aceite meu cartão, aqui tem os telefones,
endereço eletrônico, quando tiver vontade de participar de uma reunião, é só
se comunicar com a gente. Fique tranquilo que não é bate-boca, não; é até
divertido, feito esse seu jeito de se “vingar”. - Passe
bem, e dê um abraço no prefeito. - Darei
sim. Foi um prazer conhecê-lo. Na
saída, foi possível perceber à distância que o nosso “vingador” iniciava novo
diálogo, agora provocando risos num pequeno grupo de adolescentes. *Crônica
incluída na coletânea “O lírio que brotou no telhado e outras crônicas”,
Editora Anita Garibaldi. |
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Veja: Por que Sérgio Moro
não decola? https://bit.ly/3Ip1ywJ
Um comentário:
Que jeito estranho de protestar rs. Dando trabalho para os pobres empregados...
Abraço s!
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