Luis Fernando Verissimo
James Agee (1905-1955,
segundo o Google) era um romancista, poeta, roteirista e crítico de cinema
americano. Certa vez ele descreveu uma cena de um filme do Gordo e o Magro
(Oliver Hardy era o gordo, Stan Laurel o magro) que considerava uma síntese não
só do humor da dupla como de todo o humor surrealista do cinema da época.
Gordo e o Magro transportam um piano de cauda de um lado para o outro de um abismo, em cima de uma tábua estreita sobre a qual mal conseguem se equilibrar. Não se sabe de onde eles vêm e para onde vão e por que estão carregando um piano. A situação já é insólita, mas ainda não é crítica, ou surrealista, o bastante.
Subitamente, vindo na
direção contrária à deles na tábua estreita, aparece um gorila. Também não se
sabe de onde saiu o gorila e por que está atravessando o abismo numa tábua
estreita. Para Agee, a cena acontece num universo separado onde antecedentes e
explicações são desnecessárias, ou apenas distrairiam a atenção da sua
singularidade maluca.
Como termina a cena?
Infelizmente, ou o Agee não contou o fim ou eu me esqueci. Talvez, para não
destoar da improbabilidade abstrata do resto, o gorila acabe tocando piano.
Quando os comediantes do
cinema ainda não falavam (Oliver e Hardy falavam, W. C. Fields e Groucho Marx
falavam até demais) discutia-se quem era o melhor, Charlie Chaplin ou Buster
Keaton. Como trabalhavam em silêncio, a comédia dos dois dependia da sua
dinâmica visual.
A mecânica das situações
era tudo, e seu desafio constante à inventividade levava ao surrealismo também
constante, mesmo que os dois não se dessem conta disto.
Lembro de um curta do
Buster Keaton que era, simplesmente, ele contra o vento, quase ele contra a
natureza: uma ventania varre uma pequena cidade e vai derrubando todas as suas
construções, e o filme todo é sobre Keaton sobrevivendo à tempestade nos vãos
do cenário que cai à sua volta. Chaplin foi mais famoso, mas Keaton foi mais
inventivo. Talvez soubesse que estava sendo surreal.
Mas eu queria escrever
mesmo sobre os fatos insólitos desta semana em Brasília, quando o governo
pensava ter todos os votos para aprovar a tal nova lei dos portos e levar o
piano tranquilamente para o outro lado do abismo quando surgiu, vindo na
direção contrária, o seu maior aliado, o PMDB, fantasiado de gorila da
oposição.
Surreal, surreal.
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