O período em
que a Globo se firmou como grupo mais poderoso do país
Luis Nassif, Jornal GGN
Em
10 de novembro de 1996, em minha coluna na Folha, antecipei os movimentos de
globalização da mídia, e o enorme risco representado pelo poder excessivo da
Globo. Previa que, para enfrenta-la, houvesse um processo de fusões para gerar
grupos competidores fortes, e também de limitação dos poderes da Globo.
A reação foi curiosa.
Tempos
depois, recebi um convite curioso de Luiz Sandoval, presidente do Grupo Silvio
Santos. Haveria uma convenção com todas as empresas do grupo. Ele queria me
mandar o planejamento estratégico de cada uma, de subsídio para uma palestra,
na qual abordaria os novos tempos e sugeriria caminhos.
Avisei que não era consultor e, além disso, trabalhava em uma
emissora concorrente. Falaria genericamente sobre o tema. Explicou-me que a
preocupação do grupo era levantar elementos para convencer Silvio Santos da
necessidade de enfrentar os novos tempos de Internet e globalização.
Outra convite curioso foi de Otávio Frias de Oliveira, dono da
Folha – na qual eu era membro do Conselho. A Folha tinha montado uma sociedade
com a Abril, com a fusão da BOL com a UOL. Ele pedia que eu fosse intermediário
de uma proposta a João Jorge Saad, da Bandeirantes. Ambos queria comprar parte
da Bandeirantes, tornando-se sócios minoritários.
Houve um almoço a três na Folha, Saad, Frias e eu como
testemunha, encantado pelas recordações de ambos sobre o período Ademar de
Barros. A ideia não prosperou, mas me custou implicâncias de herdeiros das duas
pontas.
Um terceiro movimento, do qual participei, foi a tentativa do
grupo O Dia, então em franca expansão, de se tornar sócio da Bandeirantes no
Rio de Janeiro. Houve um almoço em São Paulo, e uma conversa extremamente tensa
da parte de Johnny Saad.
Na
época, os bancos de investimento tinham enorme oferta de crédito, e seu João,
como o chamávamos, me convidou para ser âncora do Jornal da Band e assessor do
filho Johnny. Cheguei a levar o pessoal do BBA para um encontro com a cúpula da
Band, para eventual processo de capitalização. Não deu certo, também por enorme
resistência de Johnny, que se sentiu melindrado pelo fato do pai ter sugerido
um tutor para ele.
Enfim, depois da agitação inicial, voltou-se tudo ao normal, com
a mídia sem governança ou modernização para sair da gestão familiar. É por aí
que se entende o extraordinário avanço dos evangélicos sobre os meios de
comunicação. Pelo menos eles tinham um modelo de negócio mais moderno do que os
grupos familiares.
Aqui, o artigo que deflagrou esses movimentos inacabados.
A globalização na mídia
LUÍS NASSIF
Nos
próximos anos, será a vez de a mídia entrar na dança da modernização e das
grandes fusões que estão marcando a imprensa, em nível mundial.
No Brasil, será um dos últimos setores a sentir na própria carne
os efeitos da globalização. E o resultado final poderá ser bom tanto para a
mídia como para o Brasil, desde que se estabeleça um equilíbrio nesse jogo.
O agente propulsor desse processo será a ameaça representada aos
demais grupos pelo chamado Sistema Globo de Comunicação.
A explosão da televisão, ao longo dos anos 70, e o pioneirismo
de Roberto Marinho conferiram poder extraordinário ao grupo.
Em maior parte, devido à competência demonstrada em algumas
áreas-chave como na televisão e no jornal. Em menor parte, devido ao poder
político acumulado, que lhe permitiu conduzir algumas operações heterodoxas,
como a assunção do controle da NEC do Brasil.
Mesmo
errando em algumas operações no varejo, e saindo atrasada -em relação a outros
países-, ainda assim a Globo demonstrou competência específica para liderar
internamente dois processos-chave.
O
primeiro, a entrada pesada em novos ramos da tecnologia da informação,
especialmente na tecnologia de satélites e na TV a cabo. O segundo, na busca de
alianças e associações estratégicas com outros grupos.
Apesar da posição de líder induzir a uma certa propensão à
arrogância, houve suficiente visão estratégica, por parte da nova geração, para
buscar alianças ou com grupos financeiros fortes (com o Garantia, na operação
da TV a cabo) ou com grupos regionais fortes (com a RBS, na TV Rural).
Se não houver reação dos demais grupos, essa acumulação de
forças poderá provocar o monopólio virtual da comunicação no Brasil, algo que
não interessa nem aos concorrentes nem ao Brasil.
Mesmo que em seu segmento de atuação, individualmente, cada
concorrente tenha uma operação específica mais competente ou, no mínimo,
competitiva em relação à Globo, a soma de forças do complexo poderá
desequilibrar a competição em todas as frentes, seja em jornal, editora ou
televisão.
É essa ameaça que deverá levar nos próximos anos, inevitavelmente,
a dois processos complexos. Numa ponta, a uma ampla política de fusões e
alianças estratégicas, entre grupos nacionais e estrangeiros, da qual resultará
novos supergrupos de comunicação.
Na outra, a uma batalha política para colocar limites ao poder
da Globo, já que há o risco concreto de que assuma o controle virtual da mídia
no país.
A
batalha consistirá em estabelecer limites legais à expansão da rede, e separar
claramente produção e distribuição para não permitir que o controle da
distribuição se converta em barreira para a entrada de novos grupos.
Há
anos, a Globo é motivo de orgulho para o país pela qualidade internacional que
conferiu a seus produtos. Mas tornou-se poderosa demais, em uma área que é
muito mais crucial para o equilíbrio democrático do que o petróleo: a
informação.
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