Clima:
como o capital sabota soluções
Há saídas
contra ao aquecimento; entre elas, voltar aos cultivos tradicionais, como
propõem agricultores de Bangladesh. Mas FMI e corporações globais capturam
agenda climática para impor soluções de mercado. Só obtêm
efeitos desastrosos
Casey Williams, Outras palavras
No início da década
de 1980, o Banco Mundial abordou Bangladesh com uma oferta. O banco emprestaria milhões de dólares ao governo
para transformar os campos de arroz ao longo da costa do país em lagoas de água
salgada para a criação de camarões para exportação. Típico dos programas de
ajuste estrutural promovidos pelo banco na época, o “Projeto de Cultura do
Camarão” enriqueceu fabulosamente alguns proprietários de terras, enquanto
roubava as terras dos pequenos agricultores e deixava os trabalhadores rurais
com poucos meios de subsistência. A desapropriação foi aberta e insidiosa. Onde
a terra não foi roubada à força ou por fraude, os lagos de camarão bloqueavam
os canais de irrigação, destruindo as fontes de alimento e água que sustentaram
a vida rural durante séculos. Pequenos agricultores foram obrigados a vender
seus lotes e procurar trabalho nas cidades.
Hoje,
Bangladesh é um país mais conhecido por enfrentar a catástrofe climática do que
por exportar camarão – especialistas dizem que o país, de baixa altitude, pode
perder 17% de suas terras por conta do aumento do
nível do mar até 2050. À medida que o governo luta para responder a essa
ameaça, a aquicultura de camarão está sendo rebatizada como “adaptação
climática”. Transformar mais arrozais em fazendas de camarão, segundo esta
linha de pensamento, pode ser uma maneira de minimizar ou até mesmo capitalizar
os efeitos prejudiciais da invasão dos mares.
Isso não se
restringe a Bangladesh. A impressionante insuficiência dos compromissos
estatais de descarbonização e o desastre rotineiro que disso resulta têm como
consequência que as medidas de adaptação estão em vias de se tornar a peça central da
política climática internacional. No entanto, essas medidas são relativamente
pouco avaliadas. Uma vez por ano, na cúpula climática da ONU, ativistas e
negociadores de regiões vulneráveis exigem que os Estados Unidos e a Europa
cumpram sua obrigação de fornecer US$ 100 bilhões por ano em “financiamento
climático”. Mas esses confrontos ocasionais em torno de um tanto de dólares
evitam perguntas sobre o que esse dinheiro está efetivamente produzindo. Mais de 80% do financiamento climático é
desembolsado na forma de empréstimos, muitos deles com juros de mercado, cujos
destinatários correm o risco de ser capturados na arapuca do endividamento. E
os programas financiados frequentemente apoiam projetos de desenvolvimento
econômico cuja capacidade de construir resiliência real contra os efeitos
sociais das mudanças climáticas é bastante questionável.
Dois livros
recentes lançam um ataque feroz contra o regime dominante de adaptação ao
clima. Threatening
Dystopias (Distopias
ameaçadoras), de Kasia Paprocki, analisa mais de dois séculos de
transformação no setor agrário em Bangladesh. Seu trabalho mostra como os
recentes projetos de adaptação se assemelham à extração colonial que ajudou a
tornar o país tão vulnerável às mudanças climáticas. Em The Great Adaptation (A grande adaptação),
Romain Felli referencia-se em David Harvey para argumentar que a “acumulação
por desapropriação” tem sido uma característica definidora das ações de
adaptação climática desde o início. Escrito para não especialistas, o livro
segue o trabalho de Naomi Klein e McKenzie Funk, mas com uma diferença
importante – o “capitalismo de desastre” que Felli descreve é promovido não
por fundos especulativos ou companhias de petróleo, mas pela Fundação
Rockefeller, resseguradoras suíças, o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e outros atores aparentemente mais inócuos. Mas o que mais distingue o
relato de Felli, publicado pela primeira vez em francês em 2016 e agora
disponível em inglês, é seu foco na questão do trabalho. Segundo seu relato, o
capital está usando a mudança climática não apenas para privatizar serviços
públicos e extrair recursos, mas também para reunir novos exércitos de reserva
de mão de obra. “Para ser franco, o choque do aquecimento global está sendo
usado para ampliar os mecanismos de mercado e aumentar a integração de
populações marginais no mercado global”, escreve Felli. “A adaptação às
mudanças climáticas é, portanto, parte dos mecanismos de extensão do mercado e
– com base nisso – da acumulação primitiva de capital.”
Leia
também: A FLORESTA SUMIU, NINGUÉM SABE, NINGUÉM VIU https://bit.ly/3AByP7C
Adaptação
climática tornou-se sinônimo de desenvolvimento capitalista, mas nosso futuro
depende da conquista de algo melhor que isso. Juntos, esses livros fazem parte
de um esforço renovado por parte de acadêmicos e ativistas de politizar as
medidas de adaptação climática — exigir respostas sobre como exatamente é a
medida de adaptação, por que é considerada necessária, como é realizada e em
benefício de quem. Desafiando o desespero climático, Felli e Paprocki
argumentam que uma forma mais humana de medidas de adaptação é possível, mas
apenas se as pessoas comuns tiverem o poder material para decidir como será.
Em The Great Adaptation,
Felli traça as origens da adaptação climática como conceito, teoria e regime
político, remontando aos primórdios do neoliberalismo. Em meados da década de
1970, as primeiras evidências do aquecimento global colocavam em questão a
viabilidade de longo prazo do capitalismo. À luz do efeito estufa, parecia
razoável perguntar: uma economia cujo crescimento é baseado em combustíveis
fósseis seria compatível com um planeta habitável? A sabedoria científica
convencional da época sustentava que combater o aquecimento global
significaria, no mínimo, regular as emissões de gases de efeito estufa – quando
não impor restrições mais radicais à indústria. Economistas neoliberais que
ganhavam destaque na época, como Thomas Schelling e William Nordhaus, buscaram
anular essa linha de pensamento propondo uma solução diferente: com uma mistura
de liberalização de mercado, inovação tecnológica e controle populacional,
argumentavam eles, o capitalismo seria capaz de “se adaptar” aos efeitos da
mudança, ao mesmo tempo em que provar a superioridade do livre mercado sobre a
intervenção estatal no estilo soviético. Suas primeiras propostas tornaram-se um
modelo para a futura política climática. A priorização das medidas de adaptação
sobre a descarbonização não apenas deu aos capitalistas uma desculpa para
continuar queimando combustíveis fósseis, mas também ajudou a reforçar uma
imagem idealizada do mercado como fonte de soluções.
Em suas
intervenções, os defensores das medidas de adaptação muitas vezes subestimaram
as causas sociais das crises climáticas. Felli menciona a fome brutal de
1968-1974 na região do Sahel, na África, que rapidamente se tornou um estudo de
caso para pesquisadores que estudam como as mudanças climáticas podem
contribuir para a escassez de alimentos. A fome, uma das várias fomes em massa
de meados do século, foi causada principalmente pelo aumento dos preços dos
grãos impulsionado pela “agricultura voltada para a exportação em vez de
alimentar a população”, escreve Felli, citando o relatório de três partes do
climatologista Rolando García para o Instituto Aspen e a Federação
Internacional de Institutos de Estudos Avançados, publicado na década de 1980.
Os cientistas que encomendaram o relatório enterraram suas descobertas e
atribuíram a fome a outras forças: variabilidade climática e superprodução.
Explicar a fome dessa maneira abriu a porta para medidas destinadas a submeter
a natureza ao controle racional, incluindo o controle populacional
neomalthusiano (chegando até à proposta de esterilização em troca de alimentos) e
programas destinados a substituir a agricultura camponesa pela agricultura
industrializada.
Para Felli,
este exemplo mostra como o foco nas mudanças climáticas pode nos cegar para
outros fatores que contribuem para uma crise e, assim, distorcer as nossas
respostas a ela. As “causas imediatas – guerras, violência, espoliação,
processos de exclusão e marginalização – desaparecem por trás da grande
narrativa do aquecimento global, à qual é atribuído um papel onipotente na
determinação dos assuntos humanos”. Também se criam novas oportunidades para
expansão do capital, pois os formuladores de políticas apresentam a transição
de uma economia agrária para uma economia industrial como a melhor maneira de
se adaptar às mudanças climáticas. Felli menciona vários exemplos recentes, incluindo
um esquema de “microsseguro” na Etiópia que compensa os agricultores camponeses
por perdas relacionadas ao clima enquanto os puxa para dentro dos mercados
financeiros globais, e um projeto de adaptação “baseado na comunidade” na Turquia, projetado pelo Programa de
Desenvolvimento da ONU e pelo Ministério do Meio Ambiente do país, cujo intuito
é, em parte, manter baixos os salários dos trabalhadores migrantes curdos e
árabes. Nesses e em outros casos, a adaptação climática fornece um álibi para
um modelo de desenvolvimento que iguala progresso a expansão dos mercados.
O regime de
adaptação neoliberal está em pleno curso hoje em Bangladesh. Mas, no relato de
Paprocki, a história relevante começa no século XVIII, quando a Companhia das
Índias Orientais colonizou o Delta do Bengala. Em um conhecido drama de
cercamento, os governantes britânicos condenaram as densas florestas da região
e a instável paisagem aluvial a tornar-se um grande terreno baldio – uma
“abundância vagabunda, descuidada e podre” – a ser dragada, derrubada e arada
pela propriedade privada. Passaram-se séculos, no entanto, a característica
natural mais marcante da região, o manguezal de Sundarbans, continuou a
assombrar a imaginação colonial e, mais tarde, pós-colonial, como um lugar de
incerteza perigosa. Sucessivas classes dominantes experimentaram diferentes
formas de gestão da paisagem, incluindo aterros e “polders” de estilo holandês em meados do
século XX. Eles transformaram a paisagem: um geógrafo estimou que os Sundarbans
encolheram pela metade, à medida que milhões de hectares foram abertos ao
cultivo.
Os aterros se
degradaram, cortando a água para algumas áreas e alagando outras. O Projeto de
Cultura de Camarão do Banco Mundial surgiu em parte em resposta a essas
tentativas anteriores fracassadas de racionalizar o delta. Se a infraestrutura
de má qualidade estava tornando o solo muito salgado para cultivar, segundo
essa linha de pensamento, os campos poderiam se tornar fábricas de camarão. Os
pequenos produtores resistiram à mudança do arroz para o camarão em todas as
etapas. Mas no distrito de Khulna, no sudoeste, onde Paprocki conduziu
pesquisas etnográficas ao longo de vários anos, grandes proprietários de terras
acabaram apreendendo os fluxos de água, dando-lhes “controle de fato sobre as
decisões de produção em toda a área”. A salinidade do solo aumentou e a paisagem
se transformou: as árvores frutíferas morreram, os jardins pararam de crescer e
a água não pôde mais ser retirada dos poços. A indústria do camarão destruiu a
vida agrária e roubou das pessoas a terra, os recursos e o poder político
necessários para responder às mudanças ambientais em seus próprios termos.
Os atuais
impulsionadores das medidas de adaptação invocam o futuro incerto, mas
catastrófico de Bangladesh (um quarto do país submerso!) para pressionar por
projetos de desenvolvimento que integrem mais as áreas rurais bengalis aos
mercados de trabalho capitalistas – retirada de escumalha de lago, tirar
cabeças de camarão, ou, mais provavelmente, costurar camisetas numa fábrica de
vestuário urbano. O local de campo de Paprocki em Khulna é “considerado
amplamente como a região mais vulnerável do país mais vulnerável do mundo”.
Essa retórica herda a visão colonial de Bengala: uma paisagem perigosa que
promete riquezas e, ao mesmo tempo, ameaça com a ruína.
Para
Paprocki, é precisamente esse sentimento de que a catástrofe é inevitável que
funciona como uma licença para a desapropriação de populações “sem terra e
pobres” em nome da adaptação climática. Apresentar o sudoeste de Bangladesh
como uma região sem esperança à beira do colapso despolitiza as lutas sobre
como o futuro deve ser. Esta é talvez a observação mais importante de Paprocki:
previsões climáticas distópicas criam uma atmosfera de crise na qual políticas
que beneficiam o capital, não as pessoas, podem ser forçadas em nome de evitar
certos desastres.
Aqui, há uma
lição desconfortável para o movimento climático. De figuras dominantes como Bill McKibben a esquerdistas como Andreas Malm, os ativistas climáticos muitas
vezes exploram o perigo cataclísmico do aquecimento descontrolado para exigir
cortes rápidos nas emissões. Fazer isso é totalmente compreensível. O aumento
das temperaturas globais já causa estragos, à medida que tempestades, secas e
incêndios florestais intensificados devastam os lugares e as pessoas menos
responsáveis pelas mudanças climáticas. O risco, no entanto, é que ao
caracterizar a mudança climática como um apocalipse que se aproxima cria-se uma
situação em que qualquer
coisa pode ser feita porque alguma coisa precisa ser feita
imediatamente, parafraseando E.P. Thompson. E quando algo deve ser feito
imediatamente, aqueles com mais poder social geralmente decidem o que é que vai
ser feito. Por isso, exigir providências emitindo previsões apocalípticas corre o risco de
dar cobertura ideológica à expansão capitalista, vista como a resposta mais
realista a uma crise que exige ação urgente. Pela mesma lógica, as propostas
climáticas socialistas e até social-democratas parecem grandes, complicadas e
previdentes demais para serem levadas a sério.
Leia
também: As mudanças que afetam a retomada da economia global https://bit.ly/3NnFF3n
A migração climática fornece um exemplo gritante. Há pouca
dúvida de que as mudanças climáticas obrigarão muita gente a se deslocar. Mas ao exagerar o
papel das mudanças climáticas como causa da migração obscurece outras causas
mais imediatas desses mesmos deslocamentos: apropriação de recursos
neocoloniais, política comercial neoliberal e militarismo. Comparada a esses
problemas, a migração climática parece administrável – e até apresenta
oportunidades para a classe capitalista. Felli observa que o Banco Mundial e a
Organização Internacional para as Migrações começaram a apoiar a migração como
uma estratégia de adaptação, até porque os trabalhadores migrantes se tornam
bons sujeitos neoliberais. Como disse um relatório do Banco Mundial: “O esforço
empreendedor dos refugiados… os torna um recurso potencialmente importante que
pode aumentar a capacidade da comunidade anfitriã de se adaptar às mudanças
climáticas”. Nos Estados Unidos e na Europa, tratar os migrantes tanto como um
recurso e quanto como uma ameaça dá sustentação a um regime de fronteiras simultaneamente liberal e
nativista, que mantém alguns migrantes do lado de fora e acolhe outros
como trabalhadores superexploráveis.
Além da
migração, a ameaça de emergência climática permite que os capitalistas
apresentem projetos de exploração como urgentes e bons para a humanidade. Elon
Musk sente-se livre para tratar trabalhadores como sujeira porque produz carros
elétricos; as corporações multinacionais de mineração têm permissão para
pisotear a soberania indígena para minerar o lítio de que precisamos para
produzir as baterias dos carros; e os bancos podem usar referências à energia
verde para pressionar pela privatização de serviços públicos em
lugares como a África do Sul. Isso não quer dizer que as mudanças climáticas
não estejam se tornando catastróficas. É apenas para dizer que o papo da
emergência, especialmente o papo que descarta como fantasiosa a oportunidade de pôr fim ao capitalismo
fóssil, pode facilmente fornecer cobertura retórica para novas
rodadas de pilhagem.
Em seu
livro, Paprocki oferece o vislumbre de uma alternativa. Antes de iniciar sua
pesquisa, ela passou anos trabalhando com coletivos sem-terra em Bangladesh,
juntos conhecidos como Nijera Kori (“nós fazemos com nossas próprias mãos” em
bengali). Sua luta contra a desapropriação se baseia em uma visão de futuro que
difere nitidamente do que é oferecido pelo regime dominante de adaptação ao
clima: um retorno ao cultivo de arroz e à propriedade equitativa da terra que
outrora definiram a economia agrária da região. A ideia de que um futuro
pós-capitalista pode parecer um passado agrário tem sido criticada há muito
tempo pelos marxistas – por algumas boas razões (modernização promete aliviar muito trabalho
penoso) e algumas razões menos convincentes (o caminho para o comunismo é
necessariamente um processo de duas etapas em que os camponeses primeiro deve
se tornar proletários). Mas a reforma agrária sempre foi central para o
projeto socialista, especialmente em contextos pós-capitalistas, e o Nijera Kori
enfatiza que a recuperação de terras significa criar um futuro melhor, não
apenas retornar ao passado. Paprocki não defende que todos devam retornar à
terra, o que não é possível nem desejável para a grande maioria das pessoas em
nosso mundo predominantemente urbano. Mas em Khulna, os pequenos proprietários
recuperaram com sucesso lotes para o cultivo de arroz e expressaram otimismo a
respeito da recuperação de terras em larga escala.
Os ativistas
de Nijera Kori raramente mencionam as mudanças climáticas, observa Paprocki.
Mas a visão de justiça agrária do grupo não deixa de ser uma visão do que
poderíamos chamar de “adaptação justa” às mudanças climáticas. Mesmo que o
camarão seja o principal culpado pela salinização até agora, o nível do mar
está subindo. Este e outros efeitos da mudança climática, como ciclones mais
intensos, transformarão ainda mais a paisagem do sul de Bangladesh, forçando as
pessoas a fazer escolhas difíceis sobre ficar ou sair. Paprocki argumenta que o
atual regime de adaptação tornou os pequenos proprietários mais vulneráveis a
essas mudanças, não menos, porque preserva um sistema desigual de propriedade
capitalista da terra. A aposta de Nijera Kori é que a recuperação de terras
para a agricultura não capitalista dará aos pequenos proprietários os recursos
e o poder necessários para responder aos choques climáticos de forma a proteger
seus interesses. Não há garantias, é claro, nem dos projetos locais de
adaptação climática, por mais justos que sejam, de que se faça muito para
acabar com a economia de combustíveis fósseis. Mas vale a pena levar a sério a
afirmação geral: é mais provável que a adaptação seja justa quando os
trabalhadores tiverem o poder material para determinar como ela será.
Como seria
uma adaptação justa na área rural de Bangladesh? Afinal, algum tipo de
adaptação será necessária em quase todos os lugares, e tornar nosso novo
ambiente habitável para as pessoas comuns exigirá organização e planejamento.
Nos Estados Unidos, a adaptação oficial tem geralmente
assumido a forma de projetos de infraestrutura. Alguns destes, como restauração costeira na Louisiana, são bons e
necessários. Outros menos – como um plano para conservar água no Arizona
para garantir que o Exército possa continuar testando seus drones em um mundo
com uma escassez de água cada vez maior. Extraoficialmente, para os ricos, a
adaptação parece fornecer maneiras de se proteger do desastre: brigadas privadas de combate a incêndios na
Califórnia, seguros contra inundações proibitivamente caros em Nova York, backups de geradores nos bairros mais
chiques de Nova Orleans. Para as pessoas comuns, adaptar-se parece sobretudo
uma questão de sobreviver: entrar nos mercadinhos com ar
condicionado durante as ondas de calor, usar máscaras durante incêndios
florestais, recolher a família após um furacão. Onde foram propostas adaptações
em larga escala para a classe trabalhadora, elas geralmente se resumem a realocação. Depois que o furacão Ida atingiu a
Louisiana em agosto, não um mas dois editoriais do New York Times propuseram
uma “retirada administrada” – um eufemismo para mover pessoas para lugares
distantes de suas casas.
Contra isso,
as lutas da classe trabalhadora oferecem modelos para uma adaptação mais justa.
Por exemplo, a luta pela propriedade social da produção de energia, ou “poder público”, é uma luta pela adaptação climática
justa, na medida em que visa garantir um fornecimento confiável e acessível de
eletricidade à medida que as ondas de frio e calor se intensificarem. Em termos
de terra, um relatório recente argumenta que a devolução
de terras aos indígenas norte-americanos ajudaria muito a reduzir sua
vulnerabilidade climática. Enquanto isso, movimentos como Cooperação Jackson vislumbra um “comunismo
de sobrevivência” que vê a propriedade coletiva dos meios de sobrevivência
(terra, bem como várias indústrias) como a chave para qualquer resposta humana
às mudanças climáticas.
Veja: A
fome por si mesma não esclarece https://bit.ly/3sorzHH
Mesmo que
esses planos sejam bem-sucedidos, as mudanças climáticas tornarão partes da
Terra inabitáveis. Para desafiar a causa raiz das mudanças climáticas – ou,
mais modestamente, para desenvolver programas humanitários de realocação sensíveis
às ligações materiais e culturais das pessoas a lugares específicos – os
organizadores terão que conquistar o poder do Estado. Como parte dessa luta, as
políticas social-democratas que desmercantilizam bens essenciais – saúde
universal, água potável, transporte público, eletricidade gratuita – são passos
no caminho para a adaptação justa, pois tornam as pessoas menos dependentes dos
mercados (e, portanto, do trabalho assalariado) para lidar com as mudanças
ambientais. A adaptação pró-trabalhadores também pode se traduzir na luta dos
sindicatos por contratos que forçam os chefes a encerrar o trabalho quando as
temperaturas sobem ou caem abaixo de certos limites, enquanto garantem
compensação por horas perdidas – algo que um sindicato suíço conseguiu fazer.
Esses e
outros exemplos destacam a importância de politizar a adaptação climática da
maneira que Paprocki e Felli incentivam. As medidas de adaptação climática não
precisam mascarar as causas sociais da destruição ecológica, nem fornecer
cobertura para a queima de carvão e petróleo. Quando você pensa na mudança
climática nos termos apresentados em seus relatos – não como uma catástrofe
inevitável, mas como uma intensificação de padrões desiguais e duradouros – a
adaptação começa a se parecer muito com a política socialista de pão com
manteiga. Quer nossa resposta envolva comunas agrícolas ou indústrias
nacionalizadas, o objetivo é dar às pessoas, e não ao capital, a palavra final
sobre como reconfigurar suas vidas diante das mudanças climáticas.
Publicado
originalmente no Dissent Magazine.
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