Bolsa Família dará empurrão no PIB em 2023 e vai tirar três milhões da
extrema pobreza
Economistas projetam aumento da renda total das famílias de
3,5% neste ano, principalmente devido ao programa social, que a partir deste
mês paga R$ 150 por crianças de até seis anos
Fernanda Trisotto e Vitor da Costa/O Globo
Depois de
15 anos trabalhando com carteira assinada, Edivânia de Jesus dos Anjos, de 38
anos, perdeu o emprego no começo da pandemia, em 2020. Como a empresa demorou a
dar baixa no seu registro profissional, ela ficou sem a renda do trabalho e sem
acesso ao Cadastro Único, porta de entrada para benefícios sociais do governo.
Há seis meses, conseguiu regularizar a situação e começou a receber o Auxílio
Brasil de R$ 600.
No governo Lula, o
benefício voltou a ter o nome de Bolsa Família e
foi acrescido de novos valores de acordo com a composição familiar. Com ele,
Edivânia sustenta a casa com dois filhos enquanto tenta empreender em Santa
Luzia, região de ocupação irregular em Brasília, onde mora. Neste mês, passou a
receber mais R$ 150 por causa do filho de 10 meses, Roni:
— Esse
dinheiro extra ajuda, mas é para fralda. Meu sonho é não precisar mais (do
Bolsa Família). Nunca recebi nada, mas quando me vi sem opções, fui atrás da
assistência social — conta.
É por esse adicional de R$ 150 pago a famílias com crianças de até seis anos que economistas projetam um forte impacto positivo do Bolsa Família sobre uma das principais bandeiras de campanha do presidente Lula, a redução da pobreza. E também estimam um aumento maior que o anteriormente previsto na renda, elevando o consumo e evitando uma desaceleração maior da economia em 2023.
O economista Daniel Duque, do Ibre/FGV, explica que, no terceiro trimestre de 2022, último dado disponível pelo IBGE, o Brasil tinha 12,47 milhões de brasileiros na pobreza extrema (renda de até R$ 208 mensais por pessoa do domicílio).
Se o novo o Bolsa Família
já estivesse em vigor, pelas suas contas, haveria 3 milhões a menos nessa
condição. Por isso, ele estima que, neste ano, esse contingente vai recuar para
9,46 milhões de pessoas.
— Com o
desenho atual, de R$ 600 por família e R$ 150 por criança, dá para esperar
bastante melhora (na redução da pobreza) — diz.
A XP
estima que o Bolsa Família terá uma forte influência sobre a massa de renda
disponível às famílias. Em relatório da corretora antecipado ao GLOBO com
exclusividade, os economistas Rodolfo Margato e Tiago Sbardelotto projetam
crescimento de 3,5% do indicador neste ano. Desses 3,5%, 1,4 ponto percentual
corresponde à ampliação das transferências com proteção social, no caso o Bolsa
Família.
Margato destaca que ele
deve ganhar protagonismo em relação a outros programas de assistência social,
com forte influência sobre o consumo, importante motor para o avanço do PIB.
Com isso, os economistas estimam crescimento 1% da economia em 2023.
— Neste ano, as transferências de renda mais volumosas tendem a prover uma sustentação para o consumo e suavizar a desaceleração em curso do gasto das famílias. A variação do consumo das famílias poderia ser até negativa se não fosse o aumento da renda disponível — disse Margato.
O orçamento do Bolsa
Família saltará de cerca R$ 100 bilhões em 2022 para R$ 175 bilhões em 2023. A
transferência mensal média era de R$ 608 até ano passado e passará a R$ 670
neste mês, distribuídos para aproximadamente 21 milhões de famílias.
O
adicional de R$ 150, para 8,9 milhões de crianças menores de 6 anos, passou a
valer em março de 2023, e o acréscimo de R$ 50 para aproximadamente 15 milhões
de crianças e adolescentes de 7 a 18 anos e gestantes será distribuído a partir
de junho.
Foco nas crianças
Ao recalibrar o Bolsa Família privilegiando crianças, o governo do
PT quer repetir o sucesso da fórmula de redução da pobreza . O aumento no
tíquete médio, que vai para R$ 714 em junho, e a melhora na focalização terão
efeitos quase imediatos sobre vulneráveis.
— Tudo
indica que a focalização, apesar da manutenção do piso mínimo, vai melhorar e é
razoável esperar uma redução da pobreza, já que o tíquete médio de quem é pobre
aumenta com os adicionais por criança —avalia Cecília Machado, economista-chefe
do banco Bocom BBM.
Francisca
Batista de Oliveira Neta, de 18 anos, mora em Santa Luzia com a filha de dois
anos. É do Bolsa Família que tira a renda para sustentar a casa — e pagar
inclusive a creche, onde deixa a menina para procurar trabalho:
— Os R$
150 fizeram diferença. Dá uma folga para comprar as coisas da minha filha,
principalmente fralda.
Linha de corte maior
Para Cecília Machado, essa elevação poderá ter um efeito potencial
de movimentar a economia, porque as famílias mais pobres precisam gastar esse
dinheiro para necessidades básicas. Em cidades menores, onde a economia é menos
dinâmica, o giro na economia acaba sendo mais importante. Ainda assim, esse
efeito depende da condução das políticas fiscal monetária:
—É um
balanço complicado, porque temos políticas fiscal e monetária em direções
opostas. Mas vem aí também o reajuste do salário mínimo, mais possibilidades de
reajustes salariais pela inflação com a queda do desemprego. A economia segue
mais resiliente pela alta da massa salarial, que reflete o aumento da
transferência de renda.
Também
será retomada a cobrança das condicionalidades, como frequência escolar e
vacinação.
— No ano
passado, eu não era cobrada, mas acho ótima a cobrança. Nesta semana mesmo já
levei meu filho para a pesagem e ele está com o cartão de vacinação em dia —
diz Edivânia.
A linha
de corte para ingresso no Bolsa Família também passará de R$ 210 para R$ 218, o
que vai permitir que mais famílias sejam incorporadas ao programa. Só em março,
ingressarão quase 700 mil famílias que atendiam os requisitos, mas estavam fora
porque não havia espaço no orçamento para pagá-las.
A entrada
dessas famílias faz parte de um pente-fino do governo no Cadastro Único, que
tem o objetivo de retirar aquelas que não atendem aos critérios do programa.
Até agora, foi identificada e removida cerca de 1,5 milhão de famílias.
Na avaliação do pesquisador do Insper Alysson
Portella, é por esse ajuste fino que o governo vai conseguir ter ganhos na
redução da pobreza.
— Desde a
crise de 2014/2015, o desemprego subiu e os salários ficaram estagnados,
entramos em outro período de recessão, piorado pela Covid. O Bolsa Família vai
tentar socorrer essas pessoas.
A
eficiência do novo programa só vai ser mensurada na prática, na avaliação de
Marcelo Neri, diretor da FGV Social, quando se determinar quantos vulneráveis
serão atingidos e mantidos no programa.
—Um
programa mais pró-pobre é socialmente mais efetivo e gera impacto
macroeconômico maior, mas a complicação disso tudo é esse piso de R$ 600
vinculado por família — diz Neri, que considera essa uma herança ruim do
governo Bolsonaro.
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