21 março 2021

Vendo e entendendo

Torcedores não querem apenas torcer, querem também entender o futebol

Cada partida tem uma história, e deveríamos confrontar o que aconteceu no gramado com a teoria

Tostão, Folha de S. Paulo

 

No início do futebol brasileiro, predominavam a habilidade, a inventividade, a fantasia e a improvisação. Era um prazeroso entretenimento, sem professores para atrapalhar. A seleção de 1970, que encantou o mundo, tornou-se também o marco do início do futebol científico, com novas maneiras de preparação técnica, física e tática.

Houve, progressivamente, uma transformação na maneira de jogar. O jogo tornou-se tornou mais rápido, intenso, com mais marcação e com a diminuição dos devaneios individuais. Os treinadores passaram a ser também as estrelas do espetáculo. Criaram regras e dogmas. Muitos exageraram na tentativa frustrada de acabar com a improvisação e com o acaso, como se tudo pudesse ser ensaiado e repetido nas partidas.

A estratégia, extremamente importante, passou a ser também o superego dos atletas, uma repressão, um aviso de que eles não podem ultrapassar certos limites.

Existe uma tendência de, a cada jogo e mesmo durante as partidas, associar estilos diferentes, o ataque com o contra-ataque, troca curta com a longa de passes, triangulações com as mudanças da bola de um lado para o outro, o futebol posicionado com as movimentações e as trocas de posições. Esse é o caminho, o futuro.

Existem dezenas de fatores envolvidos no resultado. Por isso, precisamos ter cuidado com os elogios e com as críticas aos treinadores e à maneira de jogar de cada um.

Abel Ferreira, que já demonstrou possuir muitas virtudes, deu ótimas entrevistas nos últimos dias e disse que prefere ganhar a ter posse de bola, como se fossem situações divergentes. Repetiu as palavras de seu ídolo Mourinho, técnico do Tottenham, que, na última semana, foi eliminado, com suas tão faladas jogadas rápidas de contra-ataque, pelo modesto Dínamo Zagreb, na Liga Europa. Após a partida, Mourinho repetiu, nas entrevistas, o discurso de “eu ganho, e os jogadores perdem”.

Além de ser muito difícil para um treinador antever a maneira de jogar de um adversário, pois os técnicos mudam bastante a estratégia, é impossível prever quais serão os lances decisivos de um jogo. Tudo é incerto.

Cada partida tem uma história. Os treinadores e nós, os analistas, em vez de utilizarmos o conhecimento para entender o que aconteceu no jogo, deveríamos transportar o que aconteceu no gramado para confrontar com a teoria. O jogo fala primeiro.

TRÊS ZAGUEIROS

Os treinadores europeus e os de outros países sul-americanos utilizam mais os três zagueiros que os brasileiros. Alguns, em um mesmo jogo, usam duas formações, dependendo do adversário e do momento da partida.

A maioria usa os três zagueiros para melhorar o sistema defensivo. Os laterais (ou alas) voltam e formam uma linha de cinco defensores. Quando a equipe recupera a bola, avançam pelos lados. Poucos, como Guardiola, usam os três zagueiros para ser ainda mais ofensivo. Colocam os três atrás e os sete no campo adversário. Pontas agressivos são escalados como alas.

Algumas pessoas insistem em chamar o zagueiro central, que joga entre os outros dois, de zagueiro de sobra ou de líbero. Nada a ver. Hoje, os três zagueiros, em todo o mundo, atuam em linha. O líbero do passado era o zagueiro central, que jogava atrás dos outros dois e que, quando o time recuperava a bola, avançava e se tornava um jogador de meio-campo.

Os torcedores não querem apenas torcer, querem entender. Quando se compreende, o futebol fica mais prazeroso.

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