Luciano Siqueira, no Blog da Folha
A assunção de Lula à presidência da República, em 2003,
deflagrou um ciclo de mudanças que, a nosso juízo, poderia ganhar dimensão tal
que mexeria com elementos estruturais da sociedade brasileira.
Uma empreitada dura e difícil: proceder a transição da ordem
neoliberal vigente a um novo projeto nacional de desenvolvimento.
Transição que, a exemplo de toda transformação social,
acarretaria trajetória sinuosa, conflitante e de resultados imprevisíveis.
Antecipadamente, não se poderia assegurar quem venceria a
quem: se o novo, que surgia e levaria tempo para se afirmar, ou o velho, que
derrotado nas urnas lançaria mão, em contraposição, todo o arsenal de
artimanhas acumulado pela elite brasileira ao longo de mais de quatro séculos.
Viveríamos, como vivemos, períodos de relativa calmaria,
particularmente nos dois primeiros governos Lula, tirante a crise do chamado “mensalão”.
Àquela altura, conjugaram-se fatores econômicos
internacionais favoráveis com políticas de elevado alcance social e positivas
repercussões sobre a economia interna.
Isto à custa de muitas concessões, diga-se. Os avanços
sociais, a afirmação do Brasil na cena internacional e a prática democrática
ampliada (inclusive com a descriminalização dos movimentos sociais), deram-se
sem ferir interesses fundamentais do setor hegemônico do capital, o rentismo.
Mesmo com a eclosão da crise global, em 2008, até o final de
2014, foi possível manter o dinamismo econômico e a valorização do trabalho a
contento.
Com a terceira fase da crise global, e agora a quarta, que
atingem duramente países emergentes – incluindo o Brasil -, nossa economia põe
a língua de fora e dá sinais de exaustão.
É a crise que vivemos, acrescida da instabilidade política
gerada pela contradição entre a reeleição da presidenta Dilma e a eleição de um
Senado e uma Câmara dos Deputados largamente conservadores.
Somem-se erros políticos do governo e a postura intransigente
da oposição, o País se vê enredado num impasse de difícil solução.
Na base desse impasse, o conflito social real, entre classes
e segmentos de classes beneficiários do período de aquecimento econômico e de
ampliação das conquistas sociais versus a elite dominante (sob a égide aberta
ou velada do capital financeiro).
Retomando o conceito da transição de um modelo a outro, este
é o momento de conflito mais acirrado entre o novo e o velho.
Assim, sob a cortina de fumaça do combate à corrupção –
necessário, justo, oportuno, porém contaminado, na Operação Lava Jato, por
interesses políticos cada vez mais evidentes, o embate entre dois Brasis está
instalado. E vai prosseguir por muito tempo, qualquer que seja o desenlace da
crise política atual.
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