A
capitalização da Previdência como o primeiro passo rumo à privatização
Entenda como funciona o sistema de
capitalização que Paulo Guedes replicou do Chile e quais os riscos para as
garantias das futuras gerações de trabalhadores brasileiros
Patrícia Faermann, Carta Capital
Por
trás do discurso de “sustentabilidade econômica” para o país conseguir pagar as
aposentadorias dos brasileiros, frase que resumiu a apresentação do governo
Bolsonaro para a Reforma da Previdência, nesta quarta-feira (20), o pilar das
modificações do sistema de previdência social está no fim do chamado “regime de
solidariedade” para migrar a um sistema que funcionará pela capitalização.
Trata-se do primeiro passo neoliberal da administração das
aposentadorias. O próximo é a privatização completa, perdendo a sua função
social e tornando-se um jogo de sobrevivência dos trabalhadores nas mãos do
mercado.
Além de efeitos práticos de alguns pontos da reforma que impõem
barreiras para aposentadorias, expostos aqui pelo GGN, um trecho
publicado na quarta página das mudanças apresentadas traz a dimensão da
reforma:
Em
outra página do texto, o modelo é explicado no artigo 201-A:
Na
prática, o discurso de “sustentabilidade” defendido por Paulo Guedes e a equipe
econômica de Jair Bolsonaro nesta quarta-feira é, na verdade, a tentativa de
equilibrar as contas públicas, com a redução do impacto no Orçamento das
quantias destinadas às aposentadorias, e a garantia de que em dezenas de anos o
modelo ainda será “pagável”. O que não foi claramente dito é que o preço dessa
“sustentabilidade” ou “viabilidade” será pago diretamente pela população.
Ainda que não seja um modelo completamente privado, como ocorre
no Chile, por exemplo, em que o controle e a administração desses recursos
destinados mês a mês pelos trabalhadores são feitos por empresas privadas,
nesse modelo sugerido pela equipe de Bolsonaro o Estado se ausenta de aportar
para o pagamento das aposentadorias e, por isso, é sustentável em termos de
recursos públicos.
E juntamente com essa ausência de responsabilidade estatal, os
cidadãos perdem automaticamente certas garantias. Para entender como funciona a
experiência latino-americana de entrega do benefício social ao neoliberalismo,
basta verificar o que ocorreu com o Chile, exemplo de fracasso após o sistema
previdenciário ficar nas mãos do mercado.
Durante a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990), o
Chile tornou-se um experimento de políticas neoliberais na América Latina,
entregando grande parte de suas políticas sociais a setores privados. Nessa
busca por enxugar as contas públicas e instaurar o Estado mínimo, como hoje se
enquadram as propostas do governo Bolsonaro, os mais de trinta anos que se
passaram revelam o fracasso das tentativas.
Apesar de o Chile ter atravessado um cenário de completa falta
de fiscalização, pela ausência estatal, e com o controle por meio de agências e
fundos 100% privados nas finanças de cada cidadão, o que ainda não é a proposta
final apresentada pela equipe de Bolsonaro, ela tem este objetivo e já usa como
base o sistema de capitalização.
Nesse modelo, as contribuições obrigatórias mensais dos
trabalhadores são geridas individualmente. Na experiência fracassada chilena,
Paulo Guedes inclusive foi um dos mentores, ao auxiliar as mudanças no país
durante a ditadura de Pinochet, a convite de técnicos da Escola de Chicago,
berço do neoliberalismo.
O risco da capitalização está no fato de que se um trabalhador
não conseguir angariar o suficiente para a sua aposentadoria, mesmo completando
a idade determinada, os recursos serão insuficientes para sustentar o restante
de sua vida, cenário que analistas acreditam ter contribuído para consolidar o
Chile como um dos países recorde de suicídios entre idosos a partir de 80 anos.
Uma série de pontos na reforma apresentada hoje tenta diminuir
esse efeito de falta de fundo necessário para o indivíduo sobreviver com a
aposentadoria acumulada. Isso porque uma espécie de transição será implementada
paralelamente à modificação completa.
Nessa transição, estão previstos, por exemplo, a “garantia de
piso básico, não inferior ao salário-mínimo para benefícios que substituam o
salário de contribuição ou o rendimento do trabalho, por meio de fundo
solidário, organizado e financiado nos termos estabelecidos na lei complementar
de que trata o art. 201-A da Constituição”. Ou seja, um tipo de mistura entre o
sistema solidário e o capitalizado.
Por outro lado, o cenário mais extremo não deixa de ser a clara
intenção do governo de Jair Bolsonaro. Isso porque o fracasso no Chile – ainda
alvo de constantes protestos no país para a sua modificação – é a proposta de
Paulo Guedes para as futuras gerações de aposentados no Brasil, aqueles que
ainda não estão vinculados ao sistema atual.
Diz trecho da reforma:
Como
se já não estivesse claro o objetivo da migração completa, para as próximas
gerações, Paulo Guedes também estabelece na reforma da Previdência que a gestão
dessas contribuições individuais e capitalizadas passará a ser feita por
“entidades de previdência públicas e privadas”. Ou seja, o monopólio da
previdência tal como ocorre no Chile está previsto no Brasil.
O texto ainda detalha que o cidadão terá a “livre escolha da
entidade [privada ou estatal] ou da modalidade de gestão das reservas,
assegurada a portabilidade” e, também, a “impossibilidade de qualquer forma de
uso compulsório dos recursos por parte de ente federativo”, ou seja, veda que o
governo seja o administrador destes recursos, condições estas que replicam o
formato do país latino-americano.
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