O momento político e os constrangimentos financeiros
O novo governo da
presidenta Dilma defronta-se com velhos e cruciais problemas na economia. Desde
sempre, constata-se, como voz geral, de que é preciso aumentar substancialmente
o investimento para que a economia brasileira possa ter uma evolução com taxas
mais elevadas e mais sustentadas de crescimento.
Por Renildo Souza*
Por Renildo Souza*
Mas, no momento, o cerco político em curso e a
exasperação das forças oposicionistas colaboram para a construção de um impasse
na economia. Há método e estratégia: plantar dificuldades políticas para colher
interesses econômicos conservadores. Ou plantar impasse econômico para golpear
o governo eleito. Assim, estão postas as coisas neste instante no Brasil.
Aqui, não cabem dúvidas sobre a natureza dos problemas brasileiros no cruzamento da economia com a política, neste instante. Portanto, diga-se mais uma vez: a oligarquia financeira, imbricando as frações diversas de capitais da produção e da finança, beneficia-se do caso particularíssimo brasileiro de ganhos estratosféricos permanentes no mercado financeiro. É o excepcionalíssimo brasileiro. Para isso, as taxas de juros precisam ter o estatuto de saque aberto contra a maioria da população. Para isso, o Estado tem de transferir renda, através do orçamento público, para o parasitismo do rentistas, detentores de títulos.
Os capitais estrangeiros já descobriram o maná e todos querem um tanto. A última moda, que vicejou muito durante os últimos quatro anos, foi a entrada de capitais estrangeiros, como se fossem investimento externo direto (IED), nas transações entre matriz e filiais de empresas multinacionais, para, fraudulentamente, obter ganhos com aplicações financeiras no Brasil. O cúmulo é a obtenção de recursos do BNDES, com taxas de juros subsidiadas pelo Tesouro Nacional, para que empresas, em vez de investir na produção, aprofundem suas apostas especulativas no mercado financeiro.
Nessas condições financeiras especialíssimas do Brasil, matando de inveja os operadores de Wall Street, o investimento e o consumo são duramente constrangidos. Por aqui, só se admite investimento produtivo se as margens de lucro forem absurdas. O lucro da empresa tem que ser muitíssimo alto, senão é melhor simplesmente aproveitar as benesses das aplicações financeiras. Qualquer recuo no tamanho da rentabilidade, empresários revoltam-se, o mercado fica “nervoso”, a bolsa cai, a imprensa grita histérica, e, assim, nessa toada, as empresas engavetam os planos de investimento. Por conseguinte, o ritmo de crescimento da economia é tão trôpego, tão medíocre. Voo de galinha. Ou stop-and-go.
Mas o melhor é o diagnóstico alardeado para esse estado de coisas na economia. Enchem o peito e sentenciam, com rara desfaçatez: o país não cresce, porque há Estado demais, intervencionismo contra o mercado, populismo distributivista, gastança fiscal, desperdício governamental, ineficiência pública, corrupção....
Por que a campanha eleitoral (e o país) embicou para tanta celeuma, tanta paixão, sobre Banco Central, banqueiros e juros? Por que isso beneficiou a candidata Dilma? Ou melhor, por que Joaquim Levy assume o principal ministério no novo governo Dilma? Há uma percepção, embora difusa, sobre os efeitos perversos da forma brasileira de organização financeira. Efeitos perversos, que são sofridos pela maioria dos brasileiros. A resposta para a ascensão de Levy só pode ser a contingência do cerco político sobre a presidenta Dilma. É uma evidência do poder imenso, uma demonstração dos recursos políticos descomunais concentrados nas mãos da pequena minoria – rentistas, bancos e empresas -, cevada nos ganhos espetaculares do mercado financeiro. E tudo isso, na política, neste momento, funciona como chantagem, ultimato. Levy é uma concessão. Concessões, recuos e acordos são manobras usuais, ditadas pela correlação de forças. Armas da política. Assim, o controle da política econômica será objeto de novas rodadas de disputa e conflito por dentro do governo. Mas a “concessão Levy” é restringida pelos seguintes fatores: há uma presidente vitoriosa, um governo eleito, um novo mandato. Há um lado que ganhou. Há uma trajetória política recente percorrida pelo maioria do povo. Há expectativas e aspirações dessa maioria.
Simplismo não ajuda em nada na interpretação de fenômenos complexos. Toda a carga de denúncia sobre as características e os movimentos do mercado financeiro no Brasil não pode negar a importância, no capitalismo, da centralização dos recursos, do sistema de crédito e da constituição do mercado de capitais para a modernização e dinamismo da economia. Era Marx que destacava o papel da bolsa e das sociedades anônimas para viabilizar as gigantescas construções ferroviárias na Inglaterra. Ou, nos nossos tempos, no início da década de 1990, vale lembra que a China abriu as bolsas de Xangai e Shenzen. Para não falar dos perigos da fragilidade de bancos, como se viu e ainda se vê, na atual crise global, tanto nos Estados Unidos como Europa.
Todavia, aqui no Brasil, sobretudo nos anos 1990 e 2000, cristalizou-se uma versão de mercado financeiro centrado em explosivos e insustentáveis ganhos. Os percentuais exibidos pela rentabilidade dos bancos no Brasil despertam inveja aos maiores bancos do mundo. Aqui, a economia pode entrar em recessão, a indústria pode afundar, mas os lucros fabulosos são garantidos, inabaláveis. Troca-se, supostamente, solidez bancária por juros extorsivos. Expõem-se espantalhos: a quebra de um banco pode arrastar o resto, configurando o que os economistas chamam de “crise sistêmica”, referindo-se a um colapso do setor bancário, contaminando toda a economia. Mas o fato é que uma taxa de real de retorno de 3% em uma aplicação nos Estados Unidos é considerado, em qualquer época, como um ganho excelente, enquanto aqui no Brasil acostumaram-se, e gostaram, de ganhos reais três vezes maiores do que se pratica nos principais mercados financeiros internacionais.
A estruturação e o funcionamento do mercado financeiro brasileiro tornaram-se perigosamente descolados dos investimentos nas atividades produtivas, além das relações parasitárias com o orçamento público. A tarefa de reforma financeira no Brasil para a construção de padrões e estruturas consentâneas com o financiamento do desenvolvimento é uma tarefa extremamente difícil nesses tempos de capitalismo duro, desregulado, senhor do mundo. Por aqui, neste instante, pintam um quadro catastrofista, exigindo encolhimento do Estado. Para os conservadores, 2015 (e talvez também 2016) tem que ser o ano do ajuste (sic): cortes de gastos e aumento de juros. Contudo, sabemos, que essa é a receita, certa e certeira, para o precipício recessivo, para o sofrimento do povo, para a reversão das parcas conquistas dos trabalhadores. 2015 não é 2003, que terminou com brutais 13% de desemprego. 2015 não é 2011, que enfiou, com duras políticas fiscal e monetária, o primeiro governo Dilma na rota inapelável do crescimento econômico medíocre.
É nesse quadro de chantagens políticas e perigos econômicos que se moverá o segundo governo Dilma. É nesse quadro conflituoso que os trabalhadores lutarão, o povo se manifestará. É nesse quadro que se conta com as possibilidades de influência progressista do novo governo sobre o curso da economia e dos direitos sociais da maioria dos brasileiros.
*Renildo Souza é economista, professor universitário na Bahia e membro do Comitê Central do PCdoB desde 1988.
Aqui, não cabem dúvidas sobre a natureza dos problemas brasileiros no cruzamento da economia com a política, neste instante. Portanto, diga-se mais uma vez: a oligarquia financeira, imbricando as frações diversas de capitais da produção e da finança, beneficia-se do caso particularíssimo brasileiro de ganhos estratosféricos permanentes no mercado financeiro. É o excepcionalíssimo brasileiro. Para isso, as taxas de juros precisam ter o estatuto de saque aberto contra a maioria da população. Para isso, o Estado tem de transferir renda, através do orçamento público, para o parasitismo do rentistas, detentores de títulos.
Os capitais estrangeiros já descobriram o maná e todos querem um tanto. A última moda, que vicejou muito durante os últimos quatro anos, foi a entrada de capitais estrangeiros, como se fossem investimento externo direto (IED), nas transações entre matriz e filiais de empresas multinacionais, para, fraudulentamente, obter ganhos com aplicações financeiras no Brasil. O cúmulo é a obtenção de recursos do BNDES, com taxas de juros subsidiadas pelo Tesouro Nacional, para que empresas, em vez de investir na produção, aprofundem suas apostas especulativas no mercado financeiro.
Nessas condições financeiras especialíssimas do Brasil, matando de inveja os operadores de Wall Street, o investimento e o consumo são duramente constrangidos. Por aqui, só se admite investimento produtivo se as margens de lucro forem absurdas. O lucro da empresa tem que ser muitíssimo alto, senão é melhor simplesmente aproveitar as benesses das aplicações financeiras. Qualquer recuo no tamanho da rentabilidade, empresários revoltam-se, o mercado fica “nervoso”, a bolsa cai, a imprensa grita histérica, e, assim, nessa toada, as empresas engavetam os planos de investimento. Por conseguinte, o ritmo de crescimento da economia é tão trôpego, tão medíocre. Voo de galinha. Ou stop-and-go.
Mas o melhor é o diagnóstico alardeado para esse estado de coisas na economia. Enchem o peito e sentenciam, com rara desfaçatez: o país não cresce, porque há Estado demais, intervencionismo contra o mercado, populismo distributivista, gastança fiscal, desperdício governamental, ineficiência pública, corrupção....
Por que a campanha eleitoral (e o país) embicou para tanta celeuma, tanta paixão, sobre Banco Central, banqueiros e juros? Por que isso beneficiou a candidata Dilma? Ou melhor, por que Joaquim Levy assume o principal ministério no novo governo Dilma? Há uma percepção, embora difusa, sobre os efeitos perversos da forma brasileira de organização financeira. Efeitos perversos, que são sofridos pela maioria dos brasileiros. A resposta para a ascensão de Levy só pode ser a contingência do cerco político sobre a presidenta Dilma. É uma evidência do poder imenso, uma demonstração dos recursos políticos descomunais concentrados nas mãos da pequena minoria – rentistas, bancos e empresas -, cevada nos ganhos espetaculares do mercado financeiro. E tudo isso, na política, neste momento, funciona como chantagem, ultimato. Levy é uma concessão. Concessões, recuos e acordos são manobras usuais, ditadas pela correlação de forças. Armas da política. Assim, o controle da política econômica será objeto de novas rodadas de disputa e conflito por dentro do governo. Mas a “concessão Levy” é restringida pelos seguintes fatores: há uma presidente vitoriosa, um governo eleito, um novo mandato. Há um lado que ganhou. Há uma trajetória política recente percorrida pelo maioria do povo. Há expectativas e aspirações dessa maioria.
Simplismo não ajuda em nada na interpretação de fenômenos complexos. Toda a carga de denúncia sobre as características e os movimentos do mercado financeiro no Brasil não pode negar a importância, no capitalismo, da centralização dos recursos, do sistema de crédito e da constituição do mercado de capitais para a modernização e dinamismo da economia. Era Marx que destacava o papel da bolsa e das sociedades anônimas para viabilizar as gigantescas construções ferroviárias na Inglaterra. Ou, nos nossos tempos, no início da década de 1990, vale lembra que a China abriu as bolsas de Xangai e Shenzen. Para não falar dos perigos da fragilidade de bancos, como se viu e ainda se vê, na atual crise global, tanto nos Estados Unidos como Europa.
Todavia, aqui no Brasil, sobretudo nos anos 1990 e 2000, cristalizou-se uma versão de mercado financeiro centrado em explosivos e insustentáveis ganhos. Os percentuais exibidos pela rentabilidade dos bancos no Brasil despertam inveja aos maiores bancos do mundo. Aqui, a economia pode entrar em recessão, a indústria pode afundar, mas os lucros fabulosos são garantidos, inabaláveis. Troca-se, supostamente, solidez bancária por juros extorsivos. Expõem-se espantalhos: a quebra de um banco pode arrastar o resto, configurando o que os economistas chamam de “crise sistêmica”, referindo-se a um colapso do setor bancário, contaminando toda a economia. Mas o fato é que uma taxa de real de retorno de 3% em uma aplicação nos Estados Unidos é considerado, em qualquer época, como um ganho excelente, enquanto aqui no Brasil acostumaram-se, e gostaram, de ganhos reais três vezes maiores do que se pratica nos principais mercados financeiros internacionais.
A estruturação e o funcionamento do mercado financeiro brasileiro tornaram-se perigosamente descolados dos investimentos nas atividades produtivas, além das relações parasitárias com o orçamento público. A tarefa de reforma financeira no Brasil para a construção de padrões e estruturas consentâneas com o financiamento do desenvolvimento é uma tarefa extremamente difícil nesses tempos de capitalismo duro, desregulado, senhor do mundo. Por aqui, neste instante, pintam um quadro catastrofista, exigindo encolhimento do Estado. Para os conservadores, 2015 (e talvez também 2016) tem que ser o ano do ajuste (sic): cortes de gastos e aumento de juros. Contudo, sabemos, que essa é a receita, certa e certeira, para o precipício recessivo, para o sofrimento do povo, para a reversão das parcas conquistas dos trabalhadores. 2015 não é 2003, que terminou com brutais 13% de desemprego. 2015 não é 2011, que enfiou, com duras políticas fiscal e monetária, o primeiro governo Dilma na rota inapelável do crescimento econômico medíocre.
É nesse quadro de chantagens políticas e perigos econômicos que se moverá o segundo governo Dilma. É nesse quadro conflituoso que os trabalhadores lutarão, o povo se manifestará. É nesse quadro que se conta com as possibilidades de influência progressista do novo governo sobre o curso da economia e dos direitos sociais da maioria dos brasileiros.
*Renildo Souza é economista, professor universitário na Bahia e membro do Comitê Central do PCdoB desde 1988.
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