Um promotor enviesado e
investigações em esferas diferentes afetam a isenção das apurações
Pedro Estevam Serrano, na Carta Capital
A questão das investigações contra o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, pelas obras realizadas em sítio que
frequentava e adesão a uma cooperativa de construção de edifício no Guarujá
(SP), traz aspectos relevantes não veiculados pela mídia.
Sem me alongar, num artigo de opinião, sobre aspectos técnicos do
Direito, saltam aos olhos as ações de exceção, suspensivas de direitos
fundamentais do investigado, que em diversos foros têm ocorrido
contra o ex-presidente.
Investigado por um membro do Ministério Público, não eleito para
tanto segundo as normas regulamentares para presidir a referida investigação e
que deu entrevista a órgão de imprensa antes de concluir a investigação,
declarando que já considerava Lula como responsável pela suposta conduta
ilícita, teve tais irregularidades apreciadas por julgamento do Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP), por conta de representação oposta pelo
deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP).
A decisão do conselho é uma pérola de incoerência. Em essência,
reconhece que a forma de atribuição da investigação ofendeu o principio do
promotor natural – ou seja, aquele eleito para comandar a investigação segundo
as regras que presidem a instituição – mas, pasmem, manteve a investigação sob
comando do mesmo promotor alegando precedência da segurança jurídica.
Como se o “promotor natural’ contrariasse a “segurança
jurídica" e não a garantisse.
Um dos elementos fundamentais da segurança jurídica nos
procedimentos de investigação é o da isenção de quem investiga, que se garante
também através de mecanismos isonômicos de sua escolha para o caso (promotor
natural). Esse mecanismo é um dos que garante que a lei será cumprida sem
pré-julgamentos ou pré-juizos, aspecto fundamental da segurança jurídica
(legalidade é feita para garantir segurança, dentre outros valores).
Tratou-se do uso equivocado de uma teoria da moda no âmbito do
direito, formulada pelo jurista alemão Robert Alexy, chamada de ponderação de
princípios.
Prometi não me alongar em juridicidades, mas o uso da teoria,
explícita ou implicitamente, da forma como fez o CNMP, contraria o que pensa
seu próprio autor. O “promotor natural" não é um comando de otimização,
assim, na perspectiva de Alexy, é regra e não principio, não cabendo ser ponderada.
Da mesma forma, o autor alemão formulou sua teoria para restringir ou mitigar a
liberdade subjetiva do julgador ao decidir, e não ampliá-la, como fez a decisão
do conselho.
Além disso, contraditoriamente, o conselho determinou abertura de
apuração disciplinar contra o promotor por sua manifestação condenatória
prematura na mídia. Independente da culpa ou não do agente do MP, a conduta que
ensejou a investigação disciplinar não recomenda sua manutenção no comando das
investigações, por haver suspeita de sua parcialidade por pré-juízo acusatório
(sobreposição da hipótese acusatória, a priori, sobre os fatos a serem
apurados).
A defesa do ex-presidente se insurgiu no Supremo Tribunal Federal
contra a existência de duas investigações concomitantes, em esferas diferentes
da federação, para apuração dos mesmos fatos.
Evidente que razão assiste a defesa de Lula. Uma grave ofensa ao
investigado ter uma mesma conduta, que lhe é imputada criminalmente, apurada ao
mesmo tempo pelas esferas estadual e federal. Ou uma ou outra.
Não há outro caminho ao STF se não definir pela competência de uma
ou outra esfera do MP, federal ou estadual, para apuração dos fatos.
Até que esta definição ocorra é de cautela própria do bom direito
que as autoridades de ambas as esferas abstenham-se de praticar atos
apuratórios, para que a investigação não ocorra por autoridade incompetente,
como forma de garantia dos direitos do investigado, mas também de legalidade da
apuração e não nulidade de seus atos.
Aparentemente, esta cautela não tem sido observada. A mídia chegou
a noticiar a intimação para que o ex-presidente comparecesse para depoimento,
sob pena de condução coercitiva, em dois dias e horários diferentes. Um
evidente erro o uso da condução coercitiva de um investigado, que sequer é
obrigado a declarar nada, erro do qual, inclusive, se escusou o membro do
MP.
É dever do Estado e direito do investigado, segundo nossa
Constituição e nossa legislação processual penal, a manutenção de seu status
moral.
Em casos rumorosos, a preservação maior possível da imagem do
investigado é um ônus de quem investiga. Por isso, em casos desta natureza é
comum o membro do MP ou o delegado de polícia acordarem com os advogados do
investigado data e hora para sua apresentação voluntária e pacífica.
Tal forma de proceder, corrente e adequada, não tem sido adotada
com relação aos investigados na operação Lava Jato e ao ex-presidente. Ao
contrário, parece que prefere-se o uso de mecanismos estrepitosos de convocação
e depoimento.
Somados tais fatos aos já muito falados vazamentos indevidos, o
que se observa não é um agir de acordo com o Direito. Mas um agir de exceção
por parte de nosso sistema penal, que a história registra e, chegará o dia,
cobrará de seus agentes, ao menos no plano histórico, as ofensas ao Estado
constitucional e Democrático de Direito.
Diga-se que o articulista não se põe contra que o ex-presidente,
como qualquer cidadão, seja investigado por qualquer conduta tida, em tese,
como ilícita, desde que o seja por razões e métodos de direito e não “de
direita".
Aguardamos que o STF saiba corrigir tais excessos.
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