A senhora
quer sambar
Luis Fernando
Verissimo
—
Geneci...
— Senhora?
— Preciso falar com você.
— O que foi? O almoço não
estava bom?
— O almoço estava ótimo.
Não é isso. Precisamos conversar.
— Aqui na cozinha?
— Aqui mesmo. O seu patrão
não pode ouvir.
— Sim, senhora.
— Você...
— Foi o copo que eu
quebrei?
— Quer ficar quieta e me
escutar?
— Sim, senhora.
— Não foi o copo. Você vai
sair na escola, certo?
— Vou, sim senhora. Mas se
a senhora quiser que eu venha na Terça...
— Não é isso, Geneci!
— Desculpe.
— É que eu... Geneci, eu
queria sair na sua escola.
— Mas...
— Ou fazer alguma coisa.
Qualquer coisa. Não agüento ficar fora do Carnaval.
— Mas...
— Vocês não têm, sei lá,
uma ala das patroas? Qualquer coisa.
— Se a senhora tivesse me
falado antes...
— Eu sei. Agora é tarde.
Para a fantasia e tudo o mais. Mas eu improviso uma baiana. Deusa grega, que é
só um lençol.
— Não sei...
— Saio na bateria.
Empurrando alegoria.
— Olhe que não é fácil...
— Eu sei. Mas eu quero
participar. Eu até sambo direitinho. Você nunca me viu sambar? Nos bailes do
clube, por exemplo. Toca um samba e lá vou eu. Até acho que tenho um pé na
cozinha. Quer dizer. Desculpe.
— Tudo bem.
— Eu também sou povo,
Geneci! Quando vejo uma escola passar, fico toda arrepiada.
— Mas a senhora pode
assistir.
— Mas eu quero participar,
você não entende? No meio da massa. Sentir o que o povo sente. Vibrar, cantar,
pular, suar.
— Olhe...
— Por que só vocês podem
ser povo? Eu também tenho direito.
— Não sei...
— Se precisar pagar, eu
pago.
— Não é isso. É que...
— Está bem. Olhe aqui. Não
preciso nem sair na avenida. Posso costurar. Ajudar a organizar o pessoal.
Ajudar no transporte. O Alfa Romeo está aí mesmo. Tem a Caravan, se o patrão
não der falta. É a emoção de participar que me interessa, entende? Poder dizer
"a minha escola...". Eu teria assunto para o resto do ano. Minhas
amigas ficariam loucas de inveja. Alguns iam torcer o nariz, claro. Mas eu não
sou assim. Eu sou legal. Eu não sou legal com você, Geneci? Sempre tratei você
de igual para igual.
— Tratou, sim senhora.
— Meu Deus, a ama-de-leite
da minha mãe era preta!
— Sim, senhora.
— Geneci, é um favor que
você me faz. Em nome da nossa velha amizade. Faço qualquer coisa pela nossa
escola, Geneci.
— Bom, se a senhora está
mesmo disposta...
— Qualquer coisa, Geneci.
— É que o Rudinei e Fátima
Araci não têm com quem ficar.
— Quem?
— Minhas crianças.
— Ah.
— Se a senhora pudesse
ficar com eles enquanto eu desfilo...
— Certo. Bom. Vou pensar.
Depois a gente vê.
— Eu posso trazer elas
e...
— Já disse que vou pensar,
Geneci. Sirva o cafezinho na sala.
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