A
militância nossa de cada época*
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
Certa vez, como ocorre com certa
frequência, um grupo de estudantes me entrevistou demoradamente (à época, no
meu gabinete de vice-prefeito do Recife) acerca do período do regime militar.
Perguntas várias, curiosidade
comovente, misto de surpresa diante da descoberta de fatos dramáticos da vida
brasileira (dos quais sequer suspeitavam — haviam lido alguma coisa, adiantam,
mas não tinham ainda conversado com ninguém que os tivesse vivido pessoalmente);
e de alumbramento, por chegarem "tão perto" (no dizer de um deles),
através do meu relato, de coisas "quentes" de nossa História recente.
(O bom dessas entrevistas com jovens
é isso: o despertar para o conhecimento da História real e a descoberta do povo
como protagonista).
Mas eis que, ao término da conversa,
uma jovem de rosto sardento e jeito tímido, óculos de aros escuros, que me
chamara a atenção pelo quase mutismo e pelo olhar grave, pergunta:
- É muito mais fácil ser militante
hoje do que naquele tempo, não é mesmo?
- Não. Hoje, sob certos aspectos, é
até mais difícil.
Diante do ar surpreendido dela e dos
seus colegas, esclareci:
É certo, sim, que a militância
partidária, especialmente no Partido Comunista do Brasil, sob a ditadura, era
muito difícil. Atuávamos clandestinamente, sujeitos a privações e a riscos, com
a cabeça colocada a prêmio. A qualquer momento podíamos ser presos e
torturados, como de fato aconteceu com muitos de nós; ou a perder a vida nas
masmorras ou em embate aberto com as forças da repressão policial.
Porém, como a militância é uma opção
consciente, uma atitude subjetiva — era relativamente simples justificá-la: o
regime de exceção, o povo sufocado, vilipendiado e submetido a um modelo de
desenvolvimento excludente. Lutar era, assim, um imperativo de consciência.
Hoje já não temos nossas cabeças
colocadas a prêmio. Não corremos o risco de agravos à integridade física.
Mas, do ponto de vista subjetivo, a
militância implica encontrar respostas para uma gama enorme de problemas
teóricos e políticos — da perspectiva socialista aos intricados assuntos
relacionados com a situação política atual, os obstáculos à superação das
políticas neoliberais e a regressão civilizatória intentada pelo neofascismo.
Antes sofríamos a pressão dos tanques
e das baionetas, hoje, o torpedeamento da mídia, a complexidade do debate de
ideias sob pressão das redes digitais.
Nesse sentido, a militância comunista
será sempre um desafio instigante. E também uma fonte de felicidade pessoal,
quaisquer que sejam as circunstâncias — em qualquer época.
[Crônica ligeiramente modificada de texto original publicado em 3 janeiro 2015]
*Minha coluna desta quinta-feira no portal Vermelho
[Se comentar,
assine]
Leia: Honrar a história de luta do povo brasileiro para elevação da consciência libertadora https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/pcdob-direitos-humanos.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário