Preconceito que maltrata e mata
Cida Pedrosa*, Brasil de Fato
Um
relatório apresentado na última semana de janeiro pela Associação Nacional de
Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) confirmou que, apesar dos avanços, o
Brasil ainda é o país mais perigoso do mundo para uma pessoa trans viver. Foram
140 homicídios em 2021, mantendo a triste marca de país que mais mata essas
pessoas no mundo.
E o mais chocante é
que essa barbaridade é motivada por puro preconceito. Diferentemente do que
ocorre em casos de violência doméstica contra mulheres, quando os agressores
geralmente são os namorados ou companheiros, 73% dos criminosos não tinham
qualquer relação com a vítima.
O que mais chama a atenção
é a brutalidade que caracteriza esses crimes. Pessoas trans geralmente são
vítimas de tortura e mortes muito violentas, deixando evidente o ódio e repulsa
que o criminoso sente por sua vítima, como se a simples existência dela fosse
uma ofensa, mesmo quando essa vítima é pouco mais que uma criança. A
morte brutal da adolescente Keron Ravacha, de apenas 13 anos, morta a socos,
pauladas e facadas em Camocim, interior do Ceará, é uma prova disso.
Muitas vezes, a violência
já começa em casa. A rejeição que sofrem empurra muitas meninas para as ruas,
tornando-as alvo fácil para o crime. O levantamento da Antra mostra que 78% das
mulheres trans e travestis assassinadas em 2021 eram profissionais do
sexo.
A discriminação e o
preconceito contra as pessoas trans também está presente no poderoso sistema de
exclusão que praticamente impede que tenham uma carreira profissional. A
começar pela escola, onde sofrem bullyng e, quase sempre, acabam abandonando os
estudos. Sem qualificação, o emprego formal transforma-se num sonho
distante. Dados do Projeto Arco-Íris/Affro Reggae apontam que apenas
0,02% das pessoas trans estão na universidade e 72% não possuem nem o
ensino médio.
No Recife, a Câmara
Municipal concedeu esta semana, pela primeira vez em sua história, o título de
cidadania a uma mulher trans, Chopelly dos Santos, que luta há mais de uma
década para assegurar direitos de travestis e transexuais. Aprovar essa
proposta não foi tarefa fácil. Exigiu intensa articulação minha e do
companheiro Hélio da Guabiraba para superar a barreira posta por evangélicos
ultraconservadores, que se posicionaram firmemente contra o projeto.
Esse caso, que mostra como
a transfobia está enraizada em nossas instituições, está longe de ser um fato
isolado. Na Câmara dos Deputados tramita o Projeto de Lei 2746/21, que visa
alterar a palavra “gênero” para “sexo” na Lei Maria da Penha para que os
direitos previstos na lei sejam concedidos, exclusivamente, a mulheres
cisgênero. A intenção mais que evidente é excluir as pessoas trans e travestis
da rede de proteção, relegando-as à própria sorte.
Nesse estado de coisas, a
Semana da Visibilidade Trans precisa deixar de ser um evento restrito à
transexuais e travestis e passar a ser uma luta de todos pelo direito à
cidadania plena. Precisamos batalhar para ampliar o acesso dessas pessoas à
saúde, educação e ao emprego. Sem políticas públicas e sem o repúdio da sociedade
a toda essa violência, o Brasil não vai superar esse triste posto de carrasco
de travestis e transexuais, um título que nos desonra e mais nos aproxima da
Idade Média que do terceiro milênio.
Foto:
Mídia Ninja
*Advogada, poeta, vereadora no Recife pelo PCdoB
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