Especialistas explicam o aumento a partir da
expansão dos canais de denúncia e do maior acesso à informação
Rute Pina, Brasil de Fato
"Cadê
meu celular? Eu vou ligar pro 180". Em 2016, 555.634 mulheres seguiram o
mesmo caminho de Maria da Vila Matilde, personagem da música que dá nome ao
último CD lançado por Elza Soares.
Segundo dados
da Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência – Ligue
180, divulgados nesta terça-feira (9) pela Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres, houve um aumento de 52% dos atendimentos em
comparação ao mesmo período em 2015. Destes, 67.962 foram relatos envolvendo
violência doméstica e familiar, o que representa um aumento de 133% em relação
ao ano passado.
A
Secretaria está ligada ao Ministério da Justiça e Cidadania e foi
criada no governo interino após a extinção do Ministério das Mulheres, da
Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.
As
estatísticas apontam ainda que o canal recebe, em média, treze relatos de
estupro por dia, o que representa um aumento de 147% em um ano. Em relação
aos casos de cárcere privado, a média alcançou 18 registros por dia.
O
Distrito Federal é o estado com a maior taxa de registro de atendimentos. Em
seguida, está o Mato Grosso do Sul e o Piauí. Brasília foi a capital com
maiores índices de denúncias, à frente do Rio de Janeiro e de Belo
Horizonte. O balanço aponta ainda que 59,71% das mulheres que relataram
casos violência, no período, são negras.
Avaliação - O crescimento do
número de denúncias é resultado da ampliação da divulgação dos canais de
denúncias. Essa é a avaliação que faz a assistente social Patrícia Ferreira da
Silva, diretora estadual do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS), que
destaca também o trabalho de movimentos sociais, "que lutam para informar
e orientar as mulheres".
Patrícia
também lembra dos serviços socioassistenciais, voltados para o atendimento a
mulheres vítimas de violência. "Embora deva ressaltar que existe hoje uma
precarização generalizada nos serviços públicos estatais e cofinanciados",
criticou.
A
presidenta da União de Mulheres do Município de São Paulo, Rute
Alonso, responsável pelo programa de orientação das Promotoras Legais
Populares, também conecta o aumento generalizado dos números de atendimentos
realizados pelo Ligue 180 a melhoras no acesso à informação.
"Quanto
mais informações, mais as mulheres se entendem como protagonistas de suas
vidas e ficam cientes do direito que têm sobre seus corpos",
afirmou. Ela acredita que a divulgação dos canais de denúncia têm
colaborado com o empoderamento das mulheres, principalmente as
periféricas.
Rute
aposta que aumento das denúncias não significa, necessariamente, que tenha
aumentado também o cometimento do crime. "Ainda são números absurdos. Mas,
provavelmente, com a mídia e as redes falando sobre o que é a cultura do
estupro, as mulheres passam a perceber que aquela situação que vivenciaram, de
abusos, do sexo sem consentimento, configuram estupros", disse.
No
final de maio, o caso da adolescente abusada por 33 homens no Rio de Janeiro
reacendeu o debate sobre o que é a cultura permanente de violência que
perpetuam contra as mulheres. Para Patrícia, o número de denúncias de
estupros neste contexto foi resultado do rompimento das "barreiras da
autoculpabilização e da vergonha das que assumem que foram violadas em seu
corpo".
Mulheres Rurais - A melhora na
conectividade também explicaria, na percepção de Rute, o aumento das
notificações em zonas rurais. As mulheres urbanas são responsáveis por mais de
90% das denúncias, mas o aumento de ligações oriundas do campo cresceu
139% no último semestre.
"Geralmente,
são poucos os canais de comunicação que chegam ao interior para levar essas
informação. Então, o que acho que acontecia era o silêncio e a naturalização da
violência e que às vezes, com o maior acesso à internet, ao Whatsapp, pode ter
impactado na zona rural", sustentou.
Já
para Patrícia, a crescente da busca dos serviços na zona rural é também
expressão da descentralização das políticas públicas, da assistência social,
ainda que muito precarizado. "Mas conta com serviços primordiais, também,
para a prevenção e enfrentamento da violência contra mulheres, que, entre
outras atribuições, deve levar a informação é orientação por meio de serviços
que aproxima as comunidades de assuntos antes velados", disse.
Rute
afirma que a mídia está, no entanto, muito aquém deste papel. "A mídia não
usa essa potência que tem para, ao invés de fomentar e corrobar com o
jornalismo carniceiro de couce que expõe assassinatos, falar das casas
especializadas de mulheres, defender a discussão de genêro na Educação, uma escola
onde se discuta diversidade. Tudo isso tá concatenado", refletiu.
Futuro incerto - O Ligue
180 é um serviço público, gratuito e confidencial oferecido pela desde 2005. O
canal tem por objetivo receber denúncias de violência, reclamações sobre os
serviços da rede de atendimento à mulher e de orientar as mulheres sobre seus
direitos e sobre a legislação vigente, encaminhando-as para outros serviços
quando necessário.
Desde
março de 2014, serve como disque-denúncia, com capacidade de envio de
denúncias para a Segurança Pública com cópia para o Ministério Público de cada
estado. Para isso, conta com o apoio financeiro do Programa ‘Mulher, Viver sem
Violência’.
Rute
Alonso expressa preocupação com a perda status de ministério da atual
Secretária de Políticas para as Mulheres. "Estes
dados evidenciam um trabalho anterior que foi feito, quando ainda
existia o Ministério. Meu medo é que daqui a seis meses… Quais serão
os novos números, por não termos investimentos?", questionou.
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