Trincando
os dentes
O
Tribunal Superior Eleitoral enfrenta o maior desafio de sua história
Marina
Dias, revista piauíNo começo de maio, o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal
Federal, recebeu uma mensagem de texto no celular. Era o presidente Jair
Bolsonaro. Ele estava irritado com uma passagem em um debate na GloboNews, cujo
vídeo viralizara no Twitter. No trecho que incomodou Bolsonaro, os debatedores
concordavam que somente a Justiça Eleitoral poderia arbitrar o processo de
votação no país, não cabendo, portanto, nenhuma interferência das Forças
Armadas. Os comentaristas entendiam que os militares não são um “poder
moderador”, com a missão de arbitrar conflitos entre civis – uma tese que o
bolsonarismo vem defendendo há anos, mas que ministros do STF já contestaram
publicamente. De acordo com uma fonte que teve acesso à troca de mensagens,
Bolsonaro, exasperado com a ideia da exclusão das Forças Armadas, escreveu: “O
que teme o TSE?”
Em seguida, o presidente lembrou que o próprio Tribunal Superior
Eleitoral convidara as Forças Armadas para colaborar no pleito e, inclusive,
integrar a Comissão de Transparência das Eleições, com um assento destinado a
um representante do Ministério da Defesa – o que é verdade. Diante disso,
concluía Bolsonaro, ele próprio, na condição de chefe supremo das Forças
Armadas, nos termos da Constituição, deveria acompanhar o trabalho eleitoral de
perto.
Gilmar Mendes não é integrante do TSE, mas já presidiu o tribunal duas
vezes – a última, entre 2016 e 2018. Durante a sua gestão, recebeu Bolsonaro em
seu gabinete para tratar da volta do voto impresso, assunto pelo qual
Bolsonaro, então deputado federal, já demonstrava interesse. O ministro costuma
receber parlamentares com bloco e caneta na mão, anota demandas e demonstra
interesse, o que agrada os políticos. Além disso, Gilmar não era – e continua
não sendo – contra o voto impresso per se. Acha que poderia ser
adotado em um determinado número de urnas, mas não acredita que haja
possibilidade de fraude no atual sistema 100% eletrônico. Depois da eleição de
2018, Bolsonaro e Gilmar voltaram a se falar ocasionalmente. Por isso, a
mensagem do presidente não surpreendeu o ministro. Em resposta, ainda segundo a
mesma fonte, Gilmar escreveu: “O senhor é chefe das Forças Armadas, mas é
também candidato à reeleição e, como tal, pode exigir que haja correção na
apuração, mas não pode ser juiz do processo.”
A piauí não teve acesso à réplica de Bolsonaro. Mas o
diálogo é mais uma evidência de que, pela primeira vez desde a retomada do
regime democrático em 1985, um presidente da República candidato à reeleição
hostiliza abertamente a mais alta instância da Justiça Eleitoral e tenta
comandar as eleições, minando sua credibilidade com suspeitas de fraudes nunca
comprovadas. Por isso, a três meses do pleito presidencial, sob um clima de
tensão e insegurança, o TSE vem se preparando como pode para enfrentar o que,
por décadas, foi um ritual sereno, eficiente e consensual: apurar milhões de
votos eletrônicos, anunciar o vencedor, diplomá-lo e dar-lhe posse.
Dias depois da troca de mensagens entre Bolsonaro e Gilmar, as capas
pretas dos sete ministros do Tribunal Superior Eleitoral estavam dispostas lado
a lado, sobre os sofás de couro marrom na chamada Sala das Togas. O espaço fica
no subsolo da sede do TSE, em Brasília. A decoração é sóbria, com dois tapetes
persas e uma mesa usada para apoiar xícaras de café. O presidente da corte,
Luiz Edson Fachin, entrou ali pouco antes das 10 horas do dia 12 de maio de
2022. Com as togas já sobre os ombros, todos os ministros atravessaram o
corredor com tapete vermelho e entraram no plenário por uma porta corta-fogo.
Em fila, esperaram a campainha anunciar o início da sessão, guardando uma
liturgia em que ninguém pode passar à frente dos ministros do TSE que são
oriundos do STF. Liderando a romaria, Fachin foi seguido por seus pares.
Acomodou-se na cadeira de couro vermelho e anunciou a abertura de uma sessão
“menos elastecida” que as demais. Estava pronto para protagonizar dois atos
inéditos, que começara a gestar quarenta horas antes.
No início da noite de 10 de maio, Fachin visitou, sozinho, a sala onde
seriam realizados, a partir do dia seguinte, os derradeiros testes públicos de
segurança das urnas eletrônicas. Seriam simulações de ataques cibernéticos e
outras operações para detectar a possibilidade de falhas na eleição de outubro.
Depois de conversar com técnicos, Fachin decidiu que convidaria os demais
ministros para assistir aos testes. Nunca antes, desde que começaram a ser
feitos há treze anos, os testes de confirmação foram presenciados por todos os
magistrados do tribunal. Era o primeiro ineditismo. Para a ocasião, Fachin
começou a preparar um discurso convencional. Mas, no dia seguinte, 11 de maio,
soube do pronunciamento que Bolsonaro fizera numa feira agropecuária em
Maringá, no Paraná, e passou a considerar uma declaração fora do script. Era o
segundo ineditismo.
Diante de uma plateia do agronegócio, Bolsonaro voltara a se eximir de
responsabilidade na disparada da inflação e do preço dos combustíveis e, mais uma
vez, colocara em dúvida a lisura do sistema eleitoral. Disse que seu governo
não aceitava provocações. O destinatário da mensagem era o TSE que, dias antes,
rejeitara as sugestões apresentadas pelas Forças Armadas para “aprimorar” o
sistema eleitoral – a maioria das quais já estava implementada. Com a caneta
Bic aparente no bolso da camisa de mangas curtas, Bolsonaro disse que “todo o
cidadão de bem” deve ter “arma de fogo para resistir, se for o caso, à tentação
de um ditador de plantão”. Emendou: “Todos têm que jogar dentro das quatro
linhas [da Constituição]. Nós não tememos resultados de eleições limpas.
Nós queremos eleições transparentes, como a grande maioria ou, por que não
dizer, a totalidade do seu povo.”
Ataques ao sistema eleitoral, às urnas eletrônicas e ao próprio TSE não
são novidade. Bolsonaro já disse que ganhou a eleição de 2018 no primeiro turno
e prometeu apresentar “as provas” da fraude – o que nunca fez. Também já disse
que a eleição de outubro só seria possível com a adoção do voto impresso – o
que foi derrubado pelo Congresso. Em julho de 2021, fez uma transmissão ao vivo
que durou mais de duas horas para apresentar as tais “provas” de fraude nas
urnas eletrônicas, e acabou fazendo uma declaração inesquecível na altura do
minuto 47 do vídeo: “Não temos provas”, disse. Com esse histórico, Bolsonaro
não falou nada de novo em Maringá. Mas, quando recebeu em seu celular uma cópia
das notícias sobre a fala presidencial, Fachin enervou-se. Decidiu que, no dia
seguinte, na solenidade de teste das urnas no TSE, faria um discurso “um pouco
mais endurecido” e que avançasse além da tradicional ladainha de que “atacar a
Justiça Eleitoral é atacar a democracia”.
Veja: A mentira o desgasta e enfraquece;
mas o mantém conectado à sua base https://t.co/Dp8f13AzZ4
Era perto do meio-dia daquele 12 de maio, e a voz monocórdica de Fachin
cumpria o protocolo com um discurso convencional em que agradecia “a esta
laboriosa equipe” que acompanhou os testes das urnas eletrônicas. Alexandre de
Moraes e Ricardo Lewandowski, os outros dois ministros do STF que integram o
TSE, olhavam seus relógios, impacientes com a hora avançada. Até que um
repórter fez a última pergunta. Queria saber se o discurso de Fachin era um
recado a Bolsonaro. Sem recorrer a nenhum papel, o ministro começou: “Não mando
e não recebo recado de ninguém. Quem defende ou incita a intervenção militar
está praticando um ato que afronta a Constituição e a democracia. Portanto, não
se trata de recado, é uma constatação fática.”
Até aí, era mais ou menos a velha ladainha. Em seguida, Fachin
efetivamente endureceu o tom. Os ministros Moraes e Lewandowski levantaram a
sobrancelha. “Quem trata de eleições são forças desarmadas e, portanto, as
eleições dizem respeito à população civil que, de maneira livre e consciente,
escolhe seus representantes”, disse Fachin. Era um recado a Bolsonaro e à
cúpula militar que o rodeia. “A Justiça Eleitoral está aberta a ouvir, mas
jamais estará aberta a se dobrar a quem quer que seja [sic] tomar as
rédeas do processo eleitoral.” Lewandowski foi o primeiro a estender a mão para
cumprimentar Fachin: “Muito bom”, cochichou. Foi seguido por Moraes, que
assumirá a presidência do TSE em 16 de agosto.
Os dois ineditismos – a presença de todos os ministros e a resposta
forte de Fachin – são sintomas da mesma doença que chegou ao celular de Gilmar
Mendes: um presidente que insiste em envolver os militares num processo
eleitoral sobre o qual ele vive lançando suspeitas. “O que acho inédito nesta
eleição é o fato de ter a possibilidade de reeleição de um presidente da
República que escolheu o TSE como seu principal antípoda”, afirma Hélio
Silveira, ex-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da seccional paulista
da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “O presidente que está no exercício do
mandato acusa o tribunal de estar sendo parcial, e isso é grave. O maior
desafio da Justiça Eleitoral neste ano é buscar mecanismos para fugir dessa
acusação.” Fernando Neisser, advogado especialista em direito e propaganda
eleitoral, faz um acréscimo. Para ele, a maior tarefa do TSE “é garantir a
entrega de um diploma a quem ganhar a eleição presidencial e assegurar que essa
pessoa assuma o cargo, sem esgarçar ainda mais a imagem da Justiça Eleitoral”.
Entre os sete titulares do TSE, Fachin e Moraes são os mais diferentes em
termos de personalidade e ideologia, mas, de modo geral, têm convivido bem na
condição de presidente e vice do tribunal. Para além das disputas internas, tão
comuns nas cortes superiores, os magistrados tentam mostrar que, sob ataques
externos, o plenário está mais unido do que em outros anos, desta vez em defesa
da instituição.
Com uma origem ligada à Igreja Católica e aos movimentos sociais, Fachin
foi indicado para compor o STF pela ex-presidente Dilma Rousseff, cuja eleição
ele apoiou abertamente. Em 2010, fez a leitura de um manifesto de endosso à
petista durante um evento com juristas. Chegou ao STF em 2015, na condição de
um juiz garantista, adjetivo dado ao magistrado que zela pelo cumprimento
minucioso da lei a despeito de clamores populares. Já em sua primeira decisão
relevante, votou contra uma demanda do PT sobre o rito do processo de
impeachment de Dilma. Tornou-se, desde seu primeiro momento, um aliado da
Operação Lava Jato e, por extensão, do então juiz Sergio Moro. (Até hoje,
integrantes do partido afirmam que Fachin foi o grande erro que o PT cometeu
entre as doze indicações que fez ao Supremo em seus treze anos no governo.)
Em 2016, um ano depois de chegar ao STF, Fachin passou a integrar também
o TSE. Ali, costuma ser duro em julgamentos sobre pedidos de cassação e mantém
a mesma postura que adota no Supremo, com decisões que tendem a ser mais
punitivas e alinhadas com a Lava Jato. Em um caso simbólico e de grande
repercussão, ele abandonou sua postura normalmente punitiva, mas manteve-se
fiel aos credos “lavajatistas”. Foi o único voto vencido na decisão de 2019 que
determinou a cassação da senadora Selma Arruda (Podemos-MT), conhecida como
Moro de Saias, porque também trocou a magistratura pela política com o discurso
de combate à corrupção. Fachin considerou que as irregularidades não eram
suficientes para cassar a então senadora por caixa dois e abuso do poder
econômico. Na véspera do julgamento, Moro, então ministro da Justiça do governo
Bolsonaro, fez uma visita ao TSE. A integrantes da corte, defendeu a senadora.
Convenceu um deles.
De perfil comedido e tino político pouco aguçado, Fachin tem sido
considerado um tanto inábil e até intransigente diante das crises,
principalmente com as Forças Armadas, como quando se recusou a receber o
ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, para uma conversa em seu
gabinete. Enquanto isso, ministros e servidores do TSE, que pedem para ficar
anônimos para não criar mal-estar com Fachin, dizem que Moraes é mais engenhoso
no trato com os diferentes atores da República e defende, inclusive, mais
maleabilidade na relação com os militares. Se Fachin é citado por colegas como
“intransigente, mas educado”, Moraes é lembrado como “troglodita, mas
pró-ativo”, aberto ao mundo político, com algum trânsito entre os militares e
boas relações com a polícia de São Paulo, cevadas nos dezessete meses em que
foi secretário de Segurança Pública no governo de Geraldo Alckmin. Num momento
de fricção institucional, esses predicados de Moraes têm sido úteis.
Moraes começou a carreira como promotor de Justiça no Ministério Público
do Estado de São Paulo, onde entrou aos 23 anos e em primeiro lugar no
disputadíssimo concurso público para a função. De perfil conservador, misturou
atuações acadêmicas (é professor livre-docente da Universidade de São Paulo) e
política. Foi filiado ao DEM, ao PMDB e ao PSDB. Quando era secretário de
Segurança, a polícia paulista foi acusada de excesso no uso da força. Chegou a
usar canhões de água para dispersar um punhado de manifestantes na Avenida
Paulista. Colocou em rota blindados israelenses para dispersar protestos.
Moraes era a favor do uso de balas de borracha por policiais em manifestações.
Empossado como ministro da Justiça no governo de Michel Temer, Moraes
chegou a cortar pés de maconha no Paraguai e prometeu acabar com a droga no
continente. A cena rendeu-lhe o apelido de “jardineiro paraguaio”. Seu sonho
era ser ministro do STF, mas achava que sua vez, se um dia chegasse, seria bem
mais tarde. Contudo, no início de 2017, comandava o Ministério da Justiça
quando o ministro Teori Zavascki morreu num acidente aéreo em Paraty, no
litoral do Rio, abrindo uma vaga no Supremo. Moraes foi indicado por Temer,
tomou posse em março e logo passou a integrar também o TSE, onde foi um
importante valete nas articulações que culminaram com o adiamento das eleições
municipais de 2020 em meio à pandemia, devido ao seu bom trânsito com diversos
políticos. Tem fama de xerife, principalmente quando precisa persuadir colegas
a concordar com suas posições, mas, durante a crise com militares, tem
exercitado um lado mais flexível para manter a ponte com as Forças Armadas.
Veja: Bolsonaro, os militares e a democracia https://bit.ly/3NwQssg
Sobre a mesa de Christine Peter da Silva, secretária-geral da presidência
do TSE, estão os ofícios com as 48 perguntas e sete sugestões que as Forças
Armadas enviaram à corte sobre as eleições. Servidora do Judiciário há 23 anos,
dezessete elaborando votos de ministros do STF, Silva organiza seu pensamento
com destreza e rapidez, como se preenchesse mentalmente as caixinhas de
assuntos que sabe que precisa mencionar. Com a voz enérgica, cita dados de memória,
mas a autodisciplina a faz recorrer, de vez em quando, aos documentos
organizados em seu gabinete para ter certeza do que acaba de dizer. Na estante
de sua espaçosa sala, com vista para o Lago Paranoá, uma urna eletrônica modelo
2015 faz as vezes de enfeite ao lado de orquídeas e livros de direito. “É para
eu me lembrar sempre onde estou”, diz ela.
Antes de trabalhar com Fachin no TSE, Silva atuou nos gabinetes de
ministros como Gilmar Mendes, no STF, e de Ives Gandra da Silva Filho, no
Tribunal Superior do Trabalho (TST). Tem opiniões fortes e trabalha em um ritmo
obstinado. Trata os colegas com educação, mas alguns reclamam que poderia
temperar um pouco a gana com que cumpre as tarefas que lhe são delegadas. E
conhece a história de onde pisa. Conta que os militares integraram as equipes
de inteligência que conceberam as primeiras urnas eletrônicas, na década de
1990. Desde então, de acordo com o Código Eleitoral, também participam da
logística e da segurança dos pleitos. Por isso, Silva acha que o ministro Luís
Roberto Barroso não cometeu nenhum erro quando, na condição de então presidente
do TSE, convidou os militares a participar da Comissão de Transparência das
Eleições, em setembro do ano passado. “Partimos do pressuposto de que os
militares nunca iriam fazer nada contra o processo, já que eles eram parte
dele”, diz ela.
Foi com a gana conhecida que Silva debruçou-se sobre os ofícios que as
Forças Armadas mandaram ao tribunal discutindo o sistema eleitoral. No fim do
ano passado, os militares pediram acesso a 27 documentos do TSE, sobre
organogramas, política de riscos e programas antivírus, além de outras
informações, para embasar as perguntas e sugestões que mandariam à corte.
Depois de estudar os documentos, enviaram dois ofícios. O primeiro com 5
perguntas, o segundo com 43. (Silva cita os números de cabeça, mas vai à mesa
contá-los, um a um. “É isso mesmo, 48 no total.”) Os dois ofícios chegaram até
17 de dezembro, dentro do prazo concedido pelo tribunal. As respostas foram
divulgadas em fevereiro pela corte, embora os militares e o próprio Bolsonaro,
ansiosos, cobrassem respostas desde janeiro.
“As perguntas em si não causaram nenhum tipo de assombro”, diz Silva.
“Eram perguntas que qualquer interlocutor técnico faria e mereceram a atenção
dos nossos técnicos, que trabalharam em cima disso desde o início. O susto, e o
que tem gastado praticamente toda a nossa energia, foi a utilização política
dessas perguntas.” Em março, as Forças Armadas enviaram mais um ofício, já fora
do prazo, com 7 sugestões para o processo eleitoral. Foram todas rejeitadas por
Fachin – e 4 já estavam em vigor. A área técnica do TSE, que examinou as
sugestões, comentou que os militares cometeram uma série de imprecisões e até
“erros grosseiros”.
Desde meados do ano passado, o TSE começou a montar uma estratégia para
enfrentar os ataques de Bolsonaro. Durante o recesso do meio do ano, os três
ministros do TSE com assento no STF – Fachin, Moraes e Barroso – articularam-se
com o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, para tentar
neutralizar as investidas de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas. Os quatro
entendiam que a escalada estava chegando perto do insustentável. No dia 29 de
julho, Bolsonaro fez a live de mais de duas horas levantando
suspeitas contra o sistema eleitoral. Os ministros perceberam que, se nada
fosse feito, Bolsonaro talvez conseguisse até aprovar no Congresso a volta aos
velhos tempos do voto impresso, época em que, aí sim, as fraudes eram
corriqueiras.
Decidiram atuar em duas frentes. Barroso, então presidente do TSE,
enviou uma notícia-crime a Moraes, no STF, para investigar a live de
julho e acionou o corregedor Salomão para apurar o caso. Tudo se deu bem
rápido: em 2 de agosto, Salomão aprovou em plenário, por unanimidade, a
abertura do inquérito administrativo contra Bolsonaro. “O papel do corregedor é
fiscalizar e zelar pela isenção da eleição. Se tem alguém contestando, vamos
apurar. Não tive dúvida de instaurar o inquérito”, disse Salomão. Segundo o
ministro, o aspecto mais relevante das investigações – que ainda estão em curso
– foi jogar luz sobre o uso da máquina pública na disseminação de notícias
falsas e descobrir que havia pessoas ganhando muito dinheiro com isso.
“Colhia-se arrecadação de empresários, os sites cobravam, e não era pouco, para
espalhar fake news, e recebiam verba para isso.”
Naquele momento, o inquérito administrativo passou a ser considerado uma
espécie de plano B para conter Bolsonaro, algo que poderia virar inquérito
judicial e até tornar o presidente inelegível para 2022. (Além disso, Moraes já
comandava – como comanda até hoje – o inquérito das fake news, que
apura a disseminação de mentiras pelo bolsonarismo, além das investigações
sobre a interferência do presidente na Polícia Federal para proteger seus filhos
e a associação que fez entre a vacina da Covid e a contaminação pelo vírus
HIV.) Os ministros do TSE avaliam hoje que o inquérito administrativo tem
“muita munição” para uma eventual cassação do presidente, mas sabem que é
praticamente impossível que o registro da candidatura presidencial de Bolsonaro
seja rejeitado.
Atualmente, o inquérito administrativo está nas mãos de Mauro Campbell
Marques, que sucedeu Salomão como corregedor-geral do TSE. Considerado
linha-dura pelos colegas, ele atuou no Ministério Público do Estado do
Amazonas, é conservador, religioso e pouco divide os avanços das apurações com
os pares. Quando lhe perguntam em que pé estão as coisas, diz apenas: “Estou
trabalhando.” Agora em agosto, porém, com o fim do seu mandato, Marques deixará
o TSE, a corregedoria e o inquérito nas mãos de Benedito Gonçalves, também
oriundo do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Considerado mais maleável e
aberto ao diálogo, é um juiz que dificilmente se indispõe com a maioria, mas
ninguém aposta que o inquérito terá resultado antes das eleições.
Veja: O inferno astral de Jair
Bolsonaro https://bit.ly/3Pf8TTy
A Justiça Eleitoral brasileira foi fruto da Revolução de 1932, quando o
resultado do pleito que dava a vitória a Júlio Prestes foi contestado, sob
alegação de fraude. A organização e o comando das eleições passaram então para
as mãos do Poder Judiciário, bem estruturado em carreiras e concursos públicos
para a seleção de juízes. Fechada durante os oito anos do Estado Novo, a
Justiça Eleitoral foi reinaugurada em 1945, mas foi somente depois da
redemocratização em 1985 que a corte ganhou mais visibilidade. Desde então,
teve uma vida razoavelmente fácil, sem contestações, até 2014.
Naquele ano, com a derrota do tucano Aécio Neves na eleição
presidencial, o PSDB contestou o resultado, levantando a suspeita de fraude
para beneficiar a petista Dilma Rousseff. Não deu em nada, pois nunca houve um
fiapo de prova de irregularidade, mas o caso abriu a primeira fissura na
credibilidade da Justiça Eleitoral, o que, na eleição presidencial seguinte,
serviria bem aos propósitos de Bolsonaro. O TSE voltaria aos holofotes em 2017,
no julgamento sobre a cassação da chapa Dilma-Temer, quando a petista já tinha
sido apeada do poder. Também não deu em nada. A decisão mais marcante, porém,
veio no ano seguinte, em setembro de 2018, com a cassação do registro da
candidatura de Lula, que já se encontrava preso em Curitiba havia cinco meses e
liderava as pesquisas de intenção de voto.
Agora, o aumento exponencial da atenção sobre o TSE, seus ministros e
suas liturgias também aprofundou a importância das equipes jurídicas das
principais campanhas presidenciais. São elas que têm a função de provocar a
corte para que o tribunal aja, estabeleça jurisprudência e aprove teses durante
os julgamentos. No início do ano, Valdemar Costa Neto, ex-aliado de Lula e hoje
presidente do partido de Bolsonaro, pediu uma reunião com Tarcisio Vieira de
Carvalho Neto sem adiantar o assunto. Conhecido pelo bom trânsito em todas as
cortes e matizes políticos, Carvalho Neto é ex-ministro do TSE e agendou de
pronto o encontro em seu escritório de advocacia, em Brasília. Recebeu Costa
Neto na sala de reuniões. Sentou-se na cabeceira de uma mesa de dez lugares,
contornada por uma estante de madeira escura, com alguns livros de direito
simetricamente acomodados nas prateleiras. O presidente do PL, por sua vez,
acomodou-se na primeira cadeira à esquerda de Carvalho Neto, e foi direto ao ponto:
“Estou aqui com a missão de contratar o seu escritório, por indicação pessoal
do presidente Bolsonaro, para comandar o jurídico da campanha dele. E só posso
sair daqui com um sim.”
Assinaram o contrato em 18 de fevereiro. Como membro do TSE entre 2014 e
2021, Carvalho Neto conhece muito bem todo mundo da corte, e quem diz isso é
todo mundo, não ele. Dos dois ministros pela classe dos juristas, assim
chamados aqueles que integram o tribunal como representantes dos advogados,
Carvalho Neto foi sócio de um (Sérgio Banhos) e é amigo próximo de outro
(Carlos Horbach). Tem boa relação com os ministros do STJ e do STF, mas não
gostou da fala de Fachin sobre as “forças desarmadas”. Em conversa com a piauí,
disse: “Foi um tom provocativo, um pouco assimétrico dos discursos que ele faz.
Num momento em que se criam algumas dificuldades nesse processo de
fiscalização, isso acaba gerando uma inquietação dos pensamentos mais radicais,
que não são nossos aqui, mas de alguns dos eleitores do presidente Bolsonaro.”
Carvalho Neto diz que a contratação de seu escritório por parte do
partido do presidente é justamente para ajudar a arrefecer a crise. “Pavimentar
essa relação entre Poder Executivo e Poder Judiciário, diminuir as zonas de
fricção, para que seja uma relação menos belicosa. Quero ser um algodão entre
os cristais”, afirma o advogado. De fevereiro a maio, ele já tinha estado cerca
de dez vezes com Bolsonaro e diz que a estratégia para o resto do ano é “não
desperdiçar tempo com discussões que não levam a nada” e investir nas teses
jurídicas mais relevantes, como uso da máquina administrativa, fake
news e uso indevido dos meios de comunicação.
Sua função, afirma, não é conter o discurso do presidente nos seus
ataques infundados contra as urnas eletrônicas. “O sujeito se elegeu sete vezes
deputado, se elegeu presidente, e eu vou dizer: presidente, não toque no
assunto? Ele representa uma parte da população que pensa assim.” E o que
Carvalho Neto pensa? “Pessoalmente, acho que o sistema é seguro. Trabalhei no
TSE sete anos e meio, seria difícil sustentar o contrário, mas o debate
político é legítimo.”
A escolha de Carvalho Neto para o jurídico da campanha de Bolsonaro foi
vista como acertada inclusive na principal campanha adversária. Para alguns
aliados de Lula ouvidos pela piauí, escalar um moderado em tempos
de radicalização foi um “gol de placa”, ao contrário da decisão do próprio PT,
que contratou o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, dono de uma
personalidade irascível. Aragão conhece muito o assunto, já foi vice-procurador-geral
eleitoral no TSE em 2014, mas também já teve encrencas públicas com ministros
das cortes superiores. Uma das mais famosas ocorreu com Alexandre de Moraes. Em
2017, Aragão criticou com aspereza a passagem de Moraes pela Secretaria de Segurança
no governo de São Paulo – tinha, disse ele, “conchavos com o PCC” – e debochou
de sua ascensão ao Ministério da Justiça no governo Temer – “muita areia para a
sua caçambinha”.
Hoje Aragão afirma que as rusgas “estão superadas” e faz elogios à
atuação do ministro, com quem diz já ter conversado algumas vezes depois. “O
ministro Alexandre tem sido muito atencioso com os casos que têm chegado a ele,
e é o ministro que mais tem enfrentado a questão das fake news, de
forma contundente”, diz Aragão. “É muito importante que o ministro Alexandre
esteja à frente do TSE nesta eleição, que terá ainda mais volume de notícias
falsas do que vimos em 2018.”
Quem bancou a escolha de Aragão foi a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Na cultura interna do partido, devem-se reconhecer os serviços prestados e os
gestos de autossacrifício de seus membros – e Gleisi avalia que Aragão fez os
dois. Assumiu o Ministério da Justiça quando Dilma já estava praticamente fora
do Palácio do Planalto e, depois disso, ainda colocou dez dos quinze advogados
de seu escritório para atuar em novecentos processos do PT que correm no
Brasil, a maioria deles por dívidas de campanha. Diante disso, Gleisi achou que
Aragão merecia o posto. Ele está trabalhando ao lado de Cristiano Zanin, que
esteve à frente dos processos de Lula na Lava Jato. Zanin tem a memória de
todos os casos, que devem ser usados pelos adversários contra o petista. Desde
2015, participou de 160 audiências e mais de 350 depoimentos sobre as ações do
ex-presidente.
Até o fim de maio, a campanha do PT já tinha entrado com pelo menos
trinta representações no TSE, a maioria denunciando conduta vedada a agente
público. Nenhuma foi acatada até agora.
Veja: Quem semeia
o caos colhe o quê? https://bit.ly/3zPlBnw
O Tribunal Superior Eleitoral é composto de sete juízes. São 3 oriundos do
STF, 2 do STJ e mais 2 da “classe dos juristas”, que são advogados
especialistas em direito eleitoral. Se reconduzidos aos cargos por mais de um
mandato, podem ficar até oito anos na corte. O sistema – com ministros de
origens diversas e mandatos limitados – foi concebido para evitar que o
tribunal seja capturado por uma determinada orientação ideológica ou
partidária. Mas a hegemonia é do Supremo que, além de ter 3 dos 7 titulares,
sempre ocupa a presidência e a vice, e indica os ministros da classe dos
juristas em lista tríplice, aprovados pelo presidente da República.
Cada ministro titular tem um substituto para imprevistos. Em ano
eleitoral, três dos substitutos são escolhidos para integrar a comissão que
julga casos de irregularidade na propaganda eleitoral. As ações são
distribuídas por sorteio. O sorteado toma a chamada “decisão monocrática”, como
se diz no jargão jurídico quando o juiz decide sozinho, sem ouvir seus pares. E
foi por sorteio que o caso do festival de música Lollapalooza caiu nas mãos do
ministro Raul Araújo. A ação, proposta pelo PL de Bolsonaro sob orientação de
Carvalho Neto, pedia que o TSE proibisse manifestações políticas no evento
porque a cantora Pabllo Vittar levantara uma toalha com o rosto de Lula em seu
show. Araújo mandou proibir – e o mundo desabou sobre sua cabeça.
A decisão feria o histórico do TSE de preservar a liberdade de expressão
e incomodou os demais integrantes do tribunal. A repercussão foi tão negativa e
ampliou tanto a divulgação do gesto da cantora que Bolsonaro chamou Carvalho
Neto para uma reunião. Disse que não estava gostando de ser acusado de censor e
pediu que a ação fosse retirada. O ministro Raul Araújo, que ratificara a
censura, ficou numa situação incômoda. A interlocutores mais próximos, disse
que não tinha ideia do tamanho do festival – em seus três dias, o Lollapalooza
atraiu 300 mil pessoas, em São Paulo – e pensou que a organização do evento
estivesse estimulando a manifestação política dos artistas. Com a decisão do
juiz tomada no escuro, o festival logo ganhou o apelido de Lulapalooza. Araújo
disse que, se o PL não voltasse atrás, ele próprio o faria.
O caso despertou atenção dentro do tribunal. Não é comum que ministros,
sobretudo os substitutos, tomem decisões contrárias à tradição da corte. Os
dois ministros oriundos do STJ, por exemplo, tendem a acompanhar as posições
dos ministros do STF – um respeito que um dos magistrados do Supremo definiu
como “quase reverencial”. Já os dois ministros da classe dos juristas, que se
dedicam quase integralmente ao TSE, votam com extremo zelo, pois, quando deixam
a corte, voltam para o mercado da advocacia com seus passes altamente
valorizados, como aconteceu com Luciana Lóssio, os irmãos Henrique e Fernando
Neves da Silva e o próprio Carvalho Neto, hoje na campanha de Bolsonaro.
A porta giratória os estimula a ficar o maior tempo possível na corte. O
advogado Sérgio Banhos, quase impermeável a achegas políticas, está no seu
último mandato. O advogado Carlos Horbach ainda depende de uma recondução, que
precisa ser aprovada por Bolsonaro – requisito que talvez explique, segundo
seus colegas ouvidos pela piauí, algumas de suas decisões recentes.
Em outubro do ano passado, por exemplo, Horbach foi o único a votar contra a
cassação do mandato do deputado estadual Fernando Francischini (União
Brasil-PR), eleito em 2018 com a maior votação da história do Paraná, 427 749
votos. Por 6 a 1, o TSE cassou-lhe o mandato por, entre outras irregularidades,
ter espalhado notícias falsas sobre as urnas eletrônicas ao afirmar, sem
apresentar provas, que os equipamentos tinham sido adulterados para impedir a
eleição de Bolsonaro no primeiro turno.
A maioria do plenário quis mandar um recado claro: nas eleições de 2022,
mentiras dessa natureza seriam punidas com rigor. Horbach alegou que não havia
provas de que as mentiras de Franceschini tivessem influenciado a eleição,
mesmo porque ocorreram quando faltavam 22 minutos para o fechamento das urnas.
Disse que a conduta do então deputado era reprovável e preocupante, mas não
fora suficiente para abalar a legitimidade do pleito e, portanto, não
justificava a cassação de seu mandato. Mas ninguém compartilhou do seu ponto de
vista. A cassação estava aprovada. Até que o ministro Kassio Nunes Marques,
indicado por Bolsonaro para o STF, decidiu – monocraticamente – suspender a
decisão majoritária do TSE no início de junho. Bolsonaro e seus aliados
festejaram a reviravolta, mas acabaram fazendo papel de bobos. Naquelas idas e
vindas tão próprias do Judiciário brasileiro, a decisão de Nunes Marques acabou
suspensa por 3 a 2 na Segunda Turma do STF – o que deixou Bolsonaro enfurecido.
“Fui do tempo em que decisão do STF não se discutia, se cumpria. Não sou mais”,
ameaçou o presidente, numa solenidade no Palácio do Planalto.
Em 2018, o TSE foi surpreendido pelo surto de fake news. No
ano do pleito, houve uma reunião importante no tribunal. Ao lado de Banhos e
Horbach, o então corregedor-geral Luis Felipe Salomão formava a comissão de
análise das propagandas eleitorais. Nesse encontro, os três discutiram se adotariam
a postura de um juiz de futebol que interrompe o jogo toda hora, ou se fariam
uma intervenção minimalista, deixando a bola rolar. Decidiram pela segunda
opção. Hoje, Salomão admite que a indústria das notícias falsas não estava
clara. A coisa só começou a ficar mais nítida com a publicação de uma
reportagem no jornal Folha de S.Paulo, na qual a jornalista
Patrícia Campos Mello revelou um esquema ilegal de propaganda eleitoral pelo
WhatsApp. Empresários bolsonaristas pagavam para fazer disparos em massa pelo
aplicativo – caracterizando um financiamento proibido pela lei – para
prejudicar o petista Fernando Haddad e favorecer Bolsonaro.
A reportagem saiu entre o primeiro e o segundo turno. Era tarde demais
para o TSE mudar sua abordagem. Mas Salomão não se arrepende da postura que o
tribunal adotou, pois estava baseada no que se conhecia da realidade eleitoral.
“Foi o rumo que a velocidade da campanha foi nos indicando”, diz ele. “Se
tivéssemos sido provocados sobre o assunto, certamente reagiríamos, mas ninguém
se deu conta, não havia um requerimento [sobre fake news] até ali.”
(Em outubro passado, o TSE decidiu não cassar a chapa Bolsonaro-Mourão sob a
alegação de que não havia provas do envolvimento dos candidatos no disparo em
massa pelo WhatsApp. Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes alertou que,
nesta eleição, casos assim, se comprovados, “vão dar cadeia”. Disse: “A Justiça
Eleitoral, assim como toda a Justiça, pode ser cega, mas não é tola.”)
Veja: Polarização de quem contra quem nas eleições presidenciais https://bit.ly/3QQ3t2Q
No dia 27 de abril, o presidente Bolsonaro promoveu um “ato cívico pela
liberdade de expressão” no Salão Nobre do Palácio do Planalto. Na tribuna,
deputados celebravam o perdão que Bolsonaro concedera ao deputado federal
Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado a oito anos e nove meses de prisão por dois
crimes: tentativa de impedir o livre exercício dos poderes e coação em processo
judicial. Na cerimônia, Bolsonaro, outra vez, atacou o TSE. Denunciou a
existência de “uma sala secreta” no tribunal, onde “meia dúzia de técnicos
dizem, ali no final: ‘Olha, quem ganhou foi este.’” O presidente afirmou que,
para solucionar o problema, as Forças Armadas sugeriram à corte uma contagem
paralela dos votos, feita pelos próprios militares, com a instalação de um cabo
ou um duto para que os dados da votação fossem enviados aos computadores da
caserna.
A sala secreta não é secreta. No dia 11 de maio, a piauí visitou
o espaço, o centro nervoso da eleição do Brasil. O lugar onde os votos são
totalizados é amplo e está localizado no anexo do prédio de dez andares que
abriga a sede do TSE, a 2 km da Catedral de Brasília. A estrutura da sala é de
repartição pública: piso branco e baias cor creme, tendo em cada estação de
trabalho duas telas de computador da marca Dell. Nas paredes, um letreiro
colorido de “parabéns” foi esquecido por um aniversariante de antes da
pandemia. O nome oficial é Sala de Totalização. Ao fundo, há um espaço,
separado por um vidro, destinado aos representantes de partidos, Ministério
Público Federal e Polícia Federal, entre outras entidades, que desejam acompanhar
a totalização dos votos.
Neste ano, haverá uma única mudança: serão feitas marcas no chão para
orientar a circulação dos fiscais entre as baias. “Não vamos dar nenhum passo
para trás, só vamos melhorar o que já fizemos para não ter prejuízo ao trabalho
dos técnicos”, afirma Júlio Valente, secretário de Tecnologia da Informação do
TSE. Valente fala com calma. Suas explicações são claras, mas gosta de
acompanhá-las com metáforas ou analogias simples. Repete o que acha importante,
sem elevar o tom de voz. Em 2018, ele era o chefe da Seção de Totalização e
Divulgação de Resultados e aguentou, pacientemente, um fiscal de partido que
passou o dia inteiro no seu cangote. Servidor da Justiça Eleitoral há 26 anos,
assumiu a Secretaria de ti em maio do ano passado, e passou a comandar um time
de trezentas pessoas, distribuídas nas áreas de infraestrutura, segurança da
informação e desenvolvimento de sistemas.
De blazer e calça azul-claros, que combinavam com a máscara N-95 bem
ajustada, Valente caminhava pelo anexo do TSE cumprimentando os servidores e
anunciando o nome e a seção em que trabalhavam. Ele diz estar cansado de
pessoas que falam apenas para ouvir a própria voz, mas tem boa vontade para
explicar à exaustão por que não é possível fraudar a eleição no Brasil. “A
apuração é feita na urna eletrônica e não existem pessoas contando votos aqui,
nem em nenhum lugar do TSE. Quem fica na Sala de Totalização no dia da eleição
são pessoas que desenvolveram os sistemas e garantem que tudo corra bem, para
que não haja nenhuma máquina sobrecarregada”, diz, antes de acrescentar a
metáfora: “É como se a gente colocasse um carro, que é o sistema, para andar em
uma estrada. No dia da eleição, a gente vai cuidando para que não tenha troncos
caídos na pista.”
A lorota da “sala secreta” surgiu – mais uma vez – na apuração da
eleição presidencial de 2014. Naquele ano, o horário de verão entrou em vigor
entre o primeiro e o segundo turno. Os dez estados do Sul, Sudeste e
Centro-Oeste, mais o Distrito Federal, adiantaram o relógio em uma hora. Com
isso, ficaram uma hora à frente dos estados do Nordeste e três horas à frente
dos estados do Norte, que não foram incluídos no horário de verão. Quando a
votação se encerrou nos estados com novo horário, às 17 horas de Brasília, os eleitores
da Bahia ou de Pernambuco, por exemplo, ainda tinham mais uma hora para
comparecer às urnas. Os do Acre, mais três horas. Antes do fechamento das urnas
em todo o território nacional, o que só aconteceria às 20 horas de Brasília, o
TSE decidiu que não divulgaria nenhuma parcial de voto.
Giuseppe Janino, então secretário de TI do TSE, deu a ordem geral. Com
voz empostada, anunciou a todos que estavam na Sala de Totalização as duas
medidas para evitar vazamento: até às 20 horas de Brasília, todos os celulares
ficariam em cima da mesa e as idas ao banheiro seriam acompanhadas por um
segurança. Com a diferença de fuso horário, os primeiros votos a entrarem no
sistema vinham do Sul e do Sudeste. Davam o tucano Aécio Neves na cabeça. Uma
hora depois, entraram os resultados do Nordeste, reduto da petista Dilma
Rousseff. Às 19h32 de Brasília, ainda antes da totalização dos votos do Norte,
a curva de Dilma passou a de Aécio. Pronto: uma oscilação elementar, provocada
pelo horário de verão, deu origem às teorias conspiratórias de “fraude”.
“O fim da tarde e o início da noite foram o pico da criticidade do
processo”, diz Janino, ao rememorar a apuração de 2014. “Tínhamos a
responsabilidade de não divulgar nada até 20 horas de Brasília. E foi aí que se
criou o mito de que existia uma ‘sala secreta’, que não existe. Porque não
existe informação secreta”, diz ele, que é apontado pelos colegas como “pai da
urna eletrônica”, por ter participado do desenvolvimento dos primeiros
equipamentos, em 1995. Ele prefere o apelido que deu a si mesmo: Quinto Ninja.
Porque, quando entrou na equipe, a maioria dos engenheiros era de origem
asiática.
O voto do brasileiro é registrado e apurado na própria urna eletrônica.
Quando a votação é encerrada, a urna consolida os votos que registrou e imprime
– num papel – o resultado no chamado boletim de urna. As informações ficam
disponíveis na seção eleitoral para qualquer cidadão. Neste ano, cada boletim
de cada urna no país – estima-se que serão cerca de 500 mil urnas – também
ficará acessível online e em tempo real, para que qualquer eleitor possa checar
a apuração dos votos. Com esse sistema, e isso Bolsonaro nunca admite
publicamente, os partidos ou entidades interessadas podem ir somando urna por
urna antes mesmo do TSE e, assim, ir fazendo uma contagem paralela de votos.
Deste modo, qualquer divergência pode ser auditada.
Da urna, as informações contidas no boletim são gravadas e
criptografadas pelo próprio equipamento em uma mídia digital. Feito isso, as
informações são transmitidas para o TSE por um sistema interno de comunicação.
Em nenhum momento a urna é ligada à internet, o que torna o sistema totalmente
imune a ataques hackers. No TSE, as apurações que chegam criptografadas são
então somadas de forma automática, sem intervenção humana, por computadores que
estão na sala-cofre. Ninguém entra nessa sala para mexer nos terminais. É uma
espécie de cápsula à prova de incêndio, alagamento, radiação e terremoto, onde
tudo é filmado por câmeras sem nenhum ponto cego.
No dia da eleição, cerca de sessenta técnicos – trinta da área de
infraestrutura e trinta da de desenvolvimento – se revezarão na Sala de Totalização
para garantir o bom funcionamento dos sistemas. A primeira turma chegará por
volta das quatro da manhã, antes do início da votação, e a última sairá quase
24 horas depois, já com o resultado proclamado. O momento mais tenso é o do fim
da votação, com a transmissão de dados. Afinal, as 500 mil urnas estão
distribuídas em 455 mil seções eleitorais, e cada seção eleitoral produz até
quatro arquivos. São eles: o boletim de urna, a tabela de registro digital dos
votos, as informações sobre os eleitores que não compareceram e, finalmente,
os logs (registros de eventos) do software da urna eletrônica,
que funcionam nos moldes da “caixa preta” dos aviões. Esses quatro arquivos de
cada seção eleitoral são, todos eles, passíveis de auditoria.
Para desastres e ataques, há o que os servidores chamam de “plano de
continuidade”, que já foi desenvolvido e aprovado para este ano, mas não pode
ser divulgado por motivos de segurança. Sabe-se, no entanto, que são analisados
incontáveis cenários de catástrofe. O pior deles: a explosão do prédio do TSE.
Nesse caso, técnicos garantem que o voto fica preservado em vários pontos do
processo – na seção eleitoral, no boletim de urna e em back-ups produzidos
dentro das próprias urnas. “Se as proteções aos servidores da sala-cofre
falharem diante de algum sinistro, há condição de recuperar a informação
principal”, explica Janino.
Entretanto, o que mais preocupa é outra coisa. Sob o anonimato, sete
magistrados, ex-magistrados e servidores do TSE ouvidos pela piauí afirmam,
com maior ou menor ênfase, que o dado mais sensível é a radicalização política.
O temor, que nenhum deles quer expressar em público, é uma convulsão social no
dia da eleição, que culmine com a tentativa de invasão da sede do TSE em
Brasília para impedir a proclamação do resultado. O receio, claro, vem dos
acontecimentos dramáticos do dia 6 de janeiro de 2021 em Washington, quando uma
turba, incentivada pelo então presidente Donald Trump, invadiu o Capitólio,
sede do Parlamento, para melar a eleição de Joe Biden e impedir que o vitorioso
fosse diplomado como presidente do país. Mas a preocupação dos ministros não se
restringe aos dias de votação – 2 e 30 de outubro. Inclui o ato de diplomação
do vitorioso, que deve ocorrer até o dia 19 de dezembro nas dependências do
TSE, em Brasília. Da derrota em outubro à diplomação em dezembro, o derrotado
terá tempo suficiente para mobilizar a turba.
“O que se faz em estado de emergência? Só se sabe na hora”, diz
Christine Peter da Silva, secretária-geral do TSE. “Ao reconhecer que ele pode
existir, você tenta evitá-lo. Primeiro, com campanhas para que a Justiça
Eleitoral esteja em condições de acalmar os eleitores. Segundo, nos preparando
com todas as forças para alianças institucionais de segurança física e
cibernética, com as polícias militares e civis. Já houve um reforço nos últimos
anos mas, desta vez, é carga total.”
Silva reconhece que quem está na ponta precisa de mais segurança,
instrução e treinamento, porque estará em contato direto com os eleitores. No
fim de maio, o TSE promoveu uma reunião online para apresentar um plano de ação
aos servidores da Justiça Eleitoral em relação a fake news e
possíveis atentados. Comandada por Frederico Alvim, assessor especial de
Enfrentamento à Desinformação da corte, a reunião mostrou que há funcionários
assustados. Alguns relataram ter sofrido ameaças e agressões na eleição
passada, quando, já então, havia o mote de que as urnas eletrônicas não eram
confiáveis. (Segundo pesquisa do Datafolha divulgada em maio, 73% dos eleitores
brasileiros confiam nas urnas, mas, dois meses antes, esse percentual era de
82%.)
Ricardo Lewandowski estava de terno e gravata azuis quando se recostou no
sofá de couro do seu gabinete no STF. Depois de 32 anos de magistratura, sem
pompa ou soberba, ele afirma que sua função é transmitir alguma tranquilidade
nesse período de contestações ao sistema que, reconhece, nunca viu antes. Ele
já foi presidente do TSE de 2010 a 2012 e, em agosto, vai assumir a
vice-presidência da corte, na gestão de Alexandre de Moraes.
Com voz serena, Lewandowski manda um recado categórico: “Nós vamos
proclamar o resultado das eleições. Se, fisicamente, alguém quiser impedir a
proclamação – e ela não precisa acontecer necessariamente nas dependências do
tribunal –, não terá nenhuma chance de sucesso. O TSE estará onde os ministros
do TSE estiverem. Estamos dispostos a arriscar tudo para cumprir a missão. Medo
físico eu, pessoalmente, não tenho.” Hoje, os ministros do TSE dispõem de
segurança pessoal, comandada por agentes da polícia judicial, todos
concursados. Os juízes ocupam um prédio espelhado de dez andares, projetado,
como tantos outros em Brasília, por Oscar Niemeyer. Nas pontas do sexto ao nono
pavimentos, com as melhores vistas, ficam os gabinetes dos ministros titulares.
Durante sua presidência, de maio de 2020 a fevereiro deste ano, o
ministro Luís Roberto Barroso já envolvia seus sucessores nas discussões que
teriam impacto no pleito de 2022. Tomou as decisões mais delicadas em consenso
com Fachin e Moraes. Entre elas, a troca do comando da área de ti de Giuseppe
Janino para Júlio Valente. A ideia foi renovar a mentalidade da equipe e
incrementar a cibersegurança, além de elaborar um plano de enfrentamento dos
ataques da extrema direita. Barroso acha que se saiu bem e, como gosta de
elencar tudo em três itens, o balanço de sua gestão vem na forma de um tripé:
“1) Realizar eleições na pandemia, com um plano de segurança que impediu a
disseminação da doença; 2) Impedir o retrocesso do voto impresso; e 3) Ter
conduzido um duro e relativamente bem-sucedido enfrentamento às fake
news, em um contexto em que precisei fazer um embate de resistência
democrática contra os ataques à lisura do processo eleitoral e à democracia.”
Lewandowski, por sua vez, sabe o desafio que tem pela frente. “As
eleições coordenadas pela Justiça Eleitoral são como um jogo de futebol. Se o
juiz atua muito, não dá certo”, diz ele, recorrendo à imagem futebolística que
pautou o comportamento da corte em 2018. “Os ministros do TSE são zeladores de
um patrimônio – a democracia. Por mais que tenhamos divergências, que não
concordemos em tudo ao interpretarmos o Código Eleitoral, o plenário está unido
em defesa do patrimônio comum. O problema não está no TSE ou nas urnas.”
De fato, o tribunal se empenhou. Fez um acordo de cooperação com as
plataformas de redes sociais que se comprometeram a trabalhar para controlar a
difusão de desinformação. Depois de muita pressão, conseguiu atrair até o
Telegram, que resistia a qualquer acordo. A plataforma só cedeu depois que o STF
determinou seu bloqueio no Brasil. O tribunal também fez acordo com líderes
religiosos para que evitassem pregações, sermões e homilias mentirosas,
violentas ou preconceituosas. O pastor bolsonarista mais histriônico, Silas
Malafaia, ficou indignado com a iniciativa, acusou os líderes religiosos de
alienados ou “esquerdopatas” e conseguiu promover o boicote das maiores igrejas
evangélicas. Ainda assim, o acordo foi assinado por juristas evangélicos e
representantes de judeus, muçulmanos, católicos, espíritas, adventistas,
budistas e religiões de matriz africana.
Como candidato à reeleição e aspirante a juiz do processo eleitoral, Jair
Bolsonaro já atacou tanto o TSE e as eleições que conseguiu produzir o receio
de que a corte tenha uma atuação permissiva nesta eleição. “O tribunal está
sendo alvo de manipulação por parte do Bolsonaro. Ao mesmo tempo, o que
preocupa é que a corte fique fragilizada por ataques virulentos, e como ela vai
reagir aos abusos”, diz Aragão, o advogado do PT. “A desinformação e o esgarçamento
institucional sobre o TSE são os dois grandes temas de preocupação da campanha
de Lula”, completa Zanin, seu colega no jurídico da campanha petista.
Em certa medida, Bolsonaro já obteve concessões que, em um ambiente de
normalidade institucional, seriam inaceitáveis. Quando se revoltou contra a
manutenção da cassação do deputado Francischini, sentiu-se à vontade para
desafiar publicamente o tribunal ao dizer que, tal como o deputado, ele também
dissera que houve fraude na eleição de 2018. E reafirmou que houve fraude, pois
recebeu “centenas de telefonemas” no dia da eleição denunciando
irregularidades. Só faltou dizer ao TSE: “E aí, vão me cassar também?”
No domingo, dia 12 de junho, Bolsonaro voltou à carga. Em discurso via
telão na versão brasileira da Conservative Political Action Conference (CPAC),
uma organização conservadora criada nos Estados Unidos, disse que se Lula
“ganhar na suspeição, aí complica”, repetiu que houve fraude em 2014 e saiu-se
com uma nova tese sobre a “fraude” de 2018. Afirmou que “um partido” contratou
hackers para adulterar os resultados, pagou a primeira parcela, mas deixou de
pagar a segunda. Por isso, os hackers fraudaram o primeiro turno, mas, sem
pagamento, não fraudaram o segundo turno. “Os hackers não alteraram o resultado
do segundo turno e aí aconteceu a minha vitória”, disse Bolsonaro. Mas
introduziu sua tese com uma frase memorável: “O que eu acho, não tenho provas.”
O que mais chama a atenção, no entanto, é a crescente desinibição dos
militares para fazer o jogo de Bolsonaro. A tropa de choque é formada por
quatro generais quatro estrelas, egressos do Alto Comando: Augusto Heleno,
Braga Netto, ainda cotado para ser candidato a vice na chapa de Bolsonaro, Luiz
Eduardo Ramos e o próprio ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira. Um
inquérito da Polícia Federal, cujo conteúdo foi parcialmente divulgado em maio,
mostra que os generais Heleno e Ramos estão, desde 2019, tentando encontrar
dados que possam sustentar a tese de fraude nas urnas eletrônicas. Segundo o inquérito,
um técnico em eletrônica, Marcelo Abrileri, disse que foi convidado pelo
general Ramos para uma reunião com Bolsonaro no Palácio do Planalto, na qual se
discutiu o assunto das fraudes. A reunião durou uma hora e não se achou nada de
concreto. Mas a luta continua.
Veja: Bolsonaro age como derrotado https://bit.ly/3wzziDL
A mais recente investida veio na forma de um ofício do ministro da
Justiça, Anderson Torres, informando ao TSE que a Polícia Federal participará
de todas as etapas de fiscalização das urnas, inclusive “usando programas
próprios”. O tom do documento, duro e ameaçador, causou estranhamento entre os
ministros do tribunal, mas não deixou dúvidas de que o governo está, agora,
empenhado em recrutar também os policiais federais para o plano de sabotagem
das eleições. Entre os quatro generais envolvidos na difusão do discurso
bolsonarista de desacreditar as eleições, quem ocupa o proscênio neste momento
é o ministro Paulo Sérgio Nogueira. Associando-se ao movimento do ministro da
Justiça, ele enviou ofício ao TSE avisando que mandará representantes para
fiscalizar a eleição e pediu que o tribunal indicasse um funcionário para ser
“ponto de contato”.
É parte do jogo de pressão e constrangimento, sobretudo porque o ofício
do ministro-general era desnecessário. Em resposta, o ministro Fachin abriu
prazo de quinze dias para que a PF e o Ministério da Defesa inscrevam seus
representantes, que atuarão na fiscalização das urnas ao lado de todos os
demais indicados das outras entidades e partidos. Foi um meio de dizer que quem
está à frente do processo é o TSE, e nem Polícia Federal, nem Forças Armadas
terão papel especial.
Antes disso, o ministro Paulo Nogueira já se estranhou com o TSE.
Incomodado com a recusa do tribunal às suas sugestões e a menção aos “erros
grosseiros”, o Ministério da Defesa, que tem assento na Comissão de
Transparência, entregou uma tréplica ao TSE no dia 10 de junho. O documento,
assinado pelo ministro Nogueira, rebateu a análise do tribunal e reclamou que
as Forças Armadas “não se sentem devidamente prestigiadas” na discussão para a qual
foram convidadas.
O tribunal agradeceu a tréplica, prometeu estudar tudo e, no dia
seguinte, resolveu divulgar um balanço mais detalhado sobre as sugestões que os
militares e as demais entidades apresentaram no âmbito da Comissão de
Transparência. A ideia, aparentemente, é acalmar os ânimos do Ministério da
Defesa, porque o quadro final adota uma nova nomenclatura – o que antes era
considerado “rejeitado” virou sugestão para ser “analisada no próximo ciclo
eleitoral” ou “parcialmente acolhida” – e indica o seguinte: os militares
apresentaram 15 propostas (8 dentro do prazo definido pelo tribunal, 7 fora,
segundo os técnicos). Dessas, 2 se repetiam. Restaram 13, das quais 6 foram
acolhidas integralmente, 3 parcialmente, 3 ficaram para análise em futuras eleições
e apenas 1 foi rejeitada porque, segundo o TSE, feria a legislação vigente.
Apesar da adesão dos generais de Bolsonaro à sua tese, a paisagem geral
nas Forças Armadas é nebulosa. Em conversas reservadas, dois ministros do
tribunal insistiram com a piauí que a maior parte das Forças
Armadas não adere a uma aventura golpista de Bolsonaro e vai respeitar o
resultado das urnas. Mas um levantamento feito pela Folha de S.Paulo mostrou
com clareza estatística como os militares foram seduzidos por Bolsonaro a
desmoralizar o sistema eleitoral. De 1996 até o final de 2021, as Forças
Armadas não levantaram uma única objeção às eleições e ao sistema eletrônico de
votação, o que inclui os pleitos de 2014 e 2018 – os dois que Bolsonaro diz que
foram fraudados. Ficaram, portanto, 25 anos em silêncio. Mas, do final de 2021
para cá, os militares foram tomados por uma preocupação súbita com a segurança
do pleito e a urna eletrônica e apresentaram ao todo – entre dúvidas, sugestões
e pedidos diversos – 88 questões sobre o processo. Diante disso, quando
Bolsonaro mandou a mensagem para o celular do ministro Gilmar Mendes
perguntando “O que teme o TSE?”, a resposta era óbvia: O TSE teme o mesmo que
todos os democratas.
Veja: Será aceitável que 9 crimes tão graves fiquem impunes? https://youtu.be/sJ2lSvc193E
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