17 maio 2025

Agenda 2030

Novas tecnologias e economia digital
A Agenda 2030 é um documento importante que antagoniza o neoliberalismo cada vez mais recrudescente em todo o mundo. É uma proposta clara que busca fortalecer as pessoas e dar dignidade a todos 
Herbert Salles/Le Monde Diplomatique 


Um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade, é assim que a Agenda 2030 se apresenta ao seu público de interesse. Ao todo, são 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas voltadas para a promoção da paz, da liberdade e da erradicação da pobreza, pactuadas por todos os países membros da ONU em 2015. Após 10 anos, o mundo passou por significativas transformações econômicas, sociais e políticas, além de ter enfrentado uma epidemia que resultou em milhões de mortes, aumento do desemprego e recessão. 

Em seu lançamento, a Agenda 2030 se mostrava corajosa e inovadora ao abarcar os 17 ODS de forma integrada, abordando temáticas como gênero, meio ambiente, economia, inovação e justiça. Ainda que a Agenda enfatize a promoção do crescimento econômico em todas as regiões, era evidente que os países menos desenvolvidos seriam os principais beneficiados pelas propostas. Assim, ao atingir as metas, em 15 anos o mundo se tornaria mais justo, próspero e pacífico.Apesar dos obstáculos,  o plano global seguiu com ganhos, como pode ser visto nos Relatórios Luz (Spotlight Report), mas também  ocorreram perdas significativas, como presente no relatório de 2023, em que enfatiza:“a perda de renda e do emprego em milhões de domicílios são anteriores à 2020, determinadas pela erosão de políticas públicas estruturantes e por reformas como a Trabalhista e a da Previdência”, e complementa: “os volumosos recursos públicos para políticas sociais, com o nítido interesse eleitoral, liberados em 2022, não contribuíram para que o país avançasse para a erradicação da pobreza”.  

No mesmo relatório, ao tratar do ODS sobre Trabalho Decente e Crescimento Econômico, destaca-se a precarização como marca da política governamental de extrema-direita da gestão anterior, que resultou em um recorde histórico de trabalhadores sem carteira assinada. O documento relata, inclusive, que houve quatro anos de retrocessos, com uma latente desindustrialização, enfraquecendo a perspectiva de desenvolvimento sustentável no país. relatório de 2024 apresentou um cenário diferente, com destaque para os reflexos do primeiro ano de governo Lula III. No ODS 1, sobre Erradicação da Pobreza, é destacada a recomposição do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e como o Programa Bolsa Família foi expandido e redistribuindo quase R$ 170 bilhões o que contribuiu para uma redução na extrema pobreza (saindo de 5,9% em 2022 para 4,4% em 2023).  

Nesse mesmo relatório, o ODS sobre Trabalho Decente e Crescimento Econômico mostra que o rendimento médio habitual do trabalho atingiu o maior valor da série histórica da PNAD Contínua, bem como, a produtividade econômica cresceu 1.9%. Por outro lado, houve destaque para um problema latente, o dito “trabalho por aplicativo” que arregimenta mais de 2 milhões de pessoas. Algo que, inclusive, pode ser subnotificado, pois os trabalhadores ‘algoritmizados’ vão além dos aplicativos de transporte e entrega, passando a exercer atividades de serviços diversos em ambiente digital.  

A Agenda apresenta recomendações em cada ODS, no caso do Trabalho Decente e Crescimento Econômico, há ênfase no investimento em educação, ciência, tecnologia e inovação, além de diversificar a matriz econômica do país com a possibilidade de crescer em áreas de tecnologia e inovação. Entretanto, não há nenhuma diretriz para frear a precarização presente no trabalho ‘algoritmizado’, que pode ser feita a partir de legislação e regulamentação dessas atividades.  

Algo que chama a atenção, é que a Inteligência Artificial foi ignorada no relatório, seja para destacar avanços e possibilidades, seja para alertar sobre possíveis impactos no emprego e desenvolvimento econômico, que poderia estar presente, principalmente, no ODS 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico). A temática vem sendo pautada em diversas discussões em diferentes fóruns pelo mundo e não foi citada no relatório mais recente. Assim, houve a perda de oportunidade para destacar a necessidade de regulação das IAs e como governos podem utilizar a tecnologia em favor do trabalhador, sem que seus empregos estejam sob risco.  

Algo que chama a atenção é o fato de a Inteligência Artificial ter sido ignorada no relatório — seja para destacar avanços e possibilidades, seja para alertar sobre os possíveis impactos no emprego e no desenvolvimento econômico, especialmente no âmbito do ODS 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico). A temática vem sendo debatida em diversos fóruns ao redor do mundo, mas não foi mencionada no relatório mais recente. Com isso, perdeu-se a oportunidade de destacar a necessidade de regulação das IAs e de mostrar como os governos podem utilizar a tecnologia em favor dos trabalhadores, sem colocar seus empregos em risco.Em matéria publicada pela Folha de São Paulo, a IA é apontada como alternativa para impulsionar o crescimento de países menos desenvolvidos 

 sob a justificativa de que a guerra comercial piora o nível de endividamento e avanço da industrialização sem geração de emprego. Entretanto, a alternativa pode ser, inclusive, uma causa para esse cenário. Ora, se países menos desenvolvidos e com baixa empregabilidade apontam para a IA como alternativa para desenvolvimento, há uma possibilidade de criar centros de trabalho sem trabalhador. Ou seja, IAs ocupando o labor de um humano ofertando alguma operação complexa de baixo custo. Fica perceptível que a adoção, nesse cenário, de Inteligência Artificial será benéfica ao dono do capital, enquanto traz insegurança aos trabalhadores, que estarão submetidos à precarização. 

É importante destacar que o entendimento a respeito da Inteligência Artificial requer maturidade, principalmente, para tirar a neblina etérea presente em muitos discursos. Por exemplo, recentemente, o prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, anunciou uma série de viagens para os Estados Unidos e dentre os motivos estava “vender o Rio como uma Cidade da IA”. Mas qual IA? Além disso, qual a finalidade dessa IA? Atualmente, o Rio de Janeiro nem de perto pode ser considerado um centro de desenvolvimento de inteligência artificial, assim, esse entusiasmo pode soar como uma venda de soluções abstratas.  

A maturidade necessária, ainda, deve seguir passos que não direcionem para a armadilha da vilanização do uso e produção de inteligência artificial. Há muito potencial de expansão das capacidades humanas e a construção de ferramentas que entreguem mais qualidade de vida, segurança e sejam auxiliadoras de trabalhadores de diferentes atividades. Porém, para que isso seja efetivo, regulação e regulamentação são importantes para delimitação de atividades, bem como a proteção e garantia para os trabalhadores.  

Ao trazer o uso da IA para o cenário da Agenda 2030, percebe-se que há aplicabilidade em todos os ODS mas, a depender do uso e, principalmente, sem o olhar crítico e cauteloso quanto a sua regulação, poderá haver impacto negativo nos ODS 1 (Erradicar a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares), 4 (Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos), 8 (Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos) e 10 (Reduzir as desigualdades dentro dos países e entre eles). Ao observar que mulheres negras são as mais atingidas na taxa de trabalhadores informais, de acordo com o Relatório Luz 2023, a IA, se for utilizada como instrumento de precarização, algoritmização e substituição de trabalho humano, poderá refletir em perdas no ODS 5 (Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas). 

A proposta contrária à vilanização da IA pode ser vista no fortalecimento da Economia Digital, em um processo de industrialização que agrega aspectos tecnológicos e abarca a inovação como propulsor desse desenvolvimento, enxergando, principalmente, que a Economia Digital não está limitada à IA e ao trabalho algoritmizado. O foco deve estar em construir novas tecnologias para uso em diferentes contextos e aplicações.  

O Estado tem um papel fundamental na construção desse cenário, no fortalecimento da educação voltada para inovação, sem estar limitado à operação, de forma instrumental como se o aluno fosse se tornar um mero operador ou um tecelão digital, e sim, ver esse indivíduo como alguém capaz de criar novas ferramentas, como um empreendedor-inventor, alguém capaz de criar algo novo. Isso significa que o Estado deve investir em escolas e universidades, desde a criação de novas unidades até na modernização das já ativas.  

Outro ponto fundamental é ofertar crédito para que empresas possam desenvolver novas tecnologias, possibilitando, ainda, que novas pesquisas sejam feitas. Tudo isso poderá gerar mais emprego, maiores salários aos trabalhadores, aumento do nível de escolaridade e, claro, crescimento e desenvolvimento econômico. 

Restando apenas 5 anos para o prazo da Agenda 2030, há caminhos para que diversas metas sejam alcançadas e novas tecnologias podem ser apresentadas e desenvolvidas para cada um dos ODS. Assim, é possível criar uma indústria capaz de avançar para além de 2030 e pode, de fato, contribuir para um cenário de prosperidade. 

A Agenda 2030 é um documento importante que antagoniza o neoliberalismo cada vez mais recrudescente em todo o mundo. É uma proposta clara que busca fortalecer as pessoas e dar dignidade a todos, garantindo emprego, retirada da pobreza, igualdade de gênero e justiça, sendo assim, um marco para que haja um importante avanço social. 

Não há como pensar o futuro sem compreender que a economia digital esteja presente, sendo um principal vetor industrial e responsável por significativa fatia do PIB mundial nos próximos anos. Por outro lado, é necessário que ela não seja uma geradora de emprego informal e que entregue ao trabalhador um ambiente precarizado.  

Portanto, a Economia Digital pode ser protagonista de uma industrialização em que esteja alinhada com as expectativas da Agenda 2030. É preciso avançar para os próximos anos em um modelo mais justo e próspero para aqueles que são peça fundamental no desenvolvimento: os trabalhadores.   

Herbert Salles é Doutor em Economia pela UFF. 

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Leia: Como criar alternativas criativas às big techs? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/alternativa-as-big-techs.html

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