Renato Rabelo, em seu blog
A pretendida consumação da farsa do
impeachment, ainda este mês, que conduz à concretização de um golpe de Estado,
é uma viragem para consolidação e desenvolvimento da velha ordem política, com
suas consequências econômicas, sociais e culturais, razão de ser do golpe dito
legal.
Ao processo de
ruptura constitucional contido no curso de um impeachment fraudado no Brasil
não interessa provar inocência ou culpa da presidenta Dilma Rousseff.
Semelhante ao ocorrido no Paraguai e Honduras, o único objetivo perseguido aqui
é destituir o presidente da República pelo novo modelo de intervenção golpista,
seguido na atualidade pelas oligarquias de direita.
Assim sucede
na sétima potência econômica do mundo, o Brasil, onde a classe dominante
pretende consumar no final deste mês de agosto a grande operação
derruba-presidenta. A pantomima do impeachment em marcha segue o rito através
de um golpe parlamentar com benção judicial, onde não se prova devidamente o
crime de responsabilidade da presidenta.
Em nosso país
cresce amplamente a consciência de rejeição ao presidente interino, demonstrada
nas últimas pesquisas de opinião pública. E entre as camadas mais esclarecidas
de dentro e de fora do país (quase unanimidade) torna-se presente a conclusão
de que culmina na história política brasileira mais um golpe de Estado, hoje,
sem tropas e blindados e sem as urnas – a léguas do voto popular.
No entanto, este
foi o atalho encontrado, que resultou de tentativas conspirativas e depois
escrachadas de um consórcio político das forças conservadoras dominantes, após
a quarta derrota eleitoral sucessiva infligida pelas forças progressistas,
democráticas e de esquerda. Essas forças dominantes formaram uma coalizão
parlamentar, empresarial, judicial e com ampla ação midiática, que sem pejo se
aproveitaram e contaram impávidos com o difamado presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha, e do vice-presidente da República, Michel Temer, os
quais completaram uma simbiose canalha entre a trapaça e a traição, com base
promíscua em seus grupos na Câmara e no Senado. Pasmem! Usaram uma fachada de
vestais na luta contra a corrupção. Uma trama urdida que deflagrou e conduziu o
processo de impeachment arranjado e simplesmente se aboletaram no centro do
poder de Estado.
Aonde se
chegou a terra amada Brasil? É inédita essa situação no país, em que a
oligarquia de direita, no afã de capturar o poder, se utilizar de gente tão escrachada
que (des)qualifica o governo interino desde sua origem: governo que vive
sobressaltado pelo homem bomba, que se resolve abrir a boca afunda o governo e
enterra a Câmara. É por isso que o governo provisório vive seu impasse
original, não pode abandonar a figura detonadora do impeachment, alma gêmea do
presidente interino, financiador de meio regimento de deputados. O efeito
bumerangue resultante será arrasador. Isto é realmente o que é recôndito do
processo de impeachment, assumido pela denominada elite dominante conservadora
brasileira.
Daí a situação
na qual o governo usurpador, o presidente da Câmara recém eleito e a base de
apoio nessa casa se juntam, reféns da ameaça, para adiar para sempre,
descaradamente, o julgamento de Eduardo Cunha na Câmara, com o beneplácito dos
incentivadores do golpe e seus beneficiados. O crime é inevitavelmente
escancarado.
É preciso
distinguir nas aparências o fundo da questão. Os golpes de Estado, como o atual
em curso no Brasil, são preparados e conduzidos por poderes de Estado, e por
suas corporações públicas, que ampliam crescentemente sua autonomia funcional e
administrativa chegando até o centro do poder. A desestabilização do poder
Executivo levou ao crescimento de autoridades e maior disputa entre poderes. E extrapolação
de função das corporações públicas atropelando, até mesmo, o modelo clássico de
liberalismo. O poder que ocupou a ponta do iceberg no processo de impeachment
foi a Câmara e o Senado, que resulta num golpe parlamentar. Por conseguinte, o
Orçamento Federal deste ano e do próximo será devidamente utilizado para pagar
a conta do impeachment – lançaram mão de um déficit primário de mais de 170
bilhões de Reais em 2016. Imaginem se isso acontecesse no governo Dilma!
Mais
significativo ainda é que desde os primórdios da crise política o embate não
era apenas entre a presidenta — que “não sabia fazer política” e políticos
“profissionais” — mas o que estava em jogo era e é um projeto de poder da
classe dominante capitalista, financeira globalizada, as forças conservadoras
brasileiras, que se utilizaram avidamente de um atalho, por meio da via
golpista, para a volta à ORDEM POLÍTICA fundada na sua concepção de Estado,
antidemocrática e autoritária, desmontando um pacto de progresso social, e de
consolidação da ordem econômica de desregulamentação financeira, liberação do
fluxo de capital, tudo pela estabilidade da moeda, através de políticas de
austeridade, com cortes de despesas primárias essenciais – o capitalismo
contemporâneo, dito neoliberal.
Segue então a
linha dos países capitalistas centrais, nos quais a grande crise capitalista é
respondida com o resgate antes de tudo do grande capital,
principalmente
o financeiro, desemprego aberto, concentração e centralização da riqueza,
aprofundando o fosso da desigualdade.
Por isso, é
que a crise mundial, sistêmica, não encontrou ainda uma solução de superação.
No caso do Brasil, vejam o tamanho do resgate financeiro: Congelamento das
despesas federais, desde o nível mais baixo, por 20 anos. Eles é que vão se
apropriar de enorme parcela do Orçamento federal, que aproximadamente equivale
a uma queda de 50% per capta das despesas federais, num desmonte sem paralelo
das sofridas conquistas sociais, atingindo de cheio o destino do SUS e do
sistema de educação público. E mais, na vigência desse governo usurpador,
porquanto ele se volta para a manutenção da base macroeconômica, que vem,
sobretudo, desde o plano Real, presa ao círculo vicioso e perverso de juros
altos e câmbio apreciado – desastre que levou à desindustrialização do país e a
enormes déficits nas contas externas e deu adeus ao desenvolvimento nacional.
Por isso que a
presidenta Dilma foi acerbamente desqualificada quando tentou sair desse
círculo vicioso e conduzir, o que eles cunharam como sendo uma nova matriz
macroeconômica, considerando isto a causa do descaminho econômico. E mais,
agora sua enaltecida equipe econômica segue o mesmo padrão moldado pela
ortodoxia ultraliberal brasileira de manter e justificar sempre os juros altos,
diante de um curso de dois anos de uma queda de 8% da economia, ou seja, em
plena recessão.
Em suma o
golpe é a saída para fundamentalmente instituir essa velha ordem política, que
pela via eleitoral seria inviável. As forças conservadoras pró-submissão às
potências imperialistas, para imporem sua ordem republicana, ostensivamente e
rapidamente já iniciaram e indicaram nesses dois meses, que seu desiderato e
sua avidez são essencialmente voltados para desmontar o pacto de conquistas
democráticas, sociais e de igualdade de direitos lavrados na Constituinte de
1988. É um retrocesso do avanço civilizacional em mais de três décadas.
À volta a
ordem política conservadora e de realinhamento as grandes potências,
imperialistas, como versa seu conceito estatal, parte da hipertrofia de corporações
e ações de inteligência, que amolda até o próprio Ministério Público Federal e
a Policia Federal, distinguindo sua doutrina de “inimigo interno” ou a “teoria dos fatos”, que
neste momento histórico no Brasil, situa-se na existência engendrada de uma
“organização criminosa” conduzida pelo PT e por Lula e seus aliados, com os
cunhados “núcleos políticos e operacionais”. A criminalização é seletiva e a
repressão se intensifica tendo como norte esse inimigo interno. A utilização
desregrada da Lei antiterror já começa ser aplicada visando criminalizar a ação
dos movimentos sociais.
A pretendida
consumação da farsa do impeachment ainda este mês, que conduz à concretização
do golpe de Estado, é uma viragem para consolidação e desenvolvimento dessa
velha ordem política, com suas consequências econômica, social e cultural,
razão de ser do golpe dito legal. E recorrentemente, quando as forças
conservadoras voltam ao poder central, vêm para ficar.
Enfim, nosso
país está essencialmente diante de uma disjuntiva que coloca em jogo o destino
da Nação e do povo brasileiro – avançar ou retroceder em nossa trajetória
civilizacional. Por isso a premissa para restaurar a democracia, o Estado
Democrático de Direito é a volta da presidenta da República, Dilma Rousseff,
legalmente eleita com mais de 54 milhões de votos. Os senadores serão colocados
diante dessa encruzilhada – condenar o absolver uma presidenta sem crime de
responsabilidade.
A luta popular
contra o golpe não recrudesceu. Ao contrario, a consciência e a luta contra o
governo intruso e pela democracia se estendem. Os trabalhadores começam a se
mobilizar mais amplamente diante de reformas estruturais reversas,
antidemocráticas: as reformas da providência e trabalhista. Ganha força a
alternativa política apresentada pela presidenta Dilma, que após sua volta
proporá e se empenhará pela convocação de um plebiscito, onde o povo é
convocado para se pronunciar sobre a antecipação ou não da eleição direta
presidencial. Esse é o anseio de ampla maioria do povo, no atual estágio da
crise. Em contraste, os mais diversos setores e porta-vozes das forças
conservadoras, fogem das urnas como o diabo da cruz, e se insurgem contra essa
alternativa de renovação da democracia. Em síntese, hoje, é o eco mais
uníssono: Fora Temer!
Renato
Rabelo é ex-presidente nacional do PCdoB e presidente da Fundação Maurício
Grabois
Leia mais
sobre temas da atualidade:http://migre.me/kMGFD
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