Kohei Saito, pensador ecossocialista
Um jovem pesquisador japonês amplia o esforço para
construir, a partir de Marx, a ideia de novas relações também com a natureza.
Breve apresentação de seus três livros, que enfatizam a defesa do Comum e
sugerem um “comunismo de decrescimento”
Michael Löwy, em A Terra é Redonda/Outras Palavras
Os ecologistas clássicos rejeitam frequentemente Karl Marx como “produtivista” e cego aos problemas ecológicos. Um número crescente de textos ecomarxistas foram publicados recentemente, contradizendo fortemente este equívoco comum. Os pioneiros desta nova pesquisa são John Bellamy Foster e Paul Burkett, seguidos por Ian Angus, Fred Magdoff e outros, que ajudaram a transformar a famosa publicação socialista Monthly Review numa revista ecomarxista.
Seu principal argumento é que Karl Marx estava plenamente consciente das consequências destrutivas da acumulação capitalista para o meio ambiente, um processo que descreveu através do conceito de “ruptura metabólica” entre as sociedades humanas e a natureza. Podemos não concordar com algumas de suas interpretações dos escritos de Karl Marx, mas as pesquisas deles foram decisivas para uma nova compreensão de sua contribuição para a crítica ecológica do capitalismo.
Karl Marx, continuidades e mudanças
Kohei Saito é um jovem pesquisador marxista japonês que pertence a esta
importante escola ecomarxista. Seu primeiro livro, A natureza contra o
capital, é uma contribuição muito valiosa para a reavaliação do legado
marxiano numa perspectiva ecossocialista.
Uma das grandes qualidades de seu trabalho é que – ao contrário de
muitos outros estudiosos – ele não trata os escritos de Karl Marx como um
conjunto sistemático de textos definido, do início ao fim, por um forte
compromisso ecológico (segundo alguns), ou uma forte tendência não ecológica
(segundo outros). Como Kohei Saito afirma de maneira muito convincente, há
elementos de continuidade na reflexão de Marx sobre a natureza, mas também
mudanças e reorientações muito significativas. Além disso, como sugere o
subtítulo do livro, suas reflexões críticas sobre a relação entre a economia
política e o meio ambiente natural são “inacabadas”.
Entre as continuidades, uma das mais importantes é a questão da
“separação” capitalista dos seres humanos da terra, ou seja, da natureza.
Embora este tema já tivesse aparecido nos Manuscritos de 1844, após
a publicação de O capital (1867), Marx voltou sua atenção para
as sociedades pré-capitalistas, nas quais existia uma forma de unidade entre os
produtores e a terra. Considerava que uma das tarefas essenciais do socialismo
era restabelecer a unidade original entre os seres humanos e a natureza,
destruída pelo capitalismo, mas em um nível mais elevado (negação da negação).
Isto explica o interesse de Karl Marx pelas comunidades
pré-capitalistas, seja em suas discussões ecológicas (por exemplo, o químico
alemão Carl Fraas), seja em suas investigações antropológicas (o historiador
Franz Maurer): estes dois autores eram considerados “socialistas
inconscientes”. E, claro, em seu último documento importante, a “Carta a Vera
Zasulitch” (1881), Marx argumenta que, através da supressão do capitalismo, as
sociedades modernas poderiam regressar a uma forma superior de um tipo “arcaico”
de propriedade e produção coletivas. Eu diria que isto pertence ao momento
“anticapitalista romântico” das reflexões de Marx… De qualquer forma, esta
interessante percepção de Kohei Saito é muito relevante hoje, quando as
comunidades indígenas das Américas, do Canadá à Pata gônia, estão na linha da
frente da resistência à destruição ambiental capitalista.
No entanto, a principal contribuição de Kohei Saito é mostrar o
movimento, a evolução das reflexões de Karl Marx sobre a natureza, num processo
de aprendizagem, repensando e remodelando seus pensamentos. Antes de O
capital, encontramos nos escritos de Marx uma avaliação bem pouco crítica
do “progresso” capitalista – uma atitude frequentemente descrita pelo termo
mitológico vago de “prometeísmo”. Isto é evidente no Manifesto
Comunista, que celebra a “submissão das forças da natureza pelo homem” e o
“desbravamento de continentes inteiros pela cultura”; mas também se aplica
aos Cadernos de Londres (1851), aos Manuscritos
Econômicos de 1861-63 e a outros escritos destes anos.
Curiosamente, Kohei Saito parece excluir os Grundrisse (1857-58)
de sua crítica, uma exceção que, a meu ver, não se justifica, quando sabemos o
quanto Marx admira, neste manuscrito, “a grande missão civilizadora do
capitalismo”, em relação à natureza e às comunidades pré-capitalistas,
prisioneiras de seu localismo e de sua “idolatria da natureza”!
A mudança ocorreu em 1865-66, quando Karl Marx leu os escritos do
químico agrícola Justus Von Liebig e descobriu o problema do esgotamento dos
solos e da ruptura metabólica entre as sociedades humanas e o meio ambiente
natural. Isto conduziria, no volume 1 de O capital – mas
também nos outros dois volumes inacabados –, a uma avaliação muito mais crítica
do caráter destrutivo do “progresso” capitalista, em particular na agricultura.
Depois de 1868, lendo outro cientista alemão, Carl Fraas, Karl Marx
descobriria também outras questões ecológicas importantes, como o desmatamento
e a mudança climática local. Segundo Kohei Saito, se Marx tivesse conseguido
completar os volumes 2 e 3 de O capital, teria dado mais ênfase à
crise ecológica – o que também significa, pelo menos implicitamente, que, em
seu atual estado inacabado, não é dada suficiente ênfase a estas questões.
Mais fundador do que profeta
Isto leva-me à minha principal discordância com Kohei Saito: em várias
passagens do livro, ele afirma que, para Karl Marx, “a insustentabilidade
ambiental do capitalismo é a contradição do sistema” (p.142); ou que, no final
de sua vida, ele tinha chegado a considerar a ruptura metabólica como “o
problema mais grave do capitalismo”; ou que o conflito com os limites naturais
é, para Marx, “a principal contradição do modo de produção capitalista”.
Pergunto-me onde Kohei Saito encontrou, nos escritos de Marx, nos livros
publicados, nos manuscritos ou nos cadernos de notas, tais afirmações… Não é
possível encontrá-las, e por uma boa razão: a insustentabilidade ecológica do
sistema capitalista não era uma questão decisiva no século XIX, como se tornou
hoje: ou melhor, desde 1945, quando o planeta entrou numa nova era geológica, o
Antropoceno.
Além disso, acredito que a ruptura metabólica, ou o conflito com os
limites naturais, não é “um problema do capitalismo” ou uma “contradição do
sistema”: é muito mais do que isso! É uma contradição entre o sistema e as
“condições naturais eternas” (Marx), e, portanto, com as condições naturais da
vida humana no planeta. De fato, como afirma Paul Burkett (citado por Saito), o
capital pode continuar a acumular-se em quaisquer condições naturais, por mais
degradadas que estejam, desde que não haja uma extinção completa da vida
humana: a civilização humana pode desaparecer antes que a acumulação de capital
se torne impossível.
Kohei Saito conclui seu livro com uma avaliação sóbria que me parece ser
um resumo muito adequado da questão: O Capital (o livro)
continua sendo um projeto inacabado. Marx não respondeu a todas as perguntas
nem previu o mundo atual. Mas sua crítica do capitalismo fornece uma base
teórica extremamente útil para compreender a atual crise ecológica. Por
conseguinte, eu acrescentaria que o ecossocialismo pode basear-se nas ideias de
Marx, mas deve desenvolver plenamente uma nova confrontação ecomarxista com os
desafios do Antropoceno no século XXI.
O segundo livro de Saito, Menos!, foi publicado no Japão em
2019 e foi um enorme sucesso, vendendo 500.000 exemplares. É uma boa notícia
para a ecologia crítica. Seus capítulos iniciais são uma síntese dramática das
mudanças climáticas: o ponto de não retorno está às nossas portas, o
Antropoceno dirige-se para a catástrofe. A quantidade de CO2 na
atmosfera não é atingida desde o Plioceno, há 4 milhões de anos.
O responsável por esta crise é, sem dúvida, o sistema capitalista, que
visa uma multiplicação infinita do valor e o crescimento ilimitado,
indissociavelmente ligado aos combustíveis fósseis (e, portanto, às emissões de
CO2) desde a Revolução Industrial. Como observa Kenneth Boulding,
“quem acredita que o crescimento exponencial pode continuar indefinidamente num
mundo finito é um tolo ou um economista”. Se o capitalismo não for parado, ele
tornará o planeta inabitável para os seres humanos.
Como enfrentar este desafio? Kohei Saito faz uma crítica profunda da
ecologia compatível com o crescimento (capitalista): os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas – “um ópio do povo” –, o
crescimento econômico verde preconizado pelo Banco Mundial e até o Green
New Deal proposto por Joseph Stieglitz e pela esquerda
norte-americana. É certo que, observa Kohei Saito, precisamos de um New
Deal Verde: veículos elétricos, energia solar, ciclovias, transportes
públicos gratuitos. Mas isso não será suficiente para enfrentar a crise.
É necessário romper com o “modo de vida imperial” capitalista e tomar o
caminho do decrescimento, ou seja, passar da quantidade – sobretudo de
mercadorias, crescimento do PIB – para a qualidade: aumentar o tempo livre e a
proteção social.
O “comunismo de decrescimento”
Saito chama de “comunismo de decrescimento” a alternativa radical ao
capitalismo, baseada na gestão democrática dos bens comuns, como terra, água,
eletricidade, saúde e educação, retirando-os tanto do mercado quanto do Estado.
Esta proposta pode ser encontrada nos últimos escritos de Karl Marx, diz Kohei
Saito, que, entretanto, não cita nenhum texto de Marx em que o decrescimento
seja mencionado. Enquanto no Manifesto Comunista (1848) Marx
defende o primado das forças produtivas, numa perspectiva eurocêntrica, a
partir de 1868, graças à sua leitura dos biólogos Liebig e Fraas – como atestam
suas notas de leitura recentemente publicadas pela nova MEGA (“Marx-Engels-Gesamtausgabe”,
os textos completos de Marx e Engels) – começou a desenvolver uma nova
perspectiva.
Esta culminou em 1881 com a carta (e seus diferentes rascunhos) a Vera
Zasulitch, na qual falava da comuna rural tradicional como a fonte de um futuro
comunista para a Rússia. Trata-se de uma proposta que rompe com o
eurocentrismo, o primado das forças produtivas e a visão da história como
“progresso”.
Parece-me, no entanto, que Kohei Saito vai longe demais, ao pretender
encontrar nos escritos de Karl Marx sobre a comuna rural russa uma “percepção
positiva das economias estacionárias” e, portanto, as premissas do “comunismo
de decrescimento”. Mais sóbria e pertinente parece-me sua afirmação de que “em
nenhum lugar Marx deixou qualquer vestígio escrito do que ele considerava ser o
comunismo de decrescimento”.
O comunismo, segundo Kohei Saito, seria uma rede horizontal de cogestão
democrática, em que os trabalhadores seriam proprietários e gestores dos meios
de produção. O que falta neste projeto é o planejamento ecológico democrático.
É certo que, numa passagem, Kohei Saito menciona a necessidade de “um
planejamento social para gerir a produção de bens de uso e a satisfação das
necessidades” (p. 267), mas esta importante intuição não é desenvolvida.
Como chegar lá? Saito fala da economia solidária e das cooperativas,
reconhecendo que, “como Marx salientou, as cooperativas de trabalhadores estão
expostas à concorrência do mercado capitalista”. Consequentemente, conclui,
“todo o sistema deve ser alterado”. Ele também menciona o municipalismo
socialista, exemplificado pela prefeita de Barcelona, Ada Colau (que depois,
infelizmente, perdeu a prefeitura). Por fim, ele faz referência aos movimentos
sociais e às assembleias de cidadãos, mas sua reflexão carece de uma estratégia
sociopolítica de transformação revolucionária.
O terceiro livro de Saito, Marx e o Antropoceno, publicado
em 2022, só existe atualmente em inglês. Oferece uma análise muito mais precisa
dos escritos de Karl Marx: ele localiza como texto-chave do materialismo
histórico produtivista não o Manifesto Comunista, mas o Prefácio de
1859 à Contribuição à Crítica da Economia Política, que define a
revolução como a supressão das relações de produção que se tornaram obstáculos
ao livre desenvolvimento das forças produtivas. Ele critica também certos
argumentos nitidamente “prometeicos” nos Grundrisse de
1857-58.
Por mais que sua interpretação dos últimos escritos russos de Karl Marx
como uma ruptura com o produtivismo e o eurocentrismo me pareça correta, sua
hipótese de um Marx “do decrescimento” parece infundada. Mas Kohei Saito
reconhece os limites do pensamento de Marx e a natureza inacabada de seu
projeto.
Neste livro mais recente, Kohei Saito demonstra também um conhecimento
muito mais preciso da literatura ecossocialista moderna, e, assim, define seu
“comunismo de decrescimento” como uma variante do ecossocialismo que defende
uma ruptura com o crescimento.
Para concluir, a proposta de um movimento que arranque os bens comuns do
mercado e baseie o “Reino da Liberdade” na redução do tempo de trabalho
corresponde às ideias de Karl Marx, mas o decrescimento está ausente de seus
escritos. O comunismo de decrescimento defendido por Saito como um imperativo
ecológico – um comunismo que exige o fim do “modo de vida imperial” e a redução
da produção por meio da supressão de mercadorias e serviços inúteis – parece-me
uma bela ideia para o futuro, mas é uma ideia nova, criada pelo ecomarxismo do
século XXI, de que Kohei Saito é um brilhante representante.
Michae Löwy é diretor de pesquisa em sociologia no Centre nationale de la recherche scentifique (CNRS). Autor, entre outros livros, de Franz Kafka sonhador insubmisso (Editora Cem Cabeças)
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Leia: Políticas ambientais antagônicas entre China e EUA https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/ambiente-china-x-eua.html
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