Cria corvos e eles te comerão os olhos
João Quartim de Moraes, no portal da Fundação Maurício
Grabois
Khadafi foi eliminado não por ser um ditador, um tirano, como rosnam os
“poodles” da mediática pro-imperialista, mas por ter financiado a campanha
presidencial de Sarkozy em 2007. Matar um credor é um método eficiente para não
pagar dívidas. Com o desmantelamento do Estado líbio, um imenso fluxo de
imigrantes do norte da África dirigiu-se ao litoral mediterrâneo para tentar a
perigosa e muitas vezes letal travessia rumo à Europa rica.
Os massacres
balísticos desfechados no Afeganistão (2001) e no Iraque (1990, 2003) pelo
bloco imperialista hegemônico tiveram custo muito alto e resultados não
garantidos para os agressores. A chamada “primavera árabe”, expressão que hoje
soa como uma ironia macabra, propiciou-lhes a ocasião de retomar, em 2011, a
tenebrosa tentativa de recolonização do Médio Oriente, lançando contra a Líbia
de Khadafi uma “blitzkrieg” que arruinou a infra-estrutura econômica do país e
destruiu sua organização administrativa. Desta vez a relação custo/benefício
foi melhor para os assaltantes, principalmente para o consórcio
franco-britânico Sarkozy/Cameron, que se encarregou do massacre balístico. As
consequências perversas dessa bestial destruição não se limitaram aos mortos e
mutilados, às ruinas e ao cruel desamparo em que foram lançados os sobreviventes
das cidades e áreas alvejadas pelos “bombardeios humanitários” despejados pelos
valentões da Otan. Estimulado pelo desmantelamento do Estado líbio, que deixou
as fronteiras do país praticamente sem controle policial e administrativo, um
imenso fluxo de imigrantes dos países pobres do norte da África dirigiu-se ao
litoral mediterrâneo para tentar a perigosa e muitas vezes letal travessia rumo
à Europa rica.
Consta que a
desgraça da Líbia foi extremamente benéfica para Sarkozy, que devia uma fortuna
a Khadafi. Derrubando-o e assassinando-o, a tropa de choque colonialista
proporcionou um grande alívio financeiro ao então presidente da França. Embora
protegido pelo silêncio cúmplice dos donos da notícia (da Agência France Presse
ao Le Monde), Sarkozy tem sido denunciado por grupos de informação
independentes (ver em especial o artigo de Edwy Plenel “Kadhafi : la vérité
qu’ils veulent étouffer” no “site” Mediapart, datado de 17 de novembro de
2014), que exibem fortes indícios de que Khadafi foi eliminado não por ser um
ditador, um tirano, como rosnam os “poodles” da mediática pro-imperialista, mas
por ter financiado a campanha presidencial de Sarkozy em 2007. Matar um credor
é um método eficiente para não pagar dívidas.
Em março de
2011, enquanto a dupla Sarkozy/Cameron, com o beneplácito de Obama, bombardeava
pesadamente a Líbia, bandos de pistoleiros profissionais, apresentados
simpaticamente pelos jornais e TVs do bloco hegemônico como membros de um recém
criado “Exército Sírio Livre” (ESL), desfecharam um levante visando a derrubar
o presidente Bashar al-Assad. Começava mais uma primavera de sangue. O ódio dos
colonialistas e de seus satélites feudal-petroleiros a Assad provém de motivos
substancialmente semelhantes aos que inspiraram o aniquilamento balístico do
Iraque em 2003 e da Líbia em 2011. Os três países eram governados por regimes
laicos, oriundos da luta anti-imperialista das nações árabes, embora em nenhum
deles houvesse uma “democracy” no sentido ocidental do termo. Mantinham, dentro
dos limites das fortes pressões impostas pelo imperialismo, uma política
externa independente, sustentando a resistência palestina ao facho-sionismo.
Eram fortes exportadores de petróleo de muito boa qualidade. Os três, enfim
enfrentavam uma oposição heterogênea, em que pontificavam provocadores
diretamente a soldo dos “serviços especiais” (CIA e sucursais europeias),
liberais de direita pro-imperialistas e fundamentalistas islâmicos de
extrema-direita.
Desde o início
da desestabilização da Síria, os poucos observadores que se recusaram a uivar
com a matilha colonialista avisavam que, à parte alguns figurões liberais
engravatados posando nas chancelarias ocidentais, o grosso da tropa do ESL era
composto de poucos sírios e de muitos fanáticos wahhabistas, seita sunita
fundada por Ibn Abdelwahhab, reformador fundamentalista estreitamente ligado
aos emires que fundaram o reino feudal da Arábia Saudita, com o beneplácito do
Império britânico. Nos vídeos que exibem as mortíferas operações do ESL,
fartamente divulgados pela CNN, BBC e Al Jazeera (emissora do emir de Qatar),
ouvia-se sempre, quando a fuzilaria se interrompia, o brado “Allah akbar”
(=Deus é o maior). Enquanto esses brados religiosos rituais comemoraram ataques
contra as forças do governo sírio, eles foram alegremente acolhidos pelos
papagaios do cartel mediático imperialista.
Os governos do
“Ocidente” só se comoveram quando os terroristas sunitas, armados, equipados e
exportados pela Arábia Saudita e Qatar, com apoio do solerte Erdogan da
Turquia, após se implantarem no caótico Iraque, arrasado dez anos antes pelo
genocida Bush, passaram a desenvolver seus próprios planos, fundando um Estado
teocrático islâmico e exibindo imagens de execuções em massa, inclusive de
prisioneiros ocidentais. Os donos da Otan deixaram então de fornecer bombas aos
“rebeldes” e passaram a bombardeá-los. Mas não renunciaram ao objetivo
principal: como haviam feito com Saddam Hussein e Khadafi, assassinando Assad
queriam dar um grande passo adiante na recolonização do Médio Oriente.
Mesmo perante
a chacina do Charlie Hebdo, no dia 11 de janeiro de 2015 em Paris, os
governantes ocidentais recusaram-se a reconhecer que o regime pluriconfessional
da Síria era a única muralha efetiva contra os serial-killers do obscurantismo
wahhabista. Foi somente onze meses depois, reagindo ao morticínio da noite de
13 para 14 de novembro em Paris, que o governo francês decidiu anunciar uma
mudança estratégica, abandonando o objetivo prioritário de derrubar Assad e
buscando aproximação com as posições sustentadas por Putin: o inimigo a
aniquilar é o “califado” sunita (ou Daesh, conforme seu acrônimo árabe). Obama,
porém confirmando seu título de “king of drones”, continua com a estupidamente
falaciosa tentativa de derrubar Assad, mas também conter as serpentes que a CIA
e o Pentágono durante anos ajudaram a proliferar.
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