Mudança no imposto de
renda e queda de juros dependem da luta política
Estar no comando do
Executivo não significa ter controle sobre o Estado. A relação entre governo,
Congresso e setores econômicos define os rumos da política e da economia.
Entenda como essa dinâmica influencia a implementação de reformas e políticas
públicas
Iago
Montalvão/Portal Grabois www.grabois.org.br
Juros, inflação, tributação e a importância da luta política – Três temas econômicos de grande relevância têm chacoalhado a conjuntura brasileira nos últimos meses.
Já há algum tempo figurando no debate público, a taxa básica de juros (Taxa Selic) apresenta uma trajetória crescente desde o período da pandemia. Em março de 2021, estava em 2%, passando por um breve período de redução entre setembro de 2023 e junho de 2024. No entanto, retomou a alta em setembro de 2024, alcançando, em 19 de março de 2025, o valor de 14,25% — a maior taxa desde outubro de 2016 —, conforme decisão da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central.
Outro tema cuja repercussão tem alcançado não apenas os noticiários, mas também
a população em geral, é a inflação, especialmente o aumento no preço dos
alimentos. Em relação à cesta de bens e serviços que compõem o Índice de Preços
ao Consumidor Amplo (IPCA), utilizado para medir a inflação, observa-se um
movimento de queda após junho de 2022 e uma variação razoavelmente controlada
entre 3,20% e 5,20%. Esse intervalo é coerente com o histórico brasileiro de
inflação nas últimas duas décadas, com a devida exceção do período da pandemia
de COVID-19.
Também é fundamental considerar a
inflação em um contexto global, além das diferenças no aumento de preços entre
os grupos de bens e serviços que compõem o IPCA, conforme discutido de forma
elucidativa neste portal, no artigo Meta de inflação e juros altos:
política monetária prejudica o Brasil e enriquece setor financeiro.
Esses fatores colocam em xeque a atual meta de inflação estabelecida pelo
Conselho Monetário Nacional (CMN), fixada em 3% ao ano, o que, por sua vez,
acaba justificando a manutenção das elevadas taxas básicas de juros.
Apesar disso, há uma grande
preocupação com o aumento expressivo no preço de diversos alimentos, como café
e ovos, que se tornaram símbolos desse fenômeno. Esses aumentos podem ter
múltiplas causas, muitas vezes combinadas. O azeite, por exemplo, tem
registrado alta nos custos há meses devido a dificuldades nas safras de
azeitona. Além disso, por ser um produto pouco produzido no Brasil, o país
depende de importações, o que também influencia seu preço.
Já no caso do café e dos ovos,
embora sejam amplamente produzidos em território nacional, seus preços podem
ser impactados por fatores climáticos — especialmente no caso do café — ou por
variações na demanda e nos preços internacionais. Isso ocorre porque muitos
produtores priorizam a exportação em busca de maiores lucros.
Em terceiro lugar, mas não menos
importante, está a Reforma Tributária. Com a recente aprovação de mudanças
significativas na tributação sobre o consumo1, o
governo agora busca cumprir uma promessa de campanha: tornar o Imposto de Renda
mais progressivo e isentar brasileiros que ganham até R$ 5 mil por mês.
O primeiro anúncio da medida veio
acompanhado de um conjunto de outras iniciativas para garantir o ajuste fiscal
necessário ao cumprimento das regras do Novo Arcabouço Fiscal (NAF), o que
gerou sinais confusos. Por razões distintas, os agentes do “mercado” não
ficaram satisfeitos, e setores que defendem mais investimentos e justiça social
também manifestaram preocupações.
Esse movimento, aliado ao cenário
internacional turbulento e à eleição de Trump nos Estados Unidos, fez com que a
cotação do dólar atingisse um recorde de quase R$ 6,30.
No dia 18 de março, o governo enviou ao Congresso Nacional a proposta completa2, detalhando a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês e um desconto escalonado para rendimentos entre R$ 5 mil e R$ 7 mil.
Para compensar a perda de arrecadação e promover maior justiça no sistema tributário, a proposta inclui um imposto mínimo para super-ricos, aplicável a rendimentos anuais acima de R$ 600 mil. A alíquota será progressiva, podendo chegar a 10% para ganhos superiores a R$ 1,2 milhão.
Esses três tópicos econômicos
certamente merecem, cada um em sua particularidade, uma discussão esmiuçada e
mais aprofundada. Neste texto, proponho apresentar uma reflexão sobre como
esses três casos se conectam no campo da luta política. Diferentemente do que
sugerem muitos economistas e analistas da imprensa e do mainstream,
temas econômicos não são meramente técnicos ou neutros; estão
indissociavelmente ligados à economia política.
Nesse contexto, refiro-me à luta
política como o conjunto de táticas que compõem a estratégia necessária para
realizar, no mínimo, o programa eleito nas urnas, sobretudo diante da
recorrentemente citada e fatídica correlação de forças, que reside
principalmente na complexa e reacionária composição da Câmara e do Senado.
Juros, inflação e tributação
impactam diretamente a vida da classe trabalhadora, sobretudo dos setores de
baixa renda, mas também da classe média. Esses fenômenos podem ser
determinantes para a força política e a aceitação do governo e, por isso, têm
de ser manobrados com cuidado, mas também com ousadia.
Em relação aos juros, o principal
obstáculo para qualquer iniciativa governamental é a suposta independência do
Banco Central. Aprovada durante o governo Bolsonaro, essa independência, na
prática, afasta ainda mais o Banco Central da gestão pública, subordinando a
política fiscal à política monetária, que, por sua vez, se vincula ainda mais
ao mercado financeiro. Dessa forma, o governo tem pouca margem de manobra,
mesmo com a indicação da atual diretoria do Banco Central, que não dá sinais de
querer mudar a trajetória da Taxa Selic.
A alta taxa de juros encarece o
investimento produtivo, reduz a oferta de produtos e limita o consumo das
classes mais baixas, que sofrem com o aumento do endividamento e do custo do
crédito. Enquanto os juros permanecerem estratosféricos, a população em geral
seguirá atribuindo ao governo vigente a responsabilidade pelo rotativo do
cartão de crédito cada vez mais caro. Nesse cenário, qual seria a alternativa?
É aqui que a luta política cumpre seu papel.
O presidente Lula soube utilizar
sua posição para conduzir essa luta no início de seu mandato, quando acusava
Roberto Campos Neto, então presidente do BCB, de sabotar o desenvolvimento
nacional ao manter a Selic elevada. A disputa pública em torno de diferentes
posições políticas quanto ao papel dos juros estava sendo colocada, e com
grande potencial de apelo popular para rechaçar as altas taxas, na medida em
que são rejeitadas por quase 70% dos brasileiros, segundo a pesquisa Monitor
do Custo de Vida, divulgada pelo Ipsos em junho de 2024.
No quesito da inflação de
alimentos, o governo também encara fatores que escapam de seu controle, mas
outros podem ser afetados tanto diretamente quanto indiretamente por suas
medidas. Os cortes de impostos para a importação de uma série de alimentos
cujos preços estavam em alta foram uma medida importante para sinalizar um
papel ativo do governo no combate a esse encarecimento.
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Leia: Brasil tem um dos maiores crescimentos econômicos de 2024 https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/economia-cresce.html
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