A conduta na balbúrdia da vacina basta para justificar impeachment de Bolsonaro
Diante de todos os desastres que o
corroem, o Brasil parece morto
Janio de Freitas, Folha de S. Paulo
É
impossível imaginar o que falta ainda para a única providência que salve vidas
—quantas, senão muitos milhares?— da sanha mortífera de Jair Bolsonaro. Mas não
é preciso imaginar a indecência da combinação de "elites" e
políticos, para ver o que e quem concede liberdade homicida em troca de ganhos.
Pessoas
com autoridade formal para o conceito que têm emitido, além de suas
respeitabilidades, como o jurista Oscar Vilhena Vieira, o ex-ministro da
Justiça e criminalista José Carlos Dias e o médico Celso Ferreira Ramos Filho,
presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, entre outros
altos quilates, têm qualificado com clareza e destemor a anti-ação de Bolsonaro e seus militares na mortalidade
pandêmica. Crime, criminoso(s), organização familiar criminosa,
homicidas, desumanidade —são algumas das palavras e expressões aplicadas ao que
é feito contra a vida. Contra o próprio país, portanto.
A
conduta da Presidência e de seus auxiliares na Saúde, na balbúrdia da vacina,
basta para justificar o processo de interdição ou de impeachment, sem precisar
dos anteriores crimes de responsabilidade e outros cometidos por Bolsonaro e
pelo relapso general Eduardo Pazuello. Nem se sabe
mais o número de requerimentos para processo de impeachment apresentados à
Câmara. Sobre eles, Rodrigo Maia, presidente da casa, lançou uma sentença
sucinta: "Não há agora exame de impeachment nem vai haver depois".
Nítido
abuso de poder, nessa recusa a priori. É dever do presidente da Câmara o exame de tais
requerimentos, daí resultando o envio justificado para arquivamento ou para
discussão em comissões técnicas. Rodrigo Maia jamais explicou sua
atitude. Daí se deduz que não lhe convém fazê-lo, com duas hipóteses
preliminares: repele a possível entrega da Presidência ao vice Mourão ou
considera a iniciativa inconveniente a eventual candidatura sua a presidente em
2022.
Seja
como for, Rodrigo Maia macula sua condução da Câmara, bastante digna em outros
aspectos, e se associa à continuidade do desmando igualado ao crime de índole
medieval. Os constituintes construíram um percurso difícil e longo
para o processo de impeachment, e que assim desestimulasse sua frequência.
Mas deixaram com um só político o poder de consentir ou não na abertura do
processo. Fácil via para o abuso do poder. E sem alternativa para o restante do
país, mesmo na dupla calamidade de uma pandemia letal e um governo que a
propaga.
Há
denúncias protocolares da situação por entidades, não muitas, e por um número
também baixo de pessoas tocadas, de algum modo, pelo senso de responsabilidade,
a inquietação, a dor. Movimento para que os genocidas vocacionais sejam
enfrentados, nenhum. As camadas sociais que continuam tranquilas com seus
rendimentos são, entende-se, as que podem manipular os ânimos públicos. São
também as que têm mais noção do que se passa, mas sem que isso atenue o seu
egoísmo e desprezo pelas camadas abaixo. Assim, não há reação ao duplo ataque.
Diante de todos os desastres que o corroem, o Brasil parece morto.
Mas
nem com esse aspecto, ou essa realidade, precisaria descer tão baixo na
imoralidade. Sobrassem alguns resquícios de decência nas classes que, a rigor,
são o poder no Brasil, a descoberta de que a Abin, a abjeta Agência Nacional de
Informação, foi mobilizada para ajudar Flávio Bolsonaro no processo criminal da
"rachadinha" criaria alguma indignação. E levaria ao
pronto afastamento de todos os beneficiários e comprometidos com esse crime
contra a Constituição, as instituições, os trâmites da Justiça e a população em
geral.
O
general Augusto Heleno Pereira negou a revelação da revista Época. É um velho
mentiroso. Isso está provado desde os anos 90, quando me escreveu uma carta
negando sua suspeita ligação com Nicolau dos Santos Neto, o juiz da alta
corrução no TRT paulista. Tive provas documentais para desmenti-lo. Estava
então no Planalto de Fernando Henrique. Com Bolsonaro, além de desviar a Abin
em comum com Alexandre Ramagem, que a dirige, Augusto Heleno já esteve em
reuniões com os advogados de Flávio, que é agora quem o desmente.
Ramagem,
por sua vez, é o delegado que Bolsonaro quis na direção da Polícia Federal,
causando a saída de Sergio Moro do governo. Fica demonstrado, portanto, pelas
figuras de Augusto Heleno e Ramagem no desvio de finalidade da Abin, que
Bolsonaro tentou controlar a PF para usá-la na defesa de Flávio, de si mesmo,
de Carlos, de Michelle, de Fabrício Queiroz e sua mulher Márcia e demais
componentes do grupo.
Se nem essa corrupção institucional levar à retirada de toda a corja, será
forçoso reconhecer um finalzinho. Não da pandemia, como disse Bolsonaro. Do
Brasil, mesmo.
Veja uma dica de leitura: Marcelo Mário de Melo https://bit.ly/3f5b8ro
Nenhum comentário:
Postar um comentário