Centenário de Diógenes Arruda
Renato Rabelo*
Na passagem
do centenário de nascimento do grande brasileiro Diógenes Arruda Câmara, o
Partido Comunista do Brasil (PCdoB) homenageia este destacado dirigente e
construtor da legenda comunista.
No final da
ditadura do Estado Novo, em 1943, Arruda esteve à frente dos organizadores da
Conferência da Mantiqueira – conferência que colocou de pé a direção nacional
do Partido, que fora desmantelada por feroz perseguição policial. Esse feito
permitiu ao Partido Comunista do Brasil, então PCB, desempenhar um grande papel
na luta contra o nazifascismo e pela reconquista da democracia em nosso país.
Desde esta Conferência até 1957, ele assumiu, então, a importante Secretaria de
Organização. Por isto, é impossível desassociar o seu nome das grandes vitórias
do povo e do Partido ocorridas naquele período fértil da nossa história. O
trabalho dele também foi decisivo ao sucesso do 4º Congresso (1954), que deu ao
Partido o seu primeiro programa.
Décadas
depois, entre 1978 e 1979, enfrentando outro regime de arbítrio – a ditadura
militar –, Arruda atuou na organização da 7ª Conferência Nacional do PC do
Brasil, realizada no exterior. Conferência que teve um papel fundamental na
remontagem da direção do Partido, fortemente atingida pela Chacina da Lapa,
ocorrida em 1976. João Amazonas sublinhava que Arruda era um dos melhores
organizadores que o Partido teve.
Além de
organizador do Partido, ele também se dedicou à formação política, ideológica e
teórica dos militantes e dirigentes comunistas. Nesta frente de trabalho,
incentivou a criação dos inúmeros cursos de marxismo-leninismo na primeira
década de 1950, com destaque para os cursos Lênin e Stalin. Também criou as
condições para que dezenas de brasileiros conseguissem estudar na Escola
Superior do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) entre 1952 e 1956.
Após o golpe
militar de 1964 ele continuou seu esforço na formação de quadros comunistas,
especialmente jovens. Por onde chegava, logo tomava a iniciativa de organizar
um curso de marxismo-leninismo, fosse na prisão (como no presídio Tiradentes),
fosse no exílio dentro de uma embaixada estrangeira. Muitos conheceram Arruda
dessa forma.
Na segunda
metade da década de 1970 redigiu uma série de artigos para formação ideológica
da militância, como “Ser Comunista: opção cotidiana”. Neles, disseminou valores
de dedicação à causa revolucionária e ao Partido. Fidelidade que teve
oportunidade de demonstrar nas duríssimas condições tanto no Estado Novo quanto
na ditadura militar, quando foi preso e sofreu bárbaras torturas que abalaram
seriamente sua saúde.
O documento do
Comitê Central que sistematiza a trajetória de 90 anos de luta de nosso Partido
apresenta o nome de Arruda entre os expoentes da segunda geração de comunistas,
entre os quais também eram integrantes Luiz Carlos Prestes, Maurício Grabois,
João Amazonas, Pedro Pomar, Carlos Marighella, Mário Alves, dentre outros.
Para
homenagear Arruda, sua memória e seu legado, vamos destacar episódios de sua
vida e contribuições de sua trajetória revolucionária.
A vida e
militância de Diógenes de Arruda Câmara
Diógenes Alves
de Arruda Câmara nasceu em 23 de dezembro de 1914 no pequeno município de
Afogados de Ingazeira, sertão de Pernambuco. Um lugar marcado pela pobreza e
pela violência. Viveu sua infância ouvindo histórias fantásticas de cangaceiros
e suas lutas contra as volantes do governo. Arruda, pela vida toda, carregou
consigo o espírito daquele menino sertanejo.
Em Recife
passou a cursar engenharia e teve contato com a literatura socialista. Em 1934
se tornou militante do Partido Comunista do Brasil. Mudou-se então para a Bahia
e matriculou-se em Engenharia Agronômica. Ali se transformou num atuante líder
estudantil e comandou a campanha em defesa da siderurgia nacional.
Após o golpe
do Estado Novo, Arruda passou alguns meses preso. Devido à sua combatividade e
grande capacidade de organização, foi chamado a assumir o cargo máximo da
direção estadual do PCB. Ainda na Bahia incentivou a criação da revista Seiva,
que procurava articular todas as correntes democráticas e antifascistas no
Estado.
Preso
novamente, foi torturado durante dois meses e ficou mais oito meses
incomunicável. O jovem dirigente comunista teve um comportamento digno,
ganhando o respeito dos seus pares. Após ter sido libertado, transferiu-se para
São Paulo com o objetivo de reorganizar o Partido, que fora desbaratado pela
polícia.
No início de
1942 viajou à Argentina para restabelecer contatos com a Internacional
Comunista (IC). A linha política aprovada era a de construir uma União
Nacional, ao lado do governo Vargas, contra as potências nazifascistas e seus
aliados. Arruda voltou ao país com essa diretiva e com a tarefa de apressar a
reorganização do PC do Brasil. Procurou Maurício Grabois e Amarílio
Vasconcelos. Juntos compuseram a Comissão Nacional de Organização Provisória
(CNOP). A ela se agregaram outros dois jovens comunistas: João Amazonas e Pedro
Pomar. Eles formariam o núcleo principal da direção nos 15 anos seguintes.
A principal
tarefa dessa comissão foi a organização de um Conferência Nacional do PC do
Brasil – que foi realizada em 1943 e ficou conhecida como Conferência da
Mantiqueira. Nela, Arruda foi eleito secretário nacional de Organização. Sinal
do reconhecimento de seu trabalho naquele difícil processo de reestruturação do
partido, ainda sob a ditadura varguista.
Com a
conquista da anistia e o fim do Estado Novo, o Partido Comunista emergiu como
uma poderosa força política nacional.
Nas eleições
de 1947 elegeu-se deputado federal por São Paulo pela legenda do Partido Social
Progressista (PSP). A candidatura por essa sigla se deu por uma flexão tática,
fato que salvou o seu mandato, quando da cassação dos parlamentares eleitos
pela legenda comunista em janeiro de 1948. Arruda ainda esteve ainda à frente
da organização do 4º Congresso do PCB, realizado em 1954 – no qual ele
apresentou o informe mais importante, que tratava do novo programa – o primeiro
desde a sua fundação.
Arruda estava
no auge do seu prestígio. Prova disso está no fato de o escritor Jorge Amado
ter-lhe dedicado a trilogia Subterrâneos da Liberdade, na qual é um dos
personagens mais significativos: o camarada André. Contudo, a partir de 1956,
depois do 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética que desencadeou
a divisão no movimento comunista internacional e impactou os partidos
comunistas do mundo inteiro, os papéis de Arruda e de outros dirigentes do PCB
passaram por sobressaltos.
A partir desse
episódio, o núcleo dirigente do PCB passou a ser duramente criticado nas
reuniões do próprio Comitê Central. O principal alvo dos ataques foi Diógenes
Arruda, secretário nacional de Organização.
Em 1957
Arruda, Grabois e Amazonas foram destituídos da Comissão Executiva do PCB em
decorrência do embate que se estabelecera no âmbito do Partido entre a corrente
revolucionária, da qual Arruda e seus camaradas já citados eram integrantes, e
a corrente revisionista.
Entre 1961 e
1962, a crise interna agravou-se, levando à reorganização do Partido Comunista
do Brasil, (que passou a adotar a sigla PCdoB), se confrontando com o Partido
Comunista Brasileiro (PCB). Arruda manteve-se equidistante desse confronto. E
tal situação se prolongou até as vésperas do golpe militar, quando começou a
entrar em contato com o PCdoB.
Ele retorna
então a seu antigo Partido, incorporando-se à terceira geração: a dos
reorganizadores. Por volta de 1966 ele já compunha a direção do PCdoB paulista.
Ficou responsável, entre outras tarefas, por dar assistência às bases
estudantis. Foi quase um recomeço para um homem que já tinha 54 anos, dos quais
33 dedicados à construção do Partido Comunista.
Com o golpe, o
cerco ia se fechando contra os comunistas e Arruda seria preso por agentes da
Operação Bandeirante em novembro de 1969. Ele foi barbaramente torturado nos
porões do DOPS e do Cenimar. Nas sessões de tortura teve duas paradas
cardíacas, perdeu um dos pulmões e uma das vistas e teve seus dedos quebrados
para que não mais pudesse escrever. Não disse uma só palavra que pudesse
comprometer seus camaradas. Na sua defesa, diante da auditoria militar,
declarou: “Sou dirigente comunista. Não presto contas senão ao meu partido e ao
povo. Minhas ideias marxistas e minha honra têm maior valor que minha vida”.
Arruda foi
libertado apenas em 21 de março de 1972. O partido sabia que uma nova prisão
lhe seria fatal. Por isso, a direção solicitou-lhe que deixasse o país e fosse
ajudar no setor de relações internacionais, colaborando na divulgação da
Guerrilha do Araguaia que havia se iniciado.
Arruda foi
para o Chile, presidido por Salvador Allende. Lá articulou com outros exilados
a construção do comitê de solidariedade à luta do povo brasileiro. E, quando
houve o golpe militar chileno, em 11 de setembro de 1973, Arruda, depois de
ficar por cerca de um mês refugiado na Argentina, conseguiu asilo na França.
Arruda
passaria a cuidar das relações com os partidos marxista-leninistas da Europa.
Nessa condição visitou a Albânia, Itália, Suécia e Portugal – e, também, a
China. Em Portugal deu grande contribuição para a organização do Partido
Comunista Português Reconstruído (PCP-R) e da União Democrática e Popular
(UDP).
Entre o final
de 1972 e o início de 1973 foi destroçada a comissão nacional de organização do
PCdoB – com a morte de Carlos Danielli, Lincoln Oest, Luiz Guilhardini e
Lincoln Bicalho Roque. A situação se agravaria ainda mais com a derrota da
Guerrilha do Araguaia e o assassinato da maioria dos seus combatentes,
inclusive seu comandante Maurício Grabois. Pouco tempo depois, em dezembro de
1976, caiu nas mãos da repressão uma reunião do Comitê Central, quando foram
assassinados três de seus dirigentes nacionais: Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e
João Batista Drummond.
O Partido
Comunista do Brasil estava desafiado a se reestruturar novamente. Os dirigentes
que estavam no exterior – João Amazonas, Arruda Câmara, Dynéas Aguiar e Renato
Rabelo – começaram a restabelecer os contatos com os comitês que ainda
resistiam no interior do país. Trabalho que em pouco tempo foi concluído. A 7ª
Conferência reuniu-se na Albânia entre 1978 e 1979 e Arruda estava entre seus
principais animadores.
Após a Chacina
da Lapa, Arruda escreveu uma série de artigos sobre os deveres da militância
comunista. Esses artigos, posteriormente, foram publicados em A educação
revolucionária do comunista e cumpriram um grande papel na formação ideológica
dos comunistas nos estertores da ditadura militar.
Outra
característica de Arruda era sua grande preocupação com a formação teórica dos
militantes comunistas. Sobre isso, anos mais tarde, disse Amazonas: “Onde
Arruda chegava já estava pensando em fazer algumas palestras sobre problemas
teóricos e, em pouco tempo, organizava um curso (...). Foi o camarada Arruda
que iniciou os cursos Stalin (na década de 1950). (...) Eles jogaram um papel
importante na formação dos quadros do nosso Partido (...). Depois, conseguiu
que, na escola Superior do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética,
se realizassem cursos para os comunistas brasileiros. (...) Esse capital
teórico que adquirimos foi fruto da atividade do camarada Arruda”. Na década de
1960, organizou uma série de cursos para os jovens estudantes comunistas em São
Paulo. Também deu aulas de marxismo-leninismo no presídio Tiradentes. A mesma
coisa fez no Chile, na Argentina e na Albânia para a pequena comunidade de
comunistas brasileiros.
No exílio
Arruda participou da luta pelas liberdades políticas e pela anistia no Brasil.
Esteve presente e falou no Congresso Internacional pela Anistia Ampla Geral e
Irrestrita, realizado em Roma em junho de 1979. Em setembro desse mesmo ano,
após a decretação da anistia, ele retornou ao Brasil e envolveu-se numa pesada
agenda política. Ele percorreu vários estados defendendo a ampliação da anistia
e a unidade da oposição contra a ditadura militar. A volta ao Brasil parece
ter-lhe revigorado as energias. Mas os anos de perseguição e as torturas
cobrariam o seu preço.
No dia 25 de
novembro, Arruda organizava a recepção ao camarada João Amazonas que retornava
do exílio. Ele estava muito ansioso. Nada poderia dar errado na chegada do
principal dirigente do PCdoB. Quando o avião aterrissou no aeroporto de
Congonhas, se colocou ao lado do velho amigo. A emoção e a tensão eram grandes
naquele ambiente. Ainda dentro do carro que os levaria ao ato público, começou
a passar mal. O coração sertanejo marcado pelas torturas não resistiu. Arruda
estava morto.
O enterro
acabou se transformando na primeira manifestação pública realizada pelo PCdoB.
O caixão foi coberto por uma bandeira vermelha estampada com a foice e o
martelo.
“Juntamente com as flores da nossa saudade”,
declarou ela, “deixamos o nosso adeus de despedida. Mas um adeus que é também
um compromisso de honra. O compromisso de que, quaisquer que sejam as
vicissitudes, levaremos adiante a bandeira que ele sempre defendeu. A bandeira
do Partido, a bandeira do socialismo”.
Viva o
Centenário de Diógenes Arruda Câmara!
São Paulo, 19
de dezembro de 2014
*Renato Rabelo
é presidente do Partido Comunista do Brasil - PCdoB
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