Como tarifas de Trump afetam aço e alumínio do Brasil e outros países
BBC
A cobrança de tarifas de 25% sobre importações de
aço e alumínio nos Estados Unidos entrou em vigor nesta quarta-feira (12/03).
A medida — que deve atingir bastante o setor
industrial do Brasil — passa a valer pouco mais de um mês depois de o
presidente americano, Donald Trump,
assinar ações executivas.
As ordens executivas estabelecem uma tarifa de 25%
sobre alumínio e aço e cancela isenções e cotas livres de impostos para grandes
fornecedores como Canadá, México, Brasil e outros países.
"Hoje estou
simplificando nossas tarifas sobre aço e alumínio", afirmou
Trump na época. "É 25% sem exceções ou isenções."
"A nossa nação precisa que aço e alumínio
sejam produzidos nos Estados Unidos, não em terras estrangeiras", disse o
presidente americano no mês passado.
Trump também indicou que consideraria tarifas
adicionais sobre automóveis, produtos farmacêuticos e chips de computador.
"É hora de nossas grandes indústrias voltarem
para os Estados Unidos... Esta é apenas a primeira de muitas medidas. Vamos
adotar outras em diferentes áreas", declarou.
O Brasil é um dos
países mais atingidos pelas tarifas.
Em nota, o governo brasileiro lamentou as novas tarifas e as classificou como "injustificáveis e equivocadas".
O governo prometeu avaliar nas próximas semanas como irá reagir aos "efeitos nocivos das medidas norte-americanas", inclusive junto à Organização Mundial do Comércio.
Tarifas são usadas como barreiras comerciais pelos países. Ao cobrá-las, o governo desestimula importações ao encarecer produtos importados em relação aos produtos nacionais.
Além disso, o encarecimento pode ter o efeito de esfriar a demanda pelos produtos.
O principal afetado pelas medidas é o Canadá — que é a maior fonte de aço e alumínio importados pelos EUA. Mas Brasil, México e Coreia do Sul também são grandes fornecedores de aço aos EUA.
Em 2024, de acordo com o Departamento de Comércio dos EUA, o Canadá exportou 6 milhões de toneladas para os EUA.
Em seguida, vem o Brasil com 4,1 milhões de toneladas e depois o México, que enviou 3,2 milhões de toneladas de aço para os EUA no ano passado.
O Brasil é o nono maior produtor de aço bruto do mundo, atrás de China, Índia, Japão, EUA, Rússia, Coreia do Sul, Alemanha e Turquia.
Os EUA são, de longe, o maior mercado para produtos siderúrgicos do Brasil. O Brasil exporta para os EUA 12 vezes mais do que para a Europa e 6 vezes mais do que para a América Latina.
Já em relação ao alumínio, outro produto alvo de tarifas anunciadas por Trump, o Brasil é o 14º maior fornecedor para os EUA, segundo dados do departamento de Comércio dos EUA.
O próprio Brasil também pratica protecionismo no setor do aço. Em outubro, após mais de um ano de análise, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) elevou para 25% o imposto de importação para 11 tipos de produtos de ferro e de aço. Antes disso, esses produtos pagavam de 10,8% a 14% para entrarem no país.
O
pedido foi feito pelo Sindicato Nacional da Indústria de Trefilação e Laminação
de Metais Ferrosos (Sicetel) que acusava "concorrência desleal dos
produtos importados".
Tentativa fracassada de retaliação
Esta semana, o Canadá tentou retaliar contras as tarifas de Trump.
A província canadense de Ontario prometeu cobrar taxas de 25% sobre a eletricidade que envia para alguns Estados do norte dos EUA.
Em resposta, Donald Trump ameaçou dobrar as tarifas dos EUA sobre as importações canadenses de aço e metal para 50%.
Poucas horas depois, o governador de Ontario recuou da sobretaxa.
No mês passado, líderes canadenses criticaram duramente o plano tarifário de Trump, afirmando que a medida causará perda de empregos em ambos os lados da fronteira.
"As notícias de hoje deixam claro que a incerteza perpétua veio para ficar", disse Candace Laing, presidente da Câmara de Comércio do Canadá.
"Empresas e investidores já se sentem inseguros com a pausa tarifária de 30 dias, e agora nossas indústrias de aço e alumínio – fundamentais para o sucesso compartilhado das economias americana e canadense – estão sendo as primeiras a serem atingidas", afirmou Laing em um comunicado.
A União Europeia anunciou que vai retaliar os EUA cobrando tarifas sobre US$ 28,3 bilhões em bens importados do país. A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen disse que "lamenta profundamente esta medida".
"Tarifas são impostos. Elas são ruins para os negócios e ainda piores para os consumidores. Essas tarifas estão interrompendo as cadeias de suprimentos. Elas trazem incerteza para a economia", disse.
"A
União Europeia deve agir para proteger os consumidores e as empresas. As
contramedidas que tomamos hoje são fortes, mas proporcionais."
Já o Ministério de Relações Exteriores da China
disse que "todas as medidas necessárias" para proteger seus direitos
e interesses.
Duas ameaças de Trump; dois recuos
O
aço e o alumínio brasileiro já estiveram ameaçados com grandes tarifas por
Trump em duas ocasiões — e em ambas elas acabaram não sendo aplicadas.
Em março de 2018, no começo de seu primeiro mandato
como presidente, Trump anunciou alíquotas de 25% sobre o aço e de 10% sobre o
alumínio que são comprados pelos EUA de outros países.
A medida teria grande impacto para a indústria brasileira, já que os EUA são os maiores compradores do aço produzido no Brasil.
Mas, dias depois, Trump assinou um novo decreto isentando Argentina, Austrália, Brasil, União Europeia e Coreia do Sul da nova regra. As taxas voltaram a 0,9%, para o aço e 2% para o alumínio.
Em
dezembro de 2019, Trump voltou a falar em aumento de tarifas para o aço e
alumínio — tendo Brasil e Argentina como alvos principais. Ele atribuiu a
decisão à desvalorização do real e do peso argentino em relação ao dólar.
"Brasil e Argentina estão promovendo desvalorização
em massa de suas moedas, algo ruim para os nossos fazendeiros. Portanto, tendo
efeito imediato, vou restaurar as tarifas sobre aço e alumínio que são
importados aos Estados Unidos desses países", escreveu Trump em sua conta
no Twitter (atual X).
A
jornalistas, Trump disse na época: "Se você olhar o que aconteceu com o
câmbio deles, eles desvalorizaram o seu câmbio de modo substancial, em 10%. A
Argentina também. Eu havia dado a eles um grande alívio tarifário, mas agora eu
estou retirando isso. É muito injusto com a nossa indústria, é muito injusto
com nossos fazendeiros. Nossas companhias de aço vão ficar muito felizes,
nossos fazendeiros vão ficar muito felizes com o que eu fiz".
Dias depois, Trump conversou com o então presidente
brasileiro, Jair Bolsonaro, e anunciou que havia desistido das tarifas ao aço
brasileiro.
Após a conversa, Trump publicou no Twitter: "Acabo de ter uma ótima conversa com o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Discutimos muitos assuntos de comércio. A relação entre Estados Unidos e Brasil nunca foi tão forte".
Apesar das duas ameaças — em março de 2018 e dezembro de 2019 — os EUA nunca aplicaram a sobretaxa ao aço e alumínio brasileiros.
No segundo anúncio de Trump, a medida só foi prometida nas redes sociais. O decreto que regulamentaria as barreiras tarifárias nunca foi publicado pelo órgão responsável pelas relações comerciais americanas, o USTR.
Naquele momento, integrantes do governo Trump demonstraram perplexidade com a medida anunciada pelo republicano, que não havia sido previamente discutida com o Departamento de Estado ou com o de Comércio.
O
gesto foi entendido como um aceno aos agricultores americanos, eleitorado
cativo de Trump que acabou fortemente castigado pela guerra comercial com a
China.
Por que tarifas?
Em sua última ameaça comercial, Trump não deixou claro por que escolheu aço e alumínio especificamente para tarifas — mas há pistas de seu primeiro mandato, segundo o repórter da BBC News, Jonathan Josephs.
Em março de 2018, Trump se reuniu com produtores americanos de aço e alumínio na Casa Branca para ouvir suas preocupações e anunciar novas tarifas. "Precisamos de grandes siderúrgicas, grandes fabricantes de alumínio para defesa."
Ele também falou sobre a necessidade de proteger empregos e reequilibrar acordos comerciais que ele via como injustos. Os usos militares dos metais variam de navios de guerra e helicópteros a mísseis e munições.
Ao
mesmo tempo, ele destacou a China por fornecer aço barato em excesso ao mundo,
o que tornou difícil para os rivais dos EUA competirem em preço. É uma alegação
que Pequim nega.
Efeito para o consumidor americano
Apesar
de Trump destacar que o aumento de tarifas servirá para proteger a economia
americana, o "efeito máquina de lavar" ajuda a
explicar por que as empresas nacionais e os consumidores
locais também acabam pagando os custos da aplicação dessas taxas.
As
tarifas que Trump aplicou em sua primeira administração, além de afetar
empresas estrangeiras, também prejudicaram as empresas locais e os próprios
consumidores americanos, de acordo com estudos acadêmicos.
Longe
de enriquecê-las, as famílias tiveram que pagar preços mais altos. E a
arrecadação de impostos resultante da imposição de tarifas foi muito baixa em
comparação com o que o governo arrecada por meio de impostos individuais e
corporativos.
Um
exemplo que serve para ilustrar isso é o caso do imposto sobre máquinas de
lavar estrangeiras que Trump aplicou em 2018 durante seu primeiro mandato.
Um
estudo realizado por três renomados economistas, Aaron Flaaen, Ali Hortacsu e
Felix Tintelnot, concluiu que o preço das máquinas de lavar nos Estados Unidos
subiu 12% como efeito direto dessa tarifa.
A
ideia da tarifa, que é um imposto sobre produtos importados, era proteger os
produtores locais contra a entrada massiva de máquinas de lavar muito baratas
do exterior, no que é conhecido como um caso de concorrência desleal ou
dumping.
"Embora
alguns empregos tenham sido criados, os consumidores pagaram um custo muito
alto", diz Felix Tintelnot, professor da Duke University, nos EUA, e
coautor da pesquisa, à BBC Mundo.
Os
americanos como um todo pagaram cerca de US$ 820 mil a mais pela compra de
máquinas de lavar, por cada emprego criado. "Não foi um bom negócio para
eles."
Esse
é exatamente o que os economistas chamam de "efeito máquina de
lavar": o aumento de preços pago pelas famílias americanas.
Em
última análise, "os consumidores arcam com o custo do conflito
comercial", explica Inga Fechner, economista sênior de comércio global da
equipe de pesquisa do banco ING na Alemanha.
Uma
das consequências dessa experiência é que não apenas o preço das máquinas de
lavar importadas subiu, mas os produtores locais também aumentaram os preços.
É
verdade que nem todas as tarifas são iguais. E que as taxas atuais de Trump
contra aço e alumínio não tem nada a ver com acusações de concorrência desleal,
dirigidas especialmente contra produtos chineses. No entanto, o caso das
máquinas de lavar não é um exemplo isolado.
"Estudo
após estudo mostrou que as tarifas dos EUA desde 2017 foram totalmente
repassadas aos compradores americanos", argumentam Kimberly Clausing e
Mary Lovely, economistas do Instituto Peterson de Economia Internacional
(PIIE), um centro de pesquisa independente com sede em Washington DC.
Outros
think tanks, como a conservadora Tax Foundation, publicam pesquisas há anos
sobre os danos econômicos causados pelas tarifas nos EUA.
"Elas
tiveram um impacto líquido negativo na economia dos EUA", diz uma análise
recente de Erica York, vice-presidente de Política Tributária Federal da
organização.
"As
tarifas aumentaram os preços e reduziram a produção e o emprego",
acrescenta ela.
Essas conclusões são refutadas por aliados do presidente Trump, como Peter Navarro, atual assessor comercial do governo.
Seu argumento é que as tarifas não aumentaram
nenhum preço durante o primeiro governo do presidente.
"Tivemos inflação zero por causa das tarifas", disse ele em declarações à imprensa local, sem dar mais detalhes.
Leia: Um Estado sob o controle de Donald Trump https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/trump-e-o-estado-norte-americano.html
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