Luís Nassif, no Jornal GGN
Para entender o nosso jogo de xadrez é importante clareza
sobre um divisor de águas: a condução coercitiva de Lula a Congonhas.
Para o juiz, os procuradores justificaram que
a intenção seria proteger a imagem e a integridade de Lula. Na nota oficial, os
procuradores sustentam que pretenderam conferir a Lula o mesmo tratamento
aplicado em 114 réus anteriores. Quem está enganando quem?
A operação fugiu do padrão escracho da Lava
Jato. Lula foi conduzido em sigilo à sala VIP do aeroporto de Congonhas, na
beira da pista, com um jatinho da Polícia Federal no hangar pronto para
decolar.
Pesados todos os fatos e possibilidades, a
hipótese mais robusta foi levantada por José Gregori, ex-Ministro da Justiça do
governo FHC: a intenção era, de fato, prender Lula e conduzi-lo a Curitiba.
No interrogatório havia quatro delegados da
PF e quatro procuradores. À medida que o tempo avançou e divulgou-se a
localização de Lula, de dentro da sala era possível ouvir os urros da multidão
do lado de fora.
Seja lá o que ocorreu, a ida de deputados do
partido a Congonhas, a aglomeração de manifestantes, o fato é que não se
consumou a operação.
No final do dia, um Sérgio Moro visivelmente
assustado com os riscos da operação, soltou a nota oficial explicando que o
pedido partiu dos procuradores, enfatizando a intenção de preservar a imagem e
a integridade de Lula e lançando um apelo pela paz e pela concórdia.
Mesmo com a perspectiva de acirramento de
conflitos de rua, os procuradores da Lava Jato trataram de botar mais óleo na
fervura, soltando a nota em que desmentiam as razões invocadas por Moro e se
comportavam como deuses ex-machina lançando raios do Olimpo.
A história reconhecerá no futuro a enorme
contribuição do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima para expor a
conspiração quase em tempo real. Seu estilo grosseiro, tosco, atropela e expõe
uma estratégia muito mais refinada. Tão refinada que parece difícil que tivesse
sido planejada em Curitiba.
A estratégia se completa com a matéria de
ontem da Folha, de que a
Lava Jato prepara um conjunto de ações de improbidade visando impedir Lula de
concorrer novamente (http://migre.me/tbiYy),
confirmando, aliás, os cenários que venho traçando.
Os dois comunicados, mais as informações
adicionais, colocam, de uma vez, quatro peças a mais no nosso quebra-cabeças.
Peça 1 –
A radicalização é alimentada pelos procuradores da Lava Jato. Mais do que
explicações, a nota oficial dos procuradores é um libelo, antecipando a peça
final da acusação.
Peça 2 –
Moro não é nem nunca foi o cérebro por trás da operação.
Uma operação dessa envergadura não poderia
ter sido obra de um juiz de primeira instância, de um estado pouco relevante
politicamente, conhecido por seu conservadorismo, rígido nas sentenças, mas
tímido, tosco até fora dos limites dos autos. Foi só recuar para ser atropelado
pela Força Tarefa.
Peça 3 –
A Polícia Federal é um mero instrumento nas mãos dos procuradores.
Domingo, o Estadão publicou matéria
condenando os abusos da operação, atribuindo-os à Polícia Federal. Ora, a PF
limitou-se a cumprir um mandado requerido pelos procuradores e autorizado pelo
juiz Moro. Já os procuradores formam um todo coeso, obedecendo a uma estratégia
nítida: a inabilitação política de Lula.
Peça 4 –
Em meio às turbulências políticas, houve o risco de confrontos entre
manifestantes se alastrarem por todo o país. Um mero Procurador Regional de
Curitiba pode definir, por si, a oportunidade de um libelo político com aquele
grau de temperatura?
Aí cabem duas hipóteses:
Hipótese 1 –
O Ministério Público Federal é um arquipélago formado por comitês, regionais
independentes, cada qual com poderes de interferir até nos aspectos
psicossociais do país, sem nenhuma forma de coordenação ou de controle interno.
Hipótese 2 –
há um comando central, de nível hierárquico superior ao dos procuradores do
Paraná.
Em qualquer hipótese se abre um enorme flanco
na armadura institucional do Ministério Público. Quando o modelo de atuação
torna o país refém de um juiz de 1a instância armado por procuradores
regionais beligerantes, há algo de errado na história.
Para entender o jogo, vamos relembrar o
histórico da perseguição a Lula.
A perseguição a Lula
As declarações reiteradas dos procuradores –
que investigam fatos e não pessoas – foram desmentidas cabalmente pela última
operação.
A perseguição a Lula pela Lava Jato começou
em março do ano passado, em cima das investigações da Bancoop pelo Ministério
Público Estadual (MPE).
O site Jota contou em detalhes essa história,
em reportagem de Laura Diniz (http://migre.me/tbiZP).
Em março de 2015 o promotor José Carlos Blat,
do MPE paulista, foi procurado por integrantes da
Força Tarefa da Lava Jato,
para compartilhar informações. Em maio teriam surgido fatos novos em relação à
Bancoop, OAS e o prédio de Guarujá. Blat comunicou à juíza Cristina Ribeiro
Leite Costa, da 5a Vara
Criminal da Capital. Em despacho de 10 de junho, a juíza informou que novas
informações deveriam ser investigadas em separado.
Resolveu-se rapidamente o problema através de
um artifício, uma Representação Criminal combinada com três escritórios de
advocacia que já atuavam no caso Bancoop, dirigidas diretamente ao procurador –
atropelando o conceito de promotor natural, aquele designado por sorteio..
Com o estratagema, o tríplex entrou na Lava
Jato, diz a matéria. E “caídas literalmente do céu”, segundo a reportagem, as
informações sobre a offshore Murray e a Mossak Fonseca, que serviram de
pretexto para a Operação Triplo X.
Caíram do céu da mesma maneira que as
informações iniciais sobre a Petrobras caindo no colo do juiz Moro.
Na mesma época, um obscuro deputado federal
do PSDB do Acre pega matéria de Veja, que falava do sítio de Atibaia, com
informações erradas – atribuindo as obras à OAS – e fez uma representação ao
MPE paulista. O MPE recusou e encaminhou a representação para a Procuradoria
Geral da República. No dia 15 de julho, o próprio PGR Rodrigo Janot encaminhou
a Curitiba, abrindo o segundo duto de bombas contra Lula (http://migre.me/tbj0y).
Na nova etapa, a primeira investida foi sobre
a Mossak Fonseca. A Força Tarefa invadiu os escritórios, deteve funcionários,
recolheu computadores e e-mails. Pouco depois vazou a informação das ligações
da Murray com a casa atribuída à família Marinho em Parati. Imediatamente a
operação Mossak sumiu dos noticiários, os detidos foram imediatamente
liberados, contradizendo todo o padrão da operação até então, demonstrando que
a Lava Jato não investigava fatos, mas pessoas. Aliás, algumas pessoas.
A perseguição a Lula ficou mais nítida no dia
2 de fevereiro, por volta das 18 horas, quando quatro procuradores da Força
Tarefa foram à casa do trabalhador Edivaldo Pereira Vieira. Eram eles,
Athayde Ribeiro Costa, Roberto Henrique Pozzobon, Januario Paludo e Júlio
Noronha.
Não tinham mandado, intimação, apenas suas
carteiras de promotores e o autoconferido poder de investigar. Pressionaram,
constrangeram e intimidaram Edivaldo, um sexagenário humilde, porque era irmão
de Élcio Pereira Vieira, caseiro do Sítio Santa Bárbara – levado em condução
coercitiva na 24a fase
da Operação. Ao final dessa típica batida policial, os procuradores deixaram um
telefone de Curitiba, para o caso de sua presa decidir "colaborar".
Finalmente, com a operação de sexta, se
valeram do estratagema de envolver esposa e filhos de Lula, visando derrubar
emocionalmente o adversário
No decorrer de todo o ano, os vazamentos da
Lava Jato, planejados pelos Procuradores da República e Delegados Federais,
lançaram no ar toda sorte de factoides.
Qualquer suspeita, por mais ridícula que
fosse, era transformada em sentença condenatória, misturando fatos relevantes
com bobagens monumentais. Essa mistura ajudou a alimentar dois sentimentos
conflitantes. Nos especialistas, a convicção de que a Lava Jato perseguia
pessoas, depois ia atrás de qualquer fato que incriminasse o alvo. Nos leigos a
certeza de que havia um ladrão de galinhas no Planalto, pois até suspeitas de
desaparecimento de estátuas e adagas foram ventilada pelo escoadouro montado na
Lava Jato.
E aí alguns fatos incômodos começam a invadir
o raciocínio. Toda a estratégia de mídia foi montada em Brasília, pela própria
Procuradoria Geral da República, assim como o reforço da Força Tarefa e a
ênfase na cooperação internacional.
Seria Janot responsável direto por todos
esses absurdos, ou meramente abriu a porteira e perdeu o controle da boiada?
Vamos avançar no nosso quebra-cabeça, sem
nenhum juízo de valor definitivo.
A Primavera brasileira no início de tudo
O ponto de partida foram as manifestações de
junho de 2013, que deixaram claro que o Brasil estava preparado para a sua
“Primavera”, a exemplo das que ocorreram nos países árabes e do leste europeu.
Essa possibilidade alertou organismos de outros países, como o próprio FBI e
acendeu alerta na Cooperação Internacional – a organização informal de
procuradores e polícias federais de vários países, que se articularam a partir
de 2002 para combate ao crime organizado.
Evidência: informação me foi confirmada por Jamil Chade,
correspondente do Estadão em Genebra, para explicar porque o FBI decidiu só
agora investir contra a FIFA. As manifestações teriam comprovado que a opinião
pública brasileira estaria suficientemente madura para apoiar ações anticorrupção
– e de interesse geopolítico dos EUA, claro.
Atenção - não significa que as primeiras manifestações
foram articuladas de fora para dentro. O início foi de um grupo acima de
qualquer suspeita, o MPL (Movimento Passe Livre). Foi a surpreendente adesão de
todos os setores, da classe média à extrema esquerda que mostrou que a sede de
participação, trazida pelas redes sociais, havia transbordado para as ruas. As
manipulações das manifestações passam a ocorrer mais tarde devido à absoluta
insensibilidade do governo Dilma e do proprio PT em entender o momento.
É a partir daí que, em contato com a
cooperação internacional, começam a ser planejadas as duas grandes operações
mundiais anticorrupção do momento: a Lava Jato, que visaria desmontar a
quadrilha que se apossou da Petrobras e a do FBI contra quadrilha que se
apossou da FIFA e da CBF.
Houve movimentos internos relevantes que
antecederam o início do jogo. No bojo das manifestações de 2013 ficou nítida a
parceria da Globo com o MPF.
Evidência -
Do nada começaram a pipocar cartazes pedindo a derrubada da PEC 37 – que
proibia procuradores de realizar investigações por conta própria. Os veículos
da Globo passaram a dar cobertura exaustiva à campanha, ajudando na derrubada
da PEC. Matérias no Jornal Nacional (http://migre.me/tbj1ae http://migre.me/tbj1I) conferindo dimensão nacional ao
movimento. E propondo não apenas derrubar a PEC, como aprovar nova PEC que
garantisse explicitamente o poder do MP de investigar (http://mcaf.ee/auivz5).
No mesmo mês de junho de 2013 surge outro
fato revelador: o vazamento de informações da NSA (Agência de Segurança
Nacional) pelo ex-técnico Edward Snowden.
Na primeira semana, foram vazados documentos
de casos internos de espionagem. Depois, a espionagem sobre outros países. Na
enxurrada de documentos vazados, fica-se sabendo que a NSA espionava
preferencialmente a Petrobras.
De repente, um juiz de 1a instância em Curitiba, Sérgio Moro,
tendo como fonte de informação apenas um doleiro, Alberto Yousseff, tem acesso
a um enorme volume de informações sobre a Petrobras e consegue nacionalizar um
processo regional.
Até hoje a Lava Jato não revelou como chegou
às primeiras informações sobre a Petrobras, que permitiram expandir a operação
para todo o país.
O que se viu, dali em diante, foram dois
dutos de informação montados entre o MPF brasileiro e a cooperação
Internacional: o duto da Lava Jato e o duto da FIFA. Pelo duto da Lava Jato
vieram informações centrais para o desmantelamento da quadrilha da Petrobras.
Já o duto da FIFA ficou obstruído. As informações de lá para cá esbarraram em
uma mera juíza de 1a instância
do Rio de Janeiro e até hoje não foram destravadas. E as informações daqui para
lá não fluíram. Por todas as informações levantadas em Genebra, a Globo era
peça central do esquema FIFA-CBF.
Depois disso, a cooperação internacional
torna-se instrumento central nas investigações da Lava Jato. Mas nas
investigações da FIFA, o braço brasileiro da cooperação internacional falha. A
Globo está sendo poupada.
Evidência -
A entrevista de Jamil Chade (http://migre.me/tbj35) informa o desagrado do FBI com a
demora do MPF em atender às suas solicitações sobre a Globo. Diz ele: “Um dos
únicos países que não colabora nesse caso (é o Brasil), ironia total. O craque
que montou é brasileiro e parte fundamental atuação foi dos dirigentes
brasileiros. O Departamento de Justiça já deixou muito claro ao Brasil que
estava muito incomodado com essa falta de colaboração”.
A estratégia midiática da Lava Jato
Um levantamento sobre as intervenções
norte-americanas nas Primaveras que sacudiram o Oriente Médio, mostra que todas
elas vieram acompanhadas de uma estratégia de comunicação através das redes
sociais. E com foco na corrupção e na defesa da democracia.
A Lava Jato foi montada seguindo todo o
receituário das Primaveras. Receita pronta, ou recolhida de algum manual ou
aulas particulares com especialistas.
1. Acesso a informações
críticas sobre a quadrilha que atuava na Petrobras.
2. Identificação de algum
inquérito regional que pudesse ser nacionalizado. Não havia nenhum melhor que
Sérgio Moro, testado na AP 470 – como assessor da Ministra Rosa Weber – tendo
atuado no caso Banestado.
3. Montagem imediata de um
aparato de comunicação, contratando assessorias especiais, montando hotsites de
maneira a potencializar as denúncias de corrupção. O que foi feito pela
Procuradoria Geral da República.,
Outro know-how adquirido foi o da criação de
personagens para atuar como polos nas batalhas pelas redes sociais.
Nas eleições de 2010, com seus consultores
estrangeiros a campanha de Serra registrou pela primeira vez o uso científico
das redes sociais. Criavam perfis fakes, capazes de galvanizar ilhas de
influência no Twitter. Havia o jovem curitibano de vinte anos, vítima de uma
doença fatal; o músico negro da periferia de São Paulo, capaz das maiores
baixarias (aliás, o fato de conferir esse perfil a um músico e negro é
indicativo do jogo conservador).
Na Lava Jato, investiram em duas imagens
reais. Numa ponta, a imagem evangelizadora de rapaz do bem, o procurador Deltan
Dallagnol; na outra, do homem mau, o procurador Carlos Fernando dos Santos
Lima, uma imagem tão marcadamente detestável que, infelizmente, será a imagem
do MPF durante bons anos para grande parte da opinião pública.
Obviamente, não me refiro ao procurador, que
nem conheço, mas à imagem propagada. O MPF não tem mais a cara dos procuradores
que ajudaram a institucionalizar direitos sociais, democracia, direitos das
minorias, a punir os crimes da ditadura. É de Carlos Fernando e seu olhar
rútilo, de matador, a nova cara do MPF.
Nas redes sociais e movimentações de rua
surgem, da noite para o dia, movimentos como o “Movimento Brasil Livre” e
“Estudantes Pela Liberdade”. Constatou-se, com o tempo, que eram financiados
pelo Charles Kock Institute, ONG de dois irmãos, Charles e David, herdeiros
donos de uma das maiores fortunas dos Estados Unidos.
Os Kock ficaram conhecidos por financiar ONGs
de ultradireita visando interferir na política norte-americana
(http://migre.me/tbj3w). E tem obviamente
ambições de ampliar seu império petrolífero explorando outras bacias fora dos
EUA.
Para selar de vez a parceria com a cooperação
internacional, o próprio PGR Rodrigo Janot foi aos Estados Unidos comandando
uma equipe da Lava Jato para dois eventos controversos.
O primeiro, levar informações da Petrobras
para possíveis processos conduzidos pelo Departamento de Justiça contra a
estatal brasileira. O segundo trazer de lá informações que explodiram na
Eletronuclear, depois de encontro com advogada do Departamento de Justiça
ligada a escritório de advocacia que atende o segmento nuclear por lá.
A geopolítica da cooperação internacional
Desde os anos 70, a parceria com ditaduras
militares mostrou-se inconveniente para a diplomacia norte-americana. De um
lado, pela dificuldade em justifica-la perante a opinião pública liberal
norte-americana. De outro, pelo fato dos governos militares terem nítido cunho
nacionalista – como se viu com o governo Geisel, no Brasil, ou a ditadura
militar argentina deflagrando a guerra das Malvinas.
Gradativamente, a diplomacia e as
instituições norte-americana foram mudando o eixo, aproximando-se dos sistemas
judiciários nacionais, das polícias federais, de procuradores e estimulando
ONGs, especialmente aquelas voltadas para a defesa do meio-ambiente. A
internacionalização da Justiça tornou-se um fator legitimador, para fortalecer
outro polo de influência nos sistemas nacionais, acima dos partidos e do
Congresso.
Tornou-se conhecido o modelo de
desestabilização no Oriente Médio com as diversas primaveras nacionais.
Insuflava-se a classe média com denúncias de corrupção. Seguiam-se as
manifestações de rua que, devido ao clima de catarse criado, descambavam para a
violência. Depois, a intervenção de alguma força visando trazer a ordem e
implantar a democracia. Foi assim nas ações desastrosas no Iraque, Afeganistão
e Líbia – conforme explicou o professor Moniz Bandeira em longa entrevista
concedida esta manhã ao GGN. Em todos esses casos, desmontou-se um regime autoritário
e deixou-se como herança o caos, a destruição de nações e regimes muito mais
restritivos dos direitos individuais, quase todos marcadamente conservadores
nos hábitos morais.
O problema está no lado oficial da história.
E aí entra o papel da cooperação internacional na nova geopolítica do poder.
Desde a viagem de Janot aos Estados Unidos
começamos a desconfiar que os EUA estavam se valendo dessa cooperação
para impor suas estratégias geopolíticas.
A Lava Jato não pode mais ser vista como uma
operação de investigação isolada. Ela é tudo o que gerou de forma associada, e
teve a ajuda central de organismos internacionais – caso contrário jamais teria
chegado às quadrilhas que operavam na Petrobras.
Ambos –operadores da Lava Jato e do Congresso
- estão umbilicalmente ligados. No plano econômico e social, a contraparte da
Lava Jato é a flexibilização da Lei do Petróleo e dos gastos sociais, acabando
de vez com o legado social dos últimos governos.
Evidências –
as operações de impacto da Lava Jato sempre caíram como uma luva, sincronizadas
com as estratégias de impeachment seja no Congresso seja em dobradinha com
Gilmar Mendes no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Toda a pressão em cima de
Dilma têm, do lado político-econômico, a intenção precípua de obter concessões
nas áreas de petróleo e de gastos sociais.
No plano social, a Lava Jato conseguiu
despertar a comoção popular, o afloramento de uma ideologia da classe média,
ultraconservadora e intolerante, muito longe da vitalidade juvenil do MPL. No
plano econômico, além da flexibilização da lei do pré-sal e do fim dos gastos
sociais obrigatórios, ganhou corpo a criminalização das estratégias de
desenvolvimento autóctone – como o avanço diplomático na África e o financiamento
às exportações, as políticas de conteúdo nacional (que podem ser liquidadas com
o fim da Lei do pré-sal.
Ou seja, não dá para desvencilhar a Lava Jato
de todo esse leque de princípios ultraconservadores e ultraliberais. Fazem
parte do mesmo pacote político.
Na falta de estudos mais apurados sobre o
tema, alguns comentaristas julgaram estar frente a uma dessas teorias
conspiratórias que povoa o universo das redes sociais.
No Brasilianas de ontem, o professor Luiz
Felipe de Alencastro (recém aposentado da Universidade de Sorbonne) informou
que nas últimas semanas, o tema ganhou repercussão nos círculos acadêmicos
internacionais.
Em breve, a Lava Jato deixará de ser estudada
meramente como uma imensa operação anticorrupção para se transformar em um case sobre as estratégias geopolíticas
norte-americanas na era das redes sociais, da globalização e da alta
tecnologia.
O presidencialismo de coalizão do MPF
E aí se entram nas questões internas do
Ministério Público Federal.
Trata-se de uma organização admirável que,
desde a Constituição de 1988, foi protagonista de inúmeros avanços
civilizatórios no país.
Com o tempo, algumas de suas maiores virtudes
– como a independência de cada procurador – transformaram-se em alguns dos seus
maiores problemas. A sucessão de representações contra Lula, partindo de todos
os cantos, mostra que, hoje em dia, qualquer procurador que queira participar
do jogo político basta pegar um factoide qualquer e transformar em
representação, valendo-se do poder que lhe foi conferido pela Constituição. E
nada acontecerá com ele, sequer o repúdio dos colegas.
Os procuradores se organizam em grupos, de
acordo com suas convicções e áreas de atuação. Há desde grupos envolvidos com
direitos humanos até os que atuam na área criminal. E há, também, uma enorme
gana de protagonismo político por parte de alguns grupos, de participar de
cargos executivos, a exemplo de colegas de MPs estaduais.
Quando Lula sancionou a eleição direta para
escolha do PGR, abriu a caixa de Pandora. Os candidatos são indicados pela ANPR
(Associação Nacional de Procuradores da República) – que representa apenas uma
classe de procuradores e é uma associação sindical, de defesa dos interesses
corporativos da classe. Não participam os procuradores estaduais, os dos
Tribunais de Contas, os militares.
Recentemente, o CNMP (Conselho Nacional do
Ministério Público) avançou na questão de permitir que procuradores ocupem
cargos no Executivo – hipótese vedada pelo STF.
Na própria campanha eleitoral, os candidatos
a PGR vão firmando acordos políticos capazes de viabilizar sua eleição. E, com
isso, diluindo poder e capacidade de intervir em abusos.
Em Brasília, há integrantes isentos do
Judiciário que defendem Janot, consideram-no uma pessoa equilibrada e
responsável. Sustentam que ele perdeu o controle da situação. Ou seja, abriu a
caixa de Pandora quando estimulou o vazamento da Lava Jato e agora não
conseguiria controlar sua tropa.
Mas há um conjunto de atos e omissões
inexplicáveis:
1. A visita aos EUA levando
informações da Petrobras e trazendo da Eletronorte.
2. A blindagem ao senador
Aécio Neves. Na única vez que conversei com Janot ele assegurou que até abril
(do ano passado) daria parecer no inquérito que investiga contas de Aécio em
Liechtenstein. Não só não desengavetou como desqualificou três delações sobre
ele.
3. A incapacidade de
conduzir um inquérito sequer sobre as Organizações Globo.
Será possível que, com a enorme capacidade
jurídica acumulada entre seus procuradores mais velhos, com as inúmeras
referências de direitos humanos, cidadania, responsabilidade para com o Estado
brasileiro, o Ministério Público Federal tenha se transformado em uma
corporação dominada pelo sindicalismo?
É a última incógnita desses tempos
turbulentos. Todas as demais peças já foram devidamente encaixadas.
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