24 março 2025

Economia é questão política

Mudança no imposto de renda e queda de juros dependem da luta política
Estar no comando do Executivo não significa ter controle sobre o Estado. A relação entre governo, Congresso e setores econômicos define os rumos da política e da economia. Entenda como essa dinâmica influencia a implementação de reformas e políticas públicas
Iago Montalvão/Portal Grabois www.grabois.org.br 

Juros, inflação, tributação e a importância da luta política – Três temas econômicos de grande relevância têm chacoalhado a conjuntura brasileira nos últimos meses.

Já há algum tempo figurando no debate público, a taxa básica de juros (Taxa Selic) apresenta uma trajetória crescente desde o período da pandemia. Em março de 2021, estava em 2%, passando por um breve período de redução entre setembro de 2023 e junho de 2024. No entanto, retomou a alta em setembro de 2024, alcançando, em 19 de março de 2025, o valor de 14,25% — a maior taxa desde outubro de 2016 —, conforme decisão da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. 

Outro tema cuja repercussão tem alcançado não apenas os noticiários, mas também a população em geral, é a inflação, especialmente o aumento no preço dos alimentos. Em relação à cesta de bens e serviços que compõem o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), utilizado para medir a inflação, observa-se um movimento de queda após junho de 2022 e uma variação razoavelmente controlada entre 3,20% e 5,20%. Esse intervalo é coerente com o histórico brasileiro de inflação nas últimas duas décadas, com a devida exceção do período da pandemia de COVID-19.

Também é fundamental considerar a inflação em um contexto global, além das diferenças no aumento de preços entre os grupos de bens e serviços que compõem o IPCA, conforme discutido de forma elucidativa neste portal, no artigo Meta de inflação e juros altos: política monetária prejudica o Brasil e enriquece setor financeiro. Esses fatores colocam em xeque a atual meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), fixada em 3% ao ano, o que, por sua vez, acaba justificando a manutenção das elevadas taxas básicas de juros. 

Apesar disso, há uma grande preocupação com o aumento expressivo no preço de diversos alimentos, como café e ovos, que se tornaram símbolos desse fenômeno. Esses aumentos podem ter múltiplas causas, muitas vezes combinadas. O azeite, por exemplo, tem registrado alta nos custos há meses devido a dificuldades nas safras de azeitona. Além disso, por ser um produto pouco produzido no Brasil, o país depende de importações, o que também influencia seu preço.

Já no caso do café e dos ovos, embora sejam amplamente produzidos em território nacional, seus preços podem ser impactados por fatores climáticos — especialmente no caso do café — ou por variações na demanda e nos preços internacionais. Isso ocorre porque muitos produtores priorizam a exportação em busca de maiores lucros.

Em terceiro lugar, mas não menos importante, está a Reforma Tributária. Com a recente aprovação de mudanças significativas na tributação sobre o consumo1, o governo agora busca cumprir uma promessa de campanha: tornar o Imposto de Renda mais progressivo e isentar brasileiros que ganham até R$ 5 mil por mês.

O primeiro anúncio da medida veio acompanhado de um conjunto de outras iniciativas para garantir o ajuste fiscal necessário ao cumprimento das regras do Novo Arcabouço Fiscal (NAF), o que gerou sinais confusos. Por razões distintas, os agentes do “mercado” não ficaram satisfeitos, e setores que defendem mais investimentos e justiça social também manifestaram preocupações.

Esse movimento, aliado ao cenário internacional turbulento e à eleição de Trump nos Estados Unidos, fez com que a cotação do dólar atingisse um recorde de quase R$ 6,30.

No dia 18 de março, o governo enviou ao Congresso Nacional a proposta completa2, detalhando a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês e um desconto escalonado para rendimentos entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. 

Para compensar a perda de arrecadação e promover maior justiça no sistema tributário, a proposta inclui um imposto mínimo para super-ricos, aplicável a rendimentos anuais acima de R$ 600 mil. A alíquota será progressiva, podendo chegar a 10% para ganhos superiores a R$ 1,2 milhão.

Esses três tópicos econômicos certamente merecem, cada um em sua particularidade, uma discussão esmiuçada e mais aprofundada. Neste texto, proponho apresentar uma reflexão sobre como esses três casos se conectam no campo da luta política. Diferentemente do que sugerem muitos economistas e analistas da imprensa e do mainstream, temas econômicos não são meramente técnicos ou neutros; estão indissociavelmente ligados à economia política.

Nesse contexto, refiro-me à luta política como o conjunto de táticas que compõem a estratégia necessária para realizar, no mínimo, o programa eleito nas urnas, sobretudo diante da recorrentemente citada e fatídica correlação de forças, que reside principalmente na complexa e reacionária composição da Câmara e do Senado.

Juros, inflação e tributação impactam diretamente a vida da classe trabalhadora, sobretudo dos setores de baixa renda, mas também da classe média. Esses fenômenos podem ser determinantes para a força política e a aceitação do governo e, por isso, têm de ser manobrados com cuidado, mas também com ousadia.

Em relação aos juros, o principal obstáculo para qualquer iniciativa governamental é a suposta independência do Banco Central. Aprovada durante o governo Bolsonaro, essa independência, na prática, afasta ainda mais o Banco Central da gestão pública, subordinando a política fiscal à política monetária, que, por sua vez, se vincula ainda mais ao mercado financeiro. Dessa forma, o governo tem pouca margem de manobra, mesmo com a indicação da atual diretoria do Banco Central, que não dá sinais de querer mudar a trajetória da Taxa Selic.

A alta taxa de juros encarece o investimento produtivo, reduz a oferta de produtos e limita o consumo das classes mais baixas, que sofrem com o aumento do endividamento e do custo do crédito. Enquanto os juros permanecerem estratosféricos, a população em geral seguirá atribuindo ao governo vigente a responsabilidade pelo rotativo do cartão de crédito cada vez mais caro. Nesse cenário, qual seria a alternativa? É aqui que a luta política cumpre seu papel.

O presidente Lula soube utilizar sua posição para conduzir essa luta no início de seu mandato, quando acusava Roberto Campos Neto, então presidente do BCB, de sabotar o desenvolvimento nacional ao manter a Selic elevada. A disputa pública em torno de diferentes posições políticas quanto ao papel dos juros estava sendo colocada, e com grande potencial de apelo popular para rechaçar as altas taxas, na medida em que são rejeitadas por quase 70% dos brasileiros, segundo a pesquisa Monitor do Custo de Vida, divulgada pelo Ipsos em junho de 2024.

No quesito da inflação de alimentos, o governo também encara fatores que escapam de seu controle, mas outros podem ser afetados tanto diretamente quanto indiretamente por suas medidas. Os cortes de impostos para a importação de uma série de alimentos cujos preços estavam em alta foram uma medida importante para sinalizar um papel ativo do governo no combate a esse encarecimento.

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Leia: Brasil tem um dos maiores crescimentos econômicos de 2024 https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/economia-cresce.html 

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